A Juventus não começava um campeonato com sete vitórias seguidas desde 2005. Os tempos eram outros: os sites dos times italianos pareciam páginas feitas por estudantes do primário, nenhum clube conseguia emendar mais de dois títulos seguidos em seis anos e a manipulação de resultados mais conhecida era o Totonero. De Gênova, Giuseppe Marotta viu o bianconero ser campeão, ter o título revogado e ser enviado à Serie B. Viu, também, a Juve chafurdar em péssimas campanhas na volta à elite. Em 2010, chegou a Turim para mudar aquela situação. Oito anos depois, o cartola deixa a Velha Senhora na certeza do papel cumprido e com o nome escrito entre os principais dirigentes da história da Itália.
A confirmação da mudança no conselho surpreende mais do que o esperado. Afinal, o grande candidato a sair da agremiação nas últimas quatro temporadas era alguém bem próximo ao elenco – o técnico Massimiliano Allegri. Mesmo que não fosse unanimidade, como o vice-presidente Pavel Nedved, Marotta tinha a confiança parcial de agremiação e torcida graças a seus sete títulos italianos, os quatro da Coppa Italia e mais três Supercopas locais. No fim das contas, o boato de que ele pleiteava a presidência da Federação Italiana de Futebol (atualmente ele é o vice do Conselho Diretivo do Setor Técnico) consolidou o degaste de seu vínculo com o clube.
Na Juve, Marotta fez o trabalho da vida. Foi o ponto mais alto da carreira de peregrinação em divisões inferiores até conseguir a promoção com o Venezia, na virada do século, e atingir status primeiro na Atalanta, mas principalmente na Sampdoria. Beppe foi o responsável pela formação do elenco da Samp que chegou à Liga dos Campeões, recuperando Antonio Cassano do Real Madrid e contratando Giampaolo Pazzini junto à Fiorentina.
O impacto de Marotta em Turim é algo tremendo e equiparável em nível nacional somente ao de Luciano Moggi, que fez da Juventus um time super competitivo por uma década, também – além-Juve, destaca-se, claro, o trabalho de Adriano Galliani no Milan. Para Moggi, considerado culpado no Calciopoli, pesa a Liga dos Campeões no currículo durante um momento próspero da liga e título com outro clube – o Napoli em 1989-90. Para o futuro ex-dirigente bianconero, a dinastia no Belpaese com um heptacampeonato consecutivo é expressiva.
Beppe contribuiu na retomada de poder do bianconero, que bateu na trave após retornar da Serie B, e que somou anos sem disputas continentais com diretorias confusas e times que expressavam esses pensamentos contrastantes. A força dos acordos do administrador-delegado permitiu à Juventus, entre outros fatores, mudar o patamar do clube em caráter nacional. A Senhora deixou a mediocridade estagnante pós-triplete da Inter em 2010, em uma liga combalida, para estabelecer uma hegemonia jamais vista na Itália, durante uma época de retomada da Serie A.
Conservadorismo e mudança
A diretoria presidida por Andrea Agnelli não é tão feliz em despedidas. Ela faz o que há de ser feito mesmo que passe por cima do que a pessoa representa. A forma como lidou com as saídas de Alessandro Del Piero, Gianluigi Buffon e Claudio Marchisio exemplificam este argumento. Depois de vencer o Napoli no fim de semana, Marotta pegou o microfone, como fez religiosamente após cada partida nos últimos oito anos, e avisou que seu mandato seria encerrado.
Além do diretor, o nome de Aldo Mazzia, diretor financeiro, também não está na lista do conselho que segue no clube a partir de 25 de outubro. A LaPresse tratou de creditar Maurizio Arrivabene, cabeça da Ferrari, como novo CEO da Juventus, e voltaram à tona os rumores gerados pela imprensa espanhola, que colocam Zinédine Zidane no conselho bianconero. Contudo, os setoristas que acompanham a Juve mais de perto estão em consenso: o clube planeja aumentar o poder de Agnelli, Nedved e Fabio Paratici.
Paratici foi chamado por Marotta para ser olheiro-chefe na Sampdoria em 2004 e, desde então, os dois eram carne e unha. Em Continassa, a avaliação é de que chegou a hora de ele deixar de ser coadjuvante e ter mais responsabilidades. Manchester United e Tottenham estavam interessados no dirigente 15 anos mais jovem que Beppe, e Agnelli, respondendo à imprensa sobre o adeus de Marotta, tratou de confirmar a permanência do pupilo.
A ambição juventina responde por outro tanto do fim do relacionamento. Enquanto o tempo de Marotta (e de Del Piero, Buffon etc) chegou ao fim, o conservadorismo do dirigente entrou em rota de colisão com a aspiração de Agnelli em um nível insustentável.
Na primeira temporada de Beppe, a Juventus terminou o campeonato na 7ª colocação. A Exor, então, promoveu um aumento de capital de 120 milhões de euros com um plano de cinco anos para permitir que o time fosse competitivo e que o clube fosse autossuficiente. A contratação de Cristiano Ronaldo trouxe um novo plano de dominação até 2024, disse a Gazzetta dello Sport: manter a primazia em âmbito nacional, aumentar a concorrência em competições internacionais – além de sair da fila incômoda da Liga dos Campeões –, investir nos programas técnicos e gerir o balanço de transações de forma inteligente. Agora, sem Marotta.
Allegri e rivais
As mudanças na Juventus podem continuar. A proposta de manter o tripé continua. O pilar central é o do futebol, liderado por Paratici; os outros são o das finanças, agora com Giorgio Ricci (era co-responsável pela área), e o de serviços, com Marco Re. Ao primeiro, uma reflexão: Marotta foi o responsável direto pela renovação de Allegri (realizada em 2017 com validade por três temporadas) e pela permanência dele após a última época.
O próprio treinador foi pego de surpresa com o anúncio de Beppe. Ele agradeceu pelos anos ao lado do cartola e rasgou elogios: “Marotta é o melhor dirigente italiano, talvez europeu”.
No momento em que rechaçou a possibilidade de assumir a FIGC, Marotta abriu as portas para os rivais ofertarem o que fosse preciso. Na Itália, Milan, Napoli, Roma e Inter – esta última, conta o Tuttosport, propôs um contrato anual de 3 milhões de euros com total liberdade dentro do clube –; além da fronteira, o Manchester United está monitorando a situação.
A presença do Milan na lista de interessados está ligada, principalmente, à habilidade de Marotta tirar alguns coelhos da cartola – desde pinçar talentos a custo zero, como Paul Pogba e Kingsley Coman, a dar sobrevida a jogadores contestados, como Alessandro Matri, Andrea Barzagli e Emanuele Giaccherini. A vida de Monchi na Roma não tem sido fácil, mas as conquistas continentais pelo Sevilla dão respaldo ao sucessor de Walter Sabatini, o “mago do mercado”. Napoli e Inter, por outro lado, podem buscar a guinada definitiva para ser a anti-Juve com alguém mais capacitado que Cristiano Giuntoli e menos hesitante que Piero Ausilio. O que parece certo é que teremos uma dança das cadeiras nos bastidores antes do próximo mercado de verão ter início.