Embora muito tradicional, o Bologna não tem um histórico de participações em torneios continentais condizente com a sua sala de troféus. O motivo é simples: durante os principais momentos de glória do clube, entre as décadas de 1920 e 1960, a organização de competições europeias era incipiente: após o sucesso da extraoficial Copa Mitropa, foi só a partir de meados dos anos 1950 é que a Uefa passou a tratar seriamente do assunto.
Sendo assim, quem se debruça sobre os pormenores do quinto maior campeão da Serie A pode até se surpreender com o fato de que a melhor campanha rossoblù fora dos domínios italianos se deu na Copa Uefa de 1998-99, quando uma polêmica eliminação para o Olympique de Marseille, nas semifinais, impediu a realização de um clássico emiliano com o Parma na decisão. Ainda assim, a garra de um forte Bologna, que superou duros adversários e só caiu por conta do gol qualificado, no finalzinho da partida de volta, orgulhou a Cidade das Duas Torres.
Jornadas marcantes costumam ser construídas com muita antecedência e, com o Bologna, não foi diferente. A trajetória dos emilianos na Copa Uefa se iniciou bem antes da temporada 1998-99 e tem como pano de fundo o pior momento de sua história. Em 1993, rebaixado à terceira divisão pela segunda vez em sua existência, falido e no fundo do poço, o clube rossoblù passou a ser administrado pelo empresário Giuseppe Gazzoni Frascara, e se realinhou rapidamente.
Entre 1994 e 1998, o Bologna treinado por Renzo Ulivieri acumulou dois acessos consecutivos, com direito aos títulos das séries C1 e B, além de duas semifinais de Coppa Italia – a primeira delas quando ainda disputava a segundona. Em 1997, o clube ainda teve a ousadia de contratar Roberto Baggio, num momento em que o craque desejava dar a volta por cima e ser convocado para a Copa do Mundo do ano seguinte, e tudo ia muito bem. Com o aporte do Divin Codino, que marcou 22 gols, os rossoblù ficaram com a oitava posição do Campeonato Italiano e garantiram uma vaga na Copa Intertoto.
Sem Baggio e Ulivieri, que foram para Inter e Napoli, respectivamente, Gazzoni Frascara reconstruiu o núcleo do Bologna de forma eficiente: entregou o comando do time ao experiente Carlo Mazzone e deu a camisa 10 ao goleador Giuseppe Signori, que fizera sucesso no Foggia e na Lazio anteriormente, além de ter sido vice-campeão mundial em 1994, ao lado de Robi.
Outro que foi bem naquela Copa e chegou à Emília-Romanha foi o meia sueco Klas Ingesson, que se juntava ao compatriota Kennet Andersson. O plantel felsineo ainda contava com mais bons nomes, a exemplo de Francesco Antonioli, Michele Paramatti, Massimo Paganin, Giancarlo Marocchi, Davide Fontolan, Carlo Nervo e Igor Kolyvanov. Sem dúvidas, poderia, no mínimo, manter o nível apresentado na temporada anterior.
Dando um “spoiler” do que estaria por vir nos torneios europeus, a temporada do Bologna começou com sua campanha continental. No dia 18 julho de 1998, seis dias depois do fim da Copa do Mundo, o time rossoblù estreou na Copa Intertoto, competição que permitia, aos campeões de seus três chaveamentos, o acesso à Copa Uefa. O certame era muitas vezes desprezado, por começar cedo e ter o potencial de comprometer as condições físicas dos jogadores no longo prazo, de modo que muitas equipes declinavam da participação. Os emilianos, não: se dedicaram fortemente à disputa.
A campanha do Bologna na Copa Intertoto começou com um susto: a classificação, apenas devido ao gol qualificado, contra o National Bucareste, da Romênia, depois de um placar agregado em 3 a 3. Na sequência, os veltri eliminaram a conterrênea Sampdoria (3 a 2), no único confronto entre italianos registrado na história do torneio. Por fim, na decisão, um categórico 3 a 0 sobre o Ruch Chorzów, da Polônia, garantiu o primeiro título dos rossoblù na competição e a vaga na Copa Uefa.
A trajetória dos bolonheses no segundo principal torneio de clubes da Europa, à época disputado inteiramente em mata-mata, seria ainda mais complicada e recheada de duelos com adversários tradicionais. A primeira pedreira que o Bologna teve pela frente foi o Sporting, de Portugal. Justamente o rival que, em 1991, na melhor campanha dos rossoblù na Copa Uefa até então, havia sido o carrasco nas quartas. Dessa vez, os petroniani se impuseram e, com gols nas retas finais das partidas de ida e volta, conseguiram um expressivo 4 a 1 no agregado.
Com moral, o Bologna repetiria o 4 a 1 sobre o Slavia Praga, da Chéquia, e, nas oitavas, sapecaria 4 a 2 sobre o espanhol Betis, que contava com o nigeriano Finidi George e o brasileiro Denílson – à época, dono do recorde de contratação mais cara da história do futebol. O 4-4-2 montado por Mazzone era muito eficiente e, contrariando o histórico defensivista do treinador, balançava as redes com galhardia. O 3 a 0 sobre o Lyon, no jogo de ida das quartas, era um exemplo disso. Tanto é que a derrota por 2 a 0, na volta, apesar da grande superioridade do OL, foi um mero dissabor na campanha dos italianos, semifinalistas da Copa Uefa.
O adversário do Bologna nas semifinais seria, evidentemente, outra pedreira. O Olympique de Marseille brigava ferrenhamente pelo título do Campeonato Francês com o Bordeaux, numa disputa ponto a ponto, e havia eliminado cachorros grandes na Copa Uefa. Depois de uma fase inaugural tranquila, na qual aplicaram 6 a 2 sobre o Sigma Olomuc, da Chéquia, os phocéens tiveram enormes dificuldades nas etapas seguintes, já que encararam adversários de ligas tradicionais. Os provençais despacharam Werder Bremen, da Alemanha (3 a 2); Monaco, num clássico da Côte d’Azur (3 a 2); e Celta de Vigo, da Espanha (2 a 1).
Com esse cartel, o Marseille já podia ser considerado favorito no confronto com o time italiano. Ao se avaliar os elencos, essa impressão ficava ainda mais forte. Embora o plantel do Bologna tivesse bons nomes, como citamos anteriormente, o grupo treinado por Rolland Courbis era mais qualificado. De cara, contava com três franceses campeões mundiais em 1998: Robert Pirès, Laurent Blanc (ex-Napoli) e Christophe Dugarry (ex-Milan). Além deles, o OM tinha um jovem William Gallas, o meia Daniel Bravo, ex-Parma, o zagueiro sul-africano Pierre Issa e o atacante Fabrizio Ravanelli, multivencedor pela Juventus – que, vivendo boa fase, sonhava em voltar a ser convocado pela Itália.
Ainda que azarão, o Bologna depositava todas as suas fichas na Copa Uefa. Afinal, além da perspectiva de ganhar um título inédito, a competição era a última esperança de taça naquele ano – em março, os felsinei haviam sido eliminados pela rival Fiorentina nas semifinais da Coppa Italia. Dessa maneira, Mazzone e seus pupilos rumaram à França decididos a fazer um jogo de ida impecável, no dia 6 de abril de 1999. Para o meia Jonathan Binotto, em entrevista concedida antes do embarque da delegação rossoblù, um empate com gols no hostil Vélodrome seria um bom resultado.
O desejo de Binotto se concretizou parcialmente. Num jogo bastante amarrado, o Bologna resistiu à pressão da torcida francesa e pouco sofreu – Antonioli raramente trabalhou. Do outro lado do campo, o time de Mazzone tentou encontrar as redes através da bola aérea, com o gigante Andersson, e em escapadas de Fontolan. O meia chegou a reclamar de um pênalti num carrinho de Cyril Domoraud, mas o árbitro Ryszard Wójcik mandou seguir.
No fim das contas, o empate por 0 a 0 acabou sendo melhor para o Marseille. Afinal, os phocéens, ainda invictos na Copa Uefa, só poderiam ser eliminados se fossem derrotados no Renato Dall’Ara – uma paridade com gols seria suficiente para os visitantes. Ciente disso, Mazzone previa um adversário mais determinado na Itália. E inflamado pela sua fanática torcida, que havia entrado em confronto com os ultras bolonheses antes e depois do jogo de ida.
O Olympique de Marseille começou a partida de forma bastante agressiva e faltosa – aos 15 minutos, Fontolan já havia cavado dois cartões amarelos. A peleja era de poucas chances e, até os 18, nada além de uma cabeçada de Dugarry, bem defendida por Antonioli, chamara atenção. Àquela altura da semifinal, então, o foco que o Bologna de Mazzone tinha em jogadas pelos flancos deu resultado: na sobra de um lançamento à área, o lateral-esquerdo Paramatti, capitão rossoblù, encheu o pé e venceu o goleiro Stéphane Porato, abrindo o placar.
Com o gol italiano, os times se soltaram mais. Logo após ter aberto o placar, o Bologna teve uma chance cristalina com Andersson, que saiu cara a cara com Porato. No entanto, o gigante sueco não teve velocidade e viu o goleiro fechar o ângulo na hora da conclusão. Do outro lado, Amedeo Mangone efetuou um carrinho providencial para travar Ravanelli antes que ele pudesse finalizar de boa posição e Giovanni Bia quase fez contra, ao desviar um arremate de média distância de Peter Luccin.
No segundo tempo, Signori logo teria a chance de ampliar para o Bologna, mas preferiu tentar cavar o pênalti numa chegada de Gallas a finalizar a gol – o experiente árbitro Markus Merk, evidentemente, não caiu na dele. O Marseille, por sua vez, abusava das jogadas aéreas e levou perigo com cabeçadas fortes de Dugarry e de Pirès. A violenta testada do meia-atacante tinha endereço e Antonioli precisou fazer uma grande defesa para evitar o empate do time francês.
Apesar do susto, o Bologna estava melhor em campo. E, novamente, teve chances de matar o confronto. Andersson voltou a ser traído pela falta de velocidade e pela hesitação: demorou de chutar e Gallas o desarmou, cara a cara com Porato. Depois, tanto o sueco quanto Signori efetuaram fortes disparos e pararam no arqueiro. Do outro lado, o Marseille se lançou ao ataque, com três homens de frente desde que Florian Maurice substituiu Frédéric Brando. Assim, ficou perto do empate numa bomba de Titi Camara, rebatida por Antonioli, e na sobra – porém, Pirès tentou de primeira e errou o alvo.
Aos 85 minutos, então, o Bologna tomou uma ducha de água fria. O meia-atacante Jocelyn Gouvernnec, ue entrara pouco antes, aproveitou uma desatenção da defesa rossoblù e encontrou Maurice com um passe que quebrou a última linha italiana. Antonioli deixou a baliza desesperado e acabou derrubando o centroavante, cedendo o pênalti ao Marseille. Depois de muita confusão, Blanc foi para a bola e deslocou o arqueiro.
De chofre, Mazzone mandou Kolyvanov para o jogo, na busca pelo gol salvador. O Bologna bem que tentou, mas Porato foi impiedoso: cara a cara com Signori, efetuou a defesaça que, aos 93 minutos, garantiu o Marseille na decisão da Copa Uefa. A semifinal, contudo, não se encerrou quando Merk apitou pela última vez. O clima estava quente e, assim que o alemão apontou para o centro do campo, uma briga generalizada tomou o gramado do Dall’Ara.
A confusão, que envolveu os jogadores e as delegações dos dois times, se concentrou na entrada dos túneis de acesso aos vestiários. Segundo Paramatti, a situação começou por conta de Stéphane Courbis, filho do treinador do Marseille, que era responsável pela segurança – ele teria acertado um soco no rosto de Giampiero Maini. Já os franceses alegam que estavam tentando apenas defender Luccin, que teria zombado dos adversários e, em seguida, atacado por Mangone e Paramatti. Safanões, cascudos e chutes ocorriam enquanto a torcida bolonhesa atirava sinalizadores na direção da briga e deixava o ambiente nebuloso.
No fim das contas, a Uefa usou as imagens da televisão para punir os brigões. Pelo Bologna, Mangone, Marocchi, que havia sido expulso por Merk ainda no calor do momento, e Maini pegaram ganchos de cinco, quatro e três partidas, respectivamente. O prejuízo maior ficou para o Marseille, já que Dugarry foi suspenso por cinco jogos – o reserva Hamada Jambay, por quatro. Descrito por Mazzone como “covarde dentro e fora do campo”, Dugarry era importante para o time de Courbis e seria um desfalque inestimável na decisão. Principalmente considerando que os phocéens já não contariam com Gallas, Luccin e Ravanelli, que haviam recebido cartões amarelos durante a batalha do Dall’Ara e tinham ausência confirmada.
Melhor para o Parma, que aplicou um sonoro 3 a 0 sobre os franceses em Moscou, e ficou com o bicampeonato da Copa Uefa, deixando o rival regional com inveja. O Bologna, por sua vez, terminou a temporada com o nono lugar da Serie A e uma nova chance de disputar o segundo principal torneio de clubes da Europa. Em 1999-2000, entretanto, os felsinei não iriam além da fase de 16-avos de final, sendo derrotados pelo campeão Galatasaray.
Marseille 0-0 Bologna
Marseille: Porato; Gallas, Issa, Blanc, Domoraud; Brando, Luccin (Bravo), Pirès; Ravanelli, Maurice (Camara), Dugarry (Edson). Técnico: Rolland Courbis.
Bologna: Antonioli; Rinaldi, Bia, Mangone, Paramatti; Binotto (Cappioli), Marocchi, Ingesson, Fontolan (Nervo); Signori (Maini), Andersson. Técnico: Carlo Mazzone.
Árbitro: Ryszard Wójcik (Polônia)
Local e data: estádio Vélodrome, Marselha (França), em 6 de abril de 1999
Bologna 1-1 Marseille
Bologna: Antonioli; Rinaldi (Kolyvanov), Bia, Mangone, Paramatti; Binotto (Cappioli), Marocchi, Ingesson, Fontolan (Nervo); Signori, Andersson. Técnico: Carlo Mazzone.
Marseille: Porato; Gallas, Domoraud, Blanc, Edson; Bravo (Gouvernnec), Luccin, Brando (Maurice); Pirès; Ravanelli, Dugarry (Camara). Técnico: Rolland Courbis.
Gols: Paramatti (18′); Blanc (88′)
Cartão vermelho: Marocchi
Árbitro: Markus Merk (Alemanha)
Local e data: estádio Renato Dall’Ara, Bolonha (Itália), em 20 de abril de 1990