Serie A

Totti, jamais santo: a personificação da rivalidade

Que juventino de meia pataca sou. Prestei somente uma homenagem aos vários aniversários de despedida de Alessandro Del Piero, emprestei espaço para um torcedor amigo escrever sobre a saída de Andrea Pirlo e agora, numa madrugada estranha, cheia de névoa, coloco pensamentos sobre Francesco Totti no papel. Justo ele, o encarnado. A personificação da rivalidade. O odioso.

Em meio a tantas homenagens amáveis, apaixonadas, tristes ou saudosistas, há esta. Perdi a conta de quantos vídeos assisti com os gols dele, a maioria assinada com coberturas espantosas — contra Inter, Empoli e aquele surreal ante a Lazio. As assistências, oras, sempre estiveram aparentes. Jamais duvidarei da capacidade técnica do quarentão; e seria louco se suspeitasse. Bastava uma piscadela mais longa e Totti já tinha deixado alguém em posição para balançar a rede.

Só que lembro muito bem é do outro Francesco, o que jamais foi santo. Um bad boy da mais alta classe, que devia nada aos parceiros de estirpe Marco Materazzi e Gennaro Gattuso. Pergunte a Carsten Ramelow o que ele achou quando Totti pulou em cima do ombro dele, como se estivesse andando de skate. Ou a Luciano Zauri, que tomou pisão e chute nos bagos. Ou a Mario Balotelli. Ou a Christian Poulsen, que levou uma cusparada na cara — local do xará Colonnese que usado como saco de pancada para treinamento de cotovelada. Não consigo dissociar o gênio do demônio.

Certo que ele apanhava na mesma proporção que batia. E aqui reside outra razão pela qual odeio Totti: o que ele podia ter sido em campo. Adolescente que era, queria ver ele e Del Piero jogando juntos na seleção. E bem. Sempre. Dá para contar em uma das mãos quantas vezes isso aconteceu.

Tudo que envolve a Roma merece um parágrafo à parte. A Juve perde, o Napoli é derrotado, o Milan não supera, mas só a Roma acaba romando. O clube nunca foi além. Foi em Totti que esperei muito de um rival que não saiu da mediocridade. Era nele em quem eu depositei confiança por batalhas ferrenhas durante o campeonato, e não de Mancini, Rodrigo Taddei, Mido, Christian Wilhelmsson, Stefano Okaka ou David Pizarro. Porque Totti inflamava os adversários.

Num mundo de generalismos, a autenticidade dele destoa. Seja ela certa ou errada, lembrando da briga pública com Pavel Nedved depois de sugerir que a Juventus comprava a arbitragem (a rivalidade não ficará em banho-maria, pois ele já passou o bastão para o também detestável Radja Nainggolan).

No fundo, queremos um jogador que seja uma extensão de nós mesmos ali, entre as quatro linhas. Uns preferem os certinhos; outros, os fanfarrões; uma outra parcela, os malvados. Aldair, Bruno Conti, Giuseppe Giannini, Amedeo Amadei, todos ídolos. Mas ninguém juntou todas as pontas, durante 40 anos, como Totti.

Ele é, pra mim, o certo e o errado; é a vivacidade, paixão e fidelidade andando paralelamente com a raiva. Aqui, os sentimentos se misturam entre o amar odiar e odiar amar. Aos romanos giallorossi, ele foi a razão de suspiros, sorrisos e choros. Neste término, lamento a despedida. É mais fácil encontrar alguém para detestar que um novo colosso que fez de Roma seu império.

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Publicado originalmente em maio de 2017 no ESPN FC.

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