Extracampo

Chegada de Giuseppe Marotta à Inter sinaliza arrancada de gestão ‘audaciosa’ no clube

Se alguém ainda duvidava de que a Juventus tinha se tornado um modelo para a Inter, agora não há mais questionamentos quanto a isso. Desde a saída de Massimo Moratti, o clube de Milão tem passado por mudanças significativas na sua administração e parece viver, neste momento, o último período da reformulação iniciada pela gestão do indonésio Erick Thohir e continuada com passos mais ambiciosos pelo grupo chinês Suning. Nesta quinta (13), a Beneamata anunciou a contratação de Giuseppe Marotta, diretor que teve grande parcela de contribuição na montagem da Juve heptacampeã nacional. Por tudo o que fez nos últimos anos, Beppe é, provavelmente, a maior estrela extracampo do Belpaese.

Antes de adotar uma estratégia mais agressiva, as gestões de Thohir e da Suning precisaram resolver problemas herdados da direção anterior. Aconselhado pelo ex-dirigente nerazzurro Ernesto Paolillo, idealizador do Fair Play Financeiro implementado pela Uefa, Moratti já havia tentado mitigar a gastança de anos anteriores e adotado uma postura mais modesta no mercado. Portanto, o primeiro passo dos novos diretores foi manter a trajetória de recuperação financeira do clube. Ou seja, tornar a Inter autossuficiente, sem que os acionistas precisem cobrir buracos no balanço financeiro com verba própria.

Esta política redimensionou o clube, principalmente na parte esportiva, que é justamente sua essência. A conquista da inédita Tríplice Coroa foi o ápice da geração mais vitoriosa da história da Beneamata, mas causou profundos problemas, que também ajudaram a levar ao atual jejum de títulos. A sala de troféus da Pinetina não recebe uma nova adição desde 2011 e, além disso, os nerazzurri ficaram seis anos ausentes da Liga dos Campeões – até retornarem nesta temporada e, pela segunda vez desde 2003, caírem na fase de grupos.

A Inter foi líder da Serie A por cinco anos seguidos até 2010, mas nesta década tem posição média bem inferior, entre o quinto e o sexto lugares. O posicionamento medial da equipe poderia ser ainda mais medíocre, já que o clube é favorecido pelo vice-campeonato em 2011 e pela atual terceira posição. Durante o período citado, o time nerazzurro alternou entre campanhas sofríveis e classificações para a Liga Europa, conquistando no máximo o quarto posto, em 2016 e 2018. O pior desempenho lombardo desde 1994 também aconteceu nesta época: em 2013, a Beneamata foi apenas a 9ª colocada.

Além da incapacidade de manter um bom nível de competitividade, Thohir e sua turma também se sujeitaram a um acordo desigual com a Uefa para se ajustar ao Fair Play Financeiro. O trato ainda está em vigência e deverá ser encerrado no próximo verão. Por sua vez, a Suning trouxe novo capital e eficiência. Logo de cara, melhorou aspectos da parte comercial e comunicacional do clube, e por consequência fez crescer a arrecadação interista. O grupo chinês, sem dúvidas, levou uma visão mais ambiciosa à sede localizada na galeria Vittorio Emanuele II.

Alessandro Antonello, Steven Zhang e Giuseppe Marotta, o novo triunvirato nerazzurro (Inter.it)

Com o projeto de recolocar a Inter no grupo dos dez maiores clubes do futebol europeu, os chineses mantiveram uma política implantada pela gestão anterior. Tanto Erick Thohir quanto Steven Zhang optaram por confiar a executivos a direção das áreas financeira, comercial e de relações públicas, profissionalizando um clube que até então estava preso ao velho jeito de fazer futebol. Depois de a marca ter sido expandida, o balanço equilibrado e a volta para a Champions conquistada, chegou a vez de a área esportiva crescer. O acerto com Giuseppe Marotta é um dos maiores passos nessa direção.

O clube já dava alguns indicativos de que estava em curso a transição de um modelo de reorganização interna para um mais agressivo, com o objetivo de que o antagonismo com a Juventus pudesse ser restabelecido. Passam por isso a manutenção de Icardi e os acertos com jogadores como Skriniar, De Vrij, Miranda, Nainggolan, Politano e Lautaro Martínez. E, lógico, a contratação de Luciano Spalletti. Além de ter conduzido os nerazzurri de volta para a maior competição do continente, o treinador também trouxe maior estabilidade para a equipe, que hoje vive outra realidade e está instalada entre as quatro primeiras da Serie A, sem maiores sustos. Diretor esportivo desde 2014, Piero Ausilio também cresceu na sua função e conseguiu fazer pequenos milagres em tempos de FPF.

Embora estas iniciativas tenham sido tomadas, a eliminação da Liga dos Campeões na última terça, com o empate em casa contra o PSV, mostrou o que já se sabia: a Inter ainda não está madura para postular a reconquista de seu espaço entre os gigantes. O clube precisa dar um passo ainda maior em direção à elite europeia. Com ambição, evidentemente, mas também com consistência e solidez para não voltar ao caos anterior. Se levada a sério, a disputa da Europa League, como consolação pela queda na UCL, pode ser útil para tal.

Nesse sentido, a contratação de Giuseppe Marotta foi anunciada em timing positivo para o trabalho da equipe. As partes já estavam apalavradas, mas a eliminação na Champions League apressou o anúncio oficial, de modo a lançar uma cortina de fumaça e mudar o rumo do assunto na Pinetina: agora não se fala mais apenas de um time que fracassou na Europa, mas também no ambicioso futuro sob as rédeas do executivo mais badalado do Belpaese.

A apresentação de Beppe acontece dois meses depois da nomeação de Steven Zhang como presidente do clube. Ao lado do mais jovem ocupante do cargo, o experiente cartola italiano terá a responsabilidade de liderar a mudança de patamar da equipe, não apenas ao realizar novas contratações, mas também através de seu profundo conhecimento do esporte nos âmbitos local e europeu.

Envolvido com futebol há quatro décadas, Marotta passou com sucesso por Venezia, Atalanta e Sampdoria, até se consolidar como um dos responsáveis pela supremacia da Juventus. Diretor executivo e geral da parte esportiva e membro do conselho de administração do clube entre 2010 e 2018, teve participação decisiva em contratações históricas, como as de Cristiano Ronaldo, Gonzalo Higuaín, Carlos Tévez, Arturo Vidal, Leonardo Bonucci, Andrea Barzagli, Paul Pogba e Andrea Pirlo – os dois últimos, vale destacar, a custo zero.

No período de Juventus, Marotta se destacou pela capacidade administrativa e pelo poder de persuasão para tornar os negócios viáveis financeiramente. Com o fim do sistema de copropriedade, desenvolveu uma política de tratativas que virou referência para a própria Inter, ao mapear jovens jogadores e realizar trocas com clubes menores, gerando grande aumento de capital.

Beppe teve Fabio Paratici como braço direito em toda a sua gestão na Juve. Responsável por identificar e observar jogadores de potencial desde os tempos de Sampdoria, o seu antigo parceiro agora será adversário, uma vez que permaneceu em Turim como coordenador da área técnica e diretor esportivo juventino. A “promoção” só foi possível porque Andrea Agnelli considerou que o acúmulo de funções e os “superpoderes” de Marotta não eram mais sustentáveis para o modelo de clube que ele desejava. Então, o presidente bianconero antecipou o final do contrato do seu então principal diretor e dividiu as suas responsabilidades entre Paratici e Massimiliano Allegri.

Se o seu cargo e o acúmulo de funções se tornaram obsoletos em Turim, a rival nerazzurra convenceu Beppe a executar um trabalho similar em Milão. O diretor nascido em Varese, a 60 km da capital da Lombardia, terá apenas o presidente Zhang como seu superior. Marotta será o diretor executivo responsável pela parte esportiva e irá liderar toda a estrutura de futebol do clube, desde o time principal até o setor juvenil. Seu foco, claro, estará na equipe treinada neste momento por Spalletti.

Nas próximas semanas teremos uma ideia mais concreta de como será seu trabalho, mas como a janela de transferências de inverno está se aproximando, é possível que a Inter já dê uma guinada em sua estratégia no “mercado de reparação”. Na Juventus, Marotta não teve problemas em negociar grandes jogadores visando o melhor para o elenco ou para o clube, como nos casos de Vidal, Pogba, Bonucci e Higuaín. E fez isso aumentando a qualidade geral do grupo.

Num momento complicado, Marotta foi mantido por Agnelli na Juve e deslanchou de vez como cartola (Ansa)

Na Pinetina, o lombardo também deverá adotar um postura de blindagem do elenco. O que nunca foi uma tarefa fácil em Milão, pelas crises e filas que permearam alguns momentos da história interista, sobretudo nos anos 1990. Uma realidade bem distante da que experimentou na maior parte de sua estadia em Turim, quando viveu lua de mel com torcedores e parte da imprensa, mas que remete ao primeiro biênio no clube piemontês.

Marotta começou a trabalhar na Juve em 2010, exatamente três anos depois de a Velha Senhora encerrar a passagem pela Serie B como punição pelo envolvimento no Calciopoli. Eram tempos de vacas magras e os bianconeri haviam concluído a campanha anterior na sétima colocação do Italiano e caído nas oitavas da Liga Europa após sofrerem uma goleada frente ao Fulham – a equipe de Turim ainda tinha construído vantagem de 3 a 1 no jogo de ida. A pressão por uma rápida recuperação era enorme e, de cara, Beppe e seus colegas fracassaram retumbantemente: a Juve voltou a ser sétima colocada e, pior, nem mesmo superou a fase de grupos da Europa League. Parte da torcida e dos acionistas pediram sua cabeça, mas Agnelli bancou a permanência e o resto é história.

Em suas primeiras horas como empregado do clube de Milão, Marotta voltou a sentir o peso das exigências de quem trabalha não para se manter no ápice, mas para retornar a ele. Uma de suas primeiras atitudes nesta quinta-feira foi defender Spalletti, que vem sendo atacado pelos últimos resultados. O cartola afirmou que o técnico precisa trabalhar com muita serenidade, porque a diretoria está à sua disposição. “Ele é um ótimo treinador e precisa trabalhar tranquilamente. Resta a nós apoiá-lo”, ponderou.

“Não será fácil conseguir os resultados que a Inter almeja, mas temos a obrigação de acreditar até o final. Também não sou um médico que veio curar um enfermo. Vim para cá para dar a minha contribuição e conquistar objetivos importantes”, declarou antes da sua entrada no escritório nerazzurro. Marotta também deu a entender que irá simplificar algumas questões burocráticas internas, de modo a integrar setores da gestão. “Devemos ter uma cultura de trabalho acompanhada de um sentido de proximidade com o clube. Através disso conseguiremos ter o apoio dos torcedores, que sempre existiu aqui”, completou.

No próximo verão, com o final do acordo feito com a Uefa em 2015, a Inter também terá a responsabilidade de reforçar o elenco tendo como base os próprios objetivos traçados: estabilizar-se como participante da Liga dos Campeões e diminuir a diferença técnica e financeira para a Juventus. Para isso, contará com alguém que conhece muito bem o ambiente e a gestão da maior concorrente dos nerazzurri. O grupo Suning parece gostar da máxima eternizada pela trilogia O Poderoso Chefão: “mantenha seus amigos por perto e seus (ex-) inimigos mais próximos ainda”.

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