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Com sorte e competência, a Itália conseguiu o seu primeiro título europeu, em 1968

A caminhada para um título no futebol sempre é forjada por situações especiais que marcam a equipe que levanta o caneco. E, como em todos os jogos, as discussões sobre sorte ou azar também permeiam o esporte. O único título da Itália na Eurocopa aconteceu em 1968, quando o país sediou a fase final do torneio, e a campanha foi marcada pelo acaso.

Por si só, a participação da Itália seria um acontecimento inesquecível: a Nazionale estreava no torneio, que, na época, tinha sua fase final disputada apenas por quatro seleções. Em 1968, a Velha Bota sediava a competição justo no momento em que deixava de ser chamada de Copa das Nações da Europa e passou a ser o Campeonato Europeu. Ou, simplesmente, Eurocopa.

Acontece que o título italiano foi marcado por uma das mais curiosas situações do futebol: uma classificação decidida no cara ou coroa. Não, você não leu errado. Sim, a Itália chegou até a final da Eurocopa por conta de uma escolha certa na moedinha. Só que muito chão foi percorrido até o capitão Giacinto Facchetti tirar a sorte grande diante da União Soviética no vestiário do estádio San Paolo, em Nápoles.

Tendo Facchetti como capitão, a Itália estava alinhada para a primeira partida da final da Euro de 1968 (AP)

A Euro, naquela edição, era bem diferente da que temos em disputa atualmente. O torneio tinha uma fase qualificatória que envolveria fase de grupos e ainda uma fase preliminar de quartas de final, que seriam disputadas no consagrado sistema de “ida e volta”, com cada seleção jogando em casa uma vez. Depois desse afunilamento, sobraram quatro times, que foram até à Itália para disputar o grande título continental. Era apenas a terceira edição da competição: a Squadra Azzurra havia decidido não participar da primeira edição e não se qualificou para a segunda, após perder para a União Soviética. Em 1968, os anfitriões não garantiam vaga, então os italianos foram a campo buscar o direito de disputar a taça.

A situação da Nazionale não era nada boa, vale ressaltar. Os insucessos nas competições eram seguidos e os azzurri nem de longe lembravam a equipe que foi dominante entre 1934 e 1938, quando foi bicampeã mundial e faturou um ouro olímpico. A Itália não tinha passado da primeira fase nas Copas de 1954 e 1962 e sequer disputou o Mundial de 1958. A participação em 1966, na Inglaterra, foi cercada de expectativas: pela primeira vez em algum tempo a equipe estava no rol das favoritas. O resultado foi uma eliminação para o time de jogadores semiprofissionais da Coreia do Norte, numa das zebras mais famosas do futebol.

É nesse contexto que começa a qualificação para a Euro. Ainda em 1966 ,a Itália começa a disputar as qualificatórias do torneio. A fase de grupos foi tranquila e a classificação foi garantida com folga: foi líder num grupo com Romênia, Suíça e Chipre, marcou 17 gols e sofreu apenas três em seis partidas. Luigi Riva foi o artilheiro, com seis tentos anotados.

Zoff teve algum trabalho contra os iugoslavos, mas a Itália se saiu bem na final (imago/United Archives International)

A equipe iniciou a sua trajetória sendo treinada por uma comissão formada por Helenio Herrera e Ferruccio Valcareggi. Em meados de 1967, Valcareggi assumiu de maneira definitiva o comando da Squadra Azzurra. O teste de fogo para o treinador foi a disputa das quartas de final diante da Bulgária e o início não foi bom: derrota por 3 a 2, em Sófia. O fantasma dos péssimos resultados em anos anteriores rondou a Nazionale, mas foi afastado no San Paolo, em Nápoles: vitória por 2 a 0. Pierino Prati e Angelo Domenghini tranquilizaram um público de 95 mil pessoas e confirmaram a classificação italiana para a fase decisiva da Euro.

O chaveamento da competição colocou a Itália mais uma vez frente a frente com a União Soviética, equipe que era a sua algoz: eliminara a Nazionale antes da fase final na última edição do torneio e ainda a vencera na Copa de 1966. A partida foi disputada no San Paolo, dessa vez para um público de 68.582 pessoas. O jogo foi de poucas oportunidades e a Itália logo sofreu um baque: em época que não eram permitidas alterações, Gianni Rivera se machucou e precisou deixar a partida.

Com 10 em campo, os anfitriões buscaram não se expor e incomodaram em algumas oportunidades. Os soviéticos pressionaram e encontraram dificuldades para marcar no goleiro de 26 anos que fazia a partida mais importante da sua carreira, até então. O nome dele era Dino Zoff.

Logo nos primeiros minutos, Riva abriu o placar para a Itália (AP)

A situação ficou ainda mais complicada quando, na prorrogação, o zagueiro Giancarlo Bercellino, também machucado, deixou o campo. A Itália quase conseguira marcar nos minutos finais, quando Domenghini acertou uma falta na trave, mas o empate persistiu. E também continuou nos 30 minutos de tempo extra.

Assim, foram ao vestiário os capitães Facchetti e Albert Shesternyov, juntamente com o árbitro alemão Kurt Tschenscher. O italiano então escolheu cara e o juiz jogou a moeda para cima, enquanto a multidão ansiava pelo resultado. Assim que a moeda caiu favorável aos donos da casa, Giacinto subiu de volta para o campo para comemorar a classificação da sua equipe com seus jogadores e os milhares de torcedores presentes.

No dia 8 de junho de 1966, a Itália alinhava contra a Iugoslávia, que tinha batido a Inglaterra na outra semifinal, para disputar o título europeu. Assim como na final da Copa do Mundo de 1934, também em Roma, os donos da casa saíram atrás. Dragan Dzajic, aos 39 minutos de partida, abriu o placar para os visitantes. O empate veio aos 40 minutos do segundo tempo, com uma bomba em cobrança de falta de Domenghini – o mesmo que havia parado na trave diante dos soviéticos. A paridade forçou uma partida desempate.

Festa para o time liderado por Facchetti: a Itália levantava a sua primeira taça da Euro (AP)

Dois dias depois, mais uma vez entraram em campo Itália e Iugoslávia, e novamente em Roma. Os visitantes fizeram uma alteração na escalação, enquanto os donos da casa, comandados por Valcareggi, trocaram cinco peças. Um dos novos titulares abriu o placar logo aos 12 minutos de partida: Riva apareceu sozinho na área e, oportunista, aproveitou um chute errado de Domenghini para anotar o primeiro tento da partida. O último gol da partida nasceu novamente dos pés de Angelo, que acionou Pietro Anastasi na entrada da área. Num belo giro, o juventino inaugurava a sua contagem pela seleção. A vitória por 2 a 0 confirmou o primeiro título italiano da Eurocopa.

A conquista apagou o histórico de decepções que a torcida vinha acumulando com a equipe nacional havia três longas décadas. Também marcou positivamente a caminhada de jogadores já experientes como Facchetti, Rivera e Sandro Salvadore e iniciou o ciclo de outros importantes nomes da Nazionale, como Zoff, Anastasi e Riva – até hoje o maior artilheiro da história da Squadra Azzurra, com 35 gols. O elenco do título europeu serviu como base do time que, dois anos depois, perdeu para o Brasil e foi vice-campeão mundial.

Muitos dizem que a sorte dos italianos no torneio acabou naquela vitória do cara ou coroa. Desde então, a equipe nunca mais levantou o caneco da Eurocopa. Foi vice-campeã duas vezes: perdeu por 2 a 1 para França em 2000, após tomar o gol de empate aos 48 do segundo tempo e ser vencida pelo extinto gol de ouro, na prorrogação. A outra derrota ocorreu em 2012, quando levou um baile da Espanha e perdeu por 4 a 0. Em 2021, a equipe terá a chance de buscar o título e, quem sabe, fazer as pazes com a fortuna durante a Euro.

Itália 1-1 Iugoslávia

Itália: Zoff; Burgnich, Castano, Guarneri; Domenghini, Lodetti, Ferrini, Facchetti; Juliano; Anastasi, Prati. Técnico: Ferruccio Valcareggi.
Iugoslávia: Pantelic; Fazlagic, Paunovic, Holcer, Damjanovic; Trivic, Pavlovic, Acimovic; Petkovic, Musemic, Dzajic. Técnico: Rajko Mitic.
Gols: Domenghini (80′); Dzajic (39′)
Árbitro: Gottfried Drienst (Suíça)
Local e data: estádio Olímpico, Roma (Itália), em 8 de junho de 1968

Itália 2-0 Iugoslávia (jogo extra)

Itália: Zoff; Burgnich, Salvadore, Guarneri; Domenghini, Rosato, De Sisti, Facchetti; Mazzola; Anastasi, Riva. Técnico: Ferruccio Valcareggi.
Iugoslávia: Pantelic; Fazlagic, Paunovic, Holcer, Damjanovic; Trivic, Pavlovic, Acimovic; Hosic, Musemic, Dzajic. Técnico: Rajko Mitic.
Gols: Riva (12′) e Anastasi (31′)
Árbitro: José María Ortiz de Mendíbil (Espanha)
Local e data: estádio Olímpico, Roma (Itália), em 10 de junho de 1968

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