Os cartões portais de Milão conversavam, uma providência precisava ser tomada. Os canais de Navigli agora eram enchidos pelo suor frio dos milanistas e também pelas lágrimas dos interistas nostálgicos. Por outro lado, o Castelo Sforzesco, acostumado com as famílias reais de Maldini e Zanetti, já sentia a falta de sua coroa e se lamentava pelo futebol nada nobre naquela terra. Nem se fala então do Duomo, pobre coitado: quase 12 mil metros de área construída, sendo a terceira maior catedral do mundo – gigante, certo? Nada disso. Para as preces e orações das duas principais torcidas da cidade, o espaço ficou pequeno. Faltava um cartão postal fazer sua parte: o San Siro não se orgulhava do que acontecia lá dentro nas últimas temporadas. O futebol na cidade precisava de mudanças e todos tinham decidido que na época seguinte, as coisas seriam diferentes. Quiçá, para fazer a praça do Duomo receber festejos de títulos, como na foto acima.
O Milan tomou as dianteiras. Foi um dos protagonistas do mercado, contratando jogadores promissores de outras ligas, como o lateral esquerdo suíço Rodríguez, o centroavante português André Silva e o trequartista turco Çalhanoglu. Também buscou valores da própria série A: Kessié, Conti e Biglia chegaram ao clube. Da Inglaterra veio Fabio Borini e por fim, de Turim viria a grande cereja do bolo: Bonucci aterrissou em Milão já com a faixa de capitão em seu braço.
A Inter não fez tanto alarde, mas soube remediar bem seus problemas. Luciano Spalletti chegou à equipe nerazzurra com a promessa de cumprir um grande objetivo. Scudetto? Coppa? Vamos com calma: a primeira taça se chama regularidade. Para conquistá-la, a Beneamata começou fortalecendo seu meio-campo e sua zaga. Chegaram Borja Valero, Vecino e Skriniar. Depois, as laterais foram reforçadas com Dalbert e com o recém-chegado João Cancelo. No entanto, a permanência de Perisic foi a grande vitória interista na janela de transferências, que ainda não terminou e pode reservar aos azuis e pretos a chegada de um zagueiro e da joia checa Patrick Schick.
Foi assim que os times se prepararam para o início da Serie A. Os cartões postais então se entreolharam e perceberam que, mesmo com o fortíssimo sol do verão lombardo, o clima parecia mais leve.
Rossoneri: despertador programado
Antes mesmo de a pré-temporada começar, o milanista já estava animado. Dessa vez parecia que tudo seria diferente. A eficiência que não se via antes no campo parecia estar com a diretoria. E só melhorava.
Nos primeiros amistosos, um sonoro 4 a 0 contra o poderoso Bayern. Já nas preliminares da Liga Europa, passagem tranquila pelo Universitatea Craiova, que antecipava o jogo que faria a torcida explodir em otimismo: o estádio San Siro lavou a alma, e dessa vez não foi com lágrimas ou com o suor gelado, mas sim com uma chuva de gols. O Diavolo aplicou 6 a 0 no Shkëndija, com doppietta de Montolivo e André Silva.
Pronto, a animação tomou conta. Camisas grafadas com o número 19 e com o nome de Bonucci já se tornaram os destaques de todas as banquinhas da cidade, a imprensa italiana também se animou. Já começaram a questionar se o Milan pode brigar pelo scudetto, mesmo com outros elencos teoricamente mais prontos que o do time rossonero.
Neste final de semana, na primeira rodada da Serie A, a equipe mostrou que está disposta a aumentar o sonho da tifoseria: um belo 3 a 0 fora de casa sobre o Crotone, duro adversário em seus domínios. O reforço Kessié deixou o dele e deu mais fluidez ao meio campo, o garoto Cutrone anotou mais um tento e mostrou ser o candidato à principal revelação milanista da temporada; por fim, Suso, em boa partida, fechou a conta.
Os rossoneri já haviam enchido as arquibancadas do San Siro nas preliminares da Liga Europa e agora essa onda de vibrações só deve aumentar nos próximos jogos. Um primeiro passo para o despertar do torpor de anos anteriores já foi dado. A Gazzeta dello Sport já chamou o momento de “revolução”, mas o Milan ainda terá que mostrar até onde pode chegar. Nessa semana fará o segundo jogo contra o Shkëndija, da Macedônia, e depois pega o Cagliari, estreando em casa no Italiano.
Mais uma vez, a casa deve estar cheia de torcedores muito mais que acordados: despertados, animados, extasiados. O novo presidente do clube, Yonghong Li, terá de colocar o alarme para tocar cada vez mais cedo em sua residência, na China.
Nerazzurri: rota planejada para a chegada da Inter
Logo com a definição de Spalletti, a Inter brincava em suas redes sociais com uma das frases mais marcantes da série Game of Thrones: substituiu “Winter is coming” (O inverno está chegando) por “Inter is coming”. O lema “a Inter está chegando” era reforçado após cada uma das contratações.
Após anos de sofrimentos similares ao da família Stark na série, essa grande realeza da região norte italiana parece ter aparado algumas arestas. O interista não mostrava a mesma confiança de seus rivais, mas a pré-temporada acendeu a esperança aos torcedores. Com grandes vitórias frente a Bayern (2 a 0), Lyon (1 a 0), Chelsea (2 a 1), Villareal (3 a 1) e Betis (1 a 0); os nerazzurri apresentaram um time sólido, com Skiniar e Miranda esbanjando segurança lá trás e Borja Valero já assumindo o protagonismo no novo clube. Será, então, que não era necessário fazer tanto alarde no mercado?
Foi assim que a febre azul e preta também cresceu na cidade. No primeiro jogo oficial da temporada, frente à Fiorentina, mais de cinquenta mil pessoas compareceram ao San Siro para cantar “Pazza Inter” e ver se realmente, os dias tinham ficados mais tranquilos para a equipe. Desde 2009, contra o Bari, no primeiro jogo da campanha que resultou na Tríplice Coroa, o Giuseppe Meazza não recebia um público tão grande em agosto.
A Beneamata acabou por presentear àquelas pessoas com uma belíssima estreia. Dois jogadores da temporada passada (Icardi e Perisic) marcaram os gols dessa nova Inter. E, assim, a Inter fez 3 a 0 em uma Viola ainda em reconstrução, num jogo de vários reencontros: Valero e Vecino jogaram contra sua ex-equipe; do outro lado era Pioli que enfrentava seus ex-comandados.
Felicidade na comunidade de Milão. Mas o próximo episódio promete ser quente, já que a Inter viaja à capital no próximo fim de semana, para jogar contra a atual vice-campeã Roma. Dessa vez, Spalletti irá reencontrar seu antigo clube e uma torcida que não morre de amores por ele. A promessa é que uma forte batalha coloque à prova a chegada da Inter ao rol das postulantes por grandes objetivos.
Milão: cada vez mais cheia
O mês de agosto é sinônimo de férias na Itália. A maioria das pessoas na Bota aproveita a data pra visitar às famosas praias do sul do país, deixando Milão vazia – especialmente no feriado de Ferragosto, que aconteceu no início da semana passada. No entanto, nesse mês a cidade ficou cheia: de otimismo e energia positiva de interistas e milanistas.
Os canais de Navigli já correm mais tranquilos, o Castelo Sforzesco está também mais feliz, mesmo que ainda sinta falta da fartura de outrora; o Duomo voltou a se sentir gigante e o San Siro, mesmo que ressabiado com as últimas campanhas, voltou a ser barulhento e imponente. Resta saber se o Milan se manterá acordado e se a Inter vai acertar o caminho pra chegar lá. Aguardamos os próximos capítulos – de preferência tomando um gelato na bela Milão.