Jogos históricos

A Inter de Ronaldo e Diego Simeone castigou o Milan num dos quatro dérbis de 1997-98

Yuri Said

A temporada 1997-98 foi um deleite para os amantes do Derby della Madonnina. Naquele ano, Inter e Milan fizeram quatro clássicos e dois deles entraram para a história por conta de seus resultados. O Diavolo goleou a Beneamata por 5 a 0 nas quartas de final da Coppa Italia e, meses depois, levou o troco na Serie A: o triunfo por 3 a 0 impulsionou os nerazzurri na corrida pelo título e afundou os rossoneri em sua anônima campanha de meio de tabela.

Naquela noite de 22 de março de 1998, Milan e Inter se enfrentariam no quarto dérbi da temporada, válido pela 26ª rodada da Serie A. Pela competição, os rivais haviam empatado por 2 a 2 no primeiro turno. Já na Coppa Italia, o apoteótico 5 a 0 aplicado pelos rossoneri, na ida, praticamente eliminou os nerazzurri – que até venceram por um magro 1 a 0 na volta.

Não havia dúvidas de que, para a Inter, uma atuação convincente e um resultado positivo serviriam para minimizar a goleada sofrida pelo rival, considerada a única mancha de uma ótima temporada. Porém, o dérbi representava mais do que a segunda oportunidade de revanche para a Beneamata naquela semana. Na quarta, os nerazzurri garantiram a classificação para as semifinais da Copa Uefa às custas do Schalke 04, time para o qual havia perdido na decisão anterior do torneio continental.

Animada pela vaga, a Inter também chegava ao Derby della Madonnina como terceira colocada da Serie A, a quatro pontos da Juventus e a dois da Lazio – mais cedo naquele mesmo dia, as adversárias empataram com Parma e Piacenza, respectivamente. Em suma, uma vitória nerazzurra no clássico embolaria a briga pelo scudetto.

Para o Milan, uma derrota no dérbi seria terrível, visto que o time, a duras penas, ocupava apenas a oitava posição do certame e, na semana seguinte, o calendário lhe reservava outro clássico, dessa vez contra a Juventus. A corrida por vagas na Copa Uefa estava muito disputada e, por conta disso, os rossoneri não podiam apostar todas as fichas no campeonato. Tampouco poderiam fazê-lo na Coppa Italia, visto que a decisão do torneio, em abril, seria ante a fortíssima Lazio.

Em sua segunda passagem pelo Milan, Fabio Capello se via no mesmo labirinto que Arrigo Sacchi percorreu em 1996-97, quando tornou a treinar os rossoneri e terminou a Serie A na 11ª posição. Entre os mercados de verão e inverno, o Diavolo fez 17 contratações para tentar dar a volta por cima e, além disso, superar as aposentadorias de Franco Baresi e Mauro Tassotti, mas quase todas as apostas deram errado. No Derby della Madonnina, cinco dos reforços começaram jogando – os laterais Giuseppe Cardone e Christian Ziege, o ponta-direita Ibrahim Ba, o atacante Patrick Kluivert e o versátil Roberto Donadoni, que retornara a Milanello e foi escalado no clássico como meia central.

A Inter vinha de uma temporada em que bateu na trave na Serie A (terceira colocada), na Copa Uefa (vice-campeã) e na Coppa Italia (semifinalista) e, tal qual o Milan, se mexeu muito no mercado. Mas, ao contrário da rival, a diretoria encabeçada pelo presidente Massimo Moratti e pelo diretor esportivo Sandro Mazzola deu ao recém-chegado técnico Luigi Simoni reforços que geraram maior impacto. Taribo West, Francesco Colonnese, Francesco Moriero, Zé Elias, Diego Simeone e Ronaldo, o melhor do mundo à época, se encaixaram na equipe e foram titulares no Dérbi de Milão.

Enquanto as torcidas faziam sua tradicional festa, esquadrões de Milan e Inter adentravam o gramado (Colorsport)

Em sua partida de número 200 na Serie A, Capello montou um Milan que buscava bastante o ataque na ligação direta e pelos cruzamentos, tentando aproveitar a imposição física de Kluivert e George Weah. No meio-campo, Zvonimir Boban era o principal responsável por pensar o jogo. A Inter, por sua vez, optava por um setor central e defensivo extremamente robusto, concentrando as jogadas ofensivas em Ronaldo e Youri Djorkaeff, além das bolas paradas.

O primeiro tempo não foi dos mais vistosos. Faltas pesadas, como as que renderam cartões amarelos a Colonnese, Moriero e Paolo Maldini, pararam as tentativas de jogadas individuais mais agudas. Os dois times arriscaram muito de fora da área, mas a pontaria não estava muito calibrada: nessas oportunidades, apenas a de Simeone, nos 15 minutos iniciais, levou algum perigo, já que Sebastiano Rossi precisou jogar a bola para escanteio.

O Milan teve o controle das ações, conseguiu trocar passes e colocar seus atacantes na partida. A Inter, quando recuperava a bola, não tinha criatividade no setor ofensivo, apesar das iniciativas individuais de um encaixotado Ronaldo e das subidas de Javier Zanetti pelo lado esquerdo. Aos 42 minutos, então, a Beneamata abriu o placar através de escanteio cobrado por Djorkaeff. Simeone correu a partir da entrada da área, escapando da marcação de Marcel Desailly, e chegou voando, na frente de Demetrio Albertini, para desferir uma potente cabeçada na pelota, sem dar chances para Rossi.

Antes de os times irem para os vestiários, o próprio Albertini tentou responder à Inter em cobrança de falta, mas tirou tinta da trave. Na volta do intervalo, o camisa 4 ficou no banco, dando lugar a Giampiero Maini, que adentrou no gramado sob a tradicional fumaça dos sinalizadores das torcidas, que invadiu o campo. Ainda sob a névoa, Djorkaeff teve boa chance de ampliar para os nerazzurri: recebeu passe na entrada da área e exigiu grande defesa de Rossi.

O jogo melhorou bastante no segundo tempo, apesar dos erros de arbitragem. O Milan deveria ter tido um pênalti a seu favor, já que o cruzamento de Ba foi desviado pelo braço de Zanetti; por outro lado, Maldini poderia ter sido expulso, pois acumulou faltas ríspidas para tentar parar Ronaldo. O capitão rossonero, aliás, quase fez um gol contra num tiro livre cobrado pelo brasileiro.

A Inter, melhor no segundo tempo, criava bastante pelo lado direito, com Moriero. O ponta chegou a receber um passe em boas condições de marcar, mas chutou para fora. Do outro lado, Capello tirou Cardone e lançou o time ao ataque, promovendo a entrada de Maurizio Ganz. Logo após a mudança, Kluivert bateu cruzado, de primeira, e Gianluca Pagliuca espalmou para o lado.

Em resposta à troca do Milan, Simoni resolveu fechar a casinha, colocando Salvatore Fresi e Benoît Cauet nos lugares de Zé Elias e Djorkaeff. Além de melhorar o sistema de defesa de sua equipe e renovar o gás na marcação, o treinador apostaria nos contragolpes, com a velocidade de Moriero e Ronaldo. Funcionou: aos 76, o camisa 17 descolou um lançamento na medida para o craque brasileiro, que aproveitou a retaguarda desconfigurada dos rossoneri e, entre os franceses Ba e Desailly, encobriu Rossi com um lindo toque de primeira, ampliando o placar para os nerazzurri. Foi o 17º gol do Fenômeno na Serie A.

Em noite artilheira de Simeone, Ronaldo guardou o mais belo gol daquele Derby della Madonnina (Getty)

Após o tento de Ronie, Capello promoveu a última substituição, sacando Weah para colocar Filippo Maniero – e também pôs o seu time para cima, o que deixou o clássico muito aberto em sua reta final. A primeira das muitas chances que aconteceram nesse período frenético foi do Milan, que teve direito a uma cobrança de falta na meia-lua. Boban foi para a bola e o desvio em adversários quase a levou ao gol, passando a centímetros da trave defendida por Pagliuca.

A Inter passou a ameaçar frequentemente em contra-ataques, tendo peças de seu setor de meio-campo como principais fontes de perigo para o Milan. Após bola afastada em escanteio, Maldini tentou reconstruir a jogada, mas errou no passe e viu Zanetti acelerar a todo vapor para roubar a posse e partir em velocidade, até servir Cauet. O camisa 15, no entanto, perdeu a passada e finalizou em cima de Rossi. Na sequência, a dupla voltou a funcionar: o argentino cruzou para o francês cabecear e o goleiro rossonero novamente apareceu, dessa vez contando com a ajuda da trave para adiar o terceiro nerazzurro.

Afinal, o terceiro parecia inevitável, já que a Inter realmente estava com fome de gols e, ao sentir cheiro de sangue, não parecia disposta a deixar a oportunidade de marcar mais vezes escapar. No fim do clássico, o Milan partiu para cima, perdeu a posse e viu o contra-ataque rival ser construído por passes rápidos de Ronaldo e Cauet, sendo que o francês inverteu a jogada e Simeone pode avançar em campo aberto. Cara a cara com Rossi, o argentino poderia rolar para o Fenômeno completar para a meta desguarnecida, mas foi fominha e optou pelo drible no arqueiro, conseguindo completá-lo por muito pouco: no limite, Cholo finalizou para as redes e sacramentou o triunfo nerazzurro, aos 88 minutos.

Por incrível que pareça, ainda houve tempo de o Milan ameaçar a rival mais três vezes, com cabeçadas de Donadoni e Boban – Cauet tirou a primeira em cima da linha e Pagliuca colocou a segunda para escanteio. Ganz também saiu cara a cara com o arqueiro nerazzurro, mas teve seu arremate defendido. Do outro lado, Simeone chegou a ter a chance de anotar sua tripletta, mas não direcionou bem o chute e viu Rossi espalmar.

O resultado do Derby della Madonnina serviria como prelúdio da péssima reta final da temporada do Milan. O Diavolo entrou numa crise profunda e acabaria somando apenas uma vitória nas 10 últimas rodadas da Serie A, sendo obrigada a amargar goleadas para Juventus (4 a 1) e Roma (5 a 0), além de uma pesada derrota para o Bologna (3 a 0), com dois gols de Roberto Baggio, que fora mandado embora de Milanello por Capello, no início da campanha. Os rossoneri ficaram apenas na 10ª colocação do Italiano e, devido ao vice na Coppa Italia, não se classificaram para competições europeias pelo segundo ano consecutivo, o que levou à demissão do treinador e mais uma reformulação. Em 1998-99, sob as ordens de Alberto Zaccheroni, o time faturaria o scudetto.

Para a Inter, o triunfo no clássico representou ânimo extra na briga com a Juventus pelo scudetto. A Beneamata chegou ao confronto direto com a Velha Senhora, na 31ª rodada, apenas um ponto atrás da rival. Naquele que é considerado por muitos com o Derby d’Italia mais polêmico de toda a história, os nerazzurri tiveram pênalti sobre Ronaldo não marcado pela arbitragem e os bianconeri venceram por 1 a 0.

No fim das contas, a Inter terminou o ano como vice da Serie A, cinco pontos atrás da Juventus, e Ronaldo também ficou em segundo na artilharia – marcou 25 gols, dois a menos que Oliver Bierhoff, da Udinese. Na Copa Uefa, porém, final feliz: os nerazzurri superaram a Lazio em Paris, foram tricampeões da competição e carimbaram o primeiro título da gestão Moratti.

Milan 0-3 Inter

Milan: Rossi; Cardone (Ganz), Desailly, Maldini, Ziege; Ba, Albertini (Maini), Donadoni, Boban; Weah (Maniero), Kluivert. Técnico: Fabio Capello.
Inter: Pagliuca; Bergomi, Colonnese, West; Moriero (Kanu), Simeone, Zé Elias (Fresi), Simeone, Winter, Zanetti; Djorkaeff (Cauet), Ronaldo. Técnico: Luigi Simoni.
Gols: Simeone (42′), Ronaldo (76′) e Simeone (88′)
Árbitro: Livio Bazzoli (Itália)
Local e data: estádio Giuseppe Meazza, Milão (Itália), em 22 de março de 1998

Compartilhe!

Deixe um comentário