Jogos históricos

Em 1988, Ruud Gullit tirou a invencibilidade do Napoli e pôs o Milan no caminho do scudetto

Bem antes de terem sido protagonistas de um duelo válido pelas quartas de final da Liga dos Campeões, em 2022-23, Milan e Napoli, travaram grandes duelos na segunda metade dos anos 1980. Foi justamente naquela época que a ferrenha rivalidade entre os times atingiu o seu ápice. Um destes memoráveis confrontos aconteceu na 13ª rodada da Serie A na temporada 1987-88 e representou o primeiro grande jogo do lendário Arrigo Sacchi no comando do Diavolo.

Um ano antes, na temporada 1986-87, os dois times começaram o campeonato cotados como concorrentes ao scudetto. O Milan, no entanto, derrapou várias vezes até a reta final e os partenopei, regidos por Diego Armando Maradona, tiveram a regularidade necessária para vencerem pela primeira vez a Serie A, com uma vantagem de três pontos em relação à Juventus – 42 contra 39. Nos confrontos diretos entre os azzurri e os rossoneri, que ficaram na quinta posição, melhor para os campeões: um empate sem gols no San Siro e, no segundo turno, triunfo caseiro por 2 a 1.

Durante a janela de transferências, o Napoli buscou o goleador Careca, que viria a formar uma dupla memorável com Maradona. Já o Milan iniciava o segundo ano da gestão do presidente Silvio Berlusconi e passou por uma mudança profunda, a começar pelo treinador. Com a demissão de Nils Liedholm no fim da temporada anterior e a escolha por um jovem Fabio Capello para o papel de interino, estava claro que o Diavolo iria atrás de um novo técnico. E o dono do clube já tinha feito uma escolha ousada: Sacchi, que jamais comandara um time da elite italiana.

A decisão de Berlusconi foi muito contestada na época, por conta da falta de experiência de Sacchi no mais alto nível. Àquela altura, o técnico tinha como grandes feitos o título do Campeonato Primavera com o time sub-19 do Cesena, além de dois quartos lugares da terceirona com o Rimini e um biênio com o Parma, no qual obteve o título da Serie C1, o sétimo lugar na segunda divisão e uma campanha de quartas de final da Coppa Italia. Foi no mata-mata nacional, aliás, que o treinador entrou em evidência, e justo por ter batido o Milan duas vezes em San Siro – o superou na fase de grupos e nas oitavas. Naqueles confrontos, o presidente rossonero se enamorou pelo estilo de jogo moderno do comandante e não hesitou em levá-lo para a Lombardia.

Renovado, o Milan teve uma prova de fogo contra um Napoli que, além de defender o scudetto, estava invicto na Serie A (Arquivo/AC Milan)

Sacchi levou consigo algumas peças do Parma, como Roberto Mussi e Mario Bortolazzi, que jogara no clube da Emília-Romanha emprestado pelo próprio Milan. Mas o Diavolo não fez apenas operações modestas. Pelo contrário, se movimentou intensamente no mercado de transferências e, além de ter tirado Carlo Ancelotti da Roma, foi atrás de uma dupla de holandeses que vinha dando o que falar: o centroavante Marco van Basten, do Ajax, e o meia-atacante Ruud Gullit, que estava no PSV Eindhoven.

O princípio da temporada de Van Basten, contudo, foi decepcionante, e o camisa 9 teve de ser operado após ser diagnosticado com graves problemas no tornozelo, após a quinta rodada da Serie A. Sendo assim, Gullit teria a responsabilidade de ser o protagonista no restante da competição, tendo Pietro Paolo Virdis como seu fiel escudeiro. Ancelotti, Roberto Donadoni, Franco Baresi, Mauro Tassotti e um jovem Paolo Maldini eram outros pilares do time.

Rodada a rodada, Milan e Napoli confirmaram as expectativas de que competiriam pelo título. Roma e Sampdoria também haviam começado bem o campeonato e, quando o primeiro embate entre rossoneri e azzurri ocorreu, na 13ª jornada, tínhamos os giallorossi e os bluerchiati entre eles.

Sem Van Basten, o Milan confiou na qualidade de Gullit contra o Napoli (Getty)

Os sulistas, líderes, somaram impressionantes 21 pontos nos 12 primeiros compromissos – lembrando que vitórias valiam dois pontinhos na época – e ainda não sabiam o que era perder. O Napoli parecia realmente imbatível. Os nortistas, com cinco pontos a menos, ocupavam a quarta colocação e também mostravam sua força, apesar do desfalque de Van Basten e de o elenco ainda estar assimilando a filosofia deu seu novo comandante. Sem dúvidas, era um Milan mais sólido que o da temporada anterior. Mas havia a impressão de que faltava algo para voos maiores.

A peleja entre Milan e Napoli ocorreu no dia 3 de janeiro. Era o primeiro compromisso de 1988, após a tradicional pausa que o futebol italiano faz nas festas de fim de ano. O início pareceu ideal para os visitantes, que inauguraram o placar aos 10 minutos, depois de um lançamento aveludado de Maradona, posicionado na faixa central, para Careca, livre do lado direito do ataque. O brasileiro esbanjou categoria ao dominar no peito e, sem deixar cair, tocou sutilmente por cobertura, vencendo o goleiro Giovanni Galli.

Contudo, a resposta dos anfitriões não demorou mais do que 10 minutos para ser dada. Gullit, sempre um perigo quando caía pelo flanco direito, descolou um passe rasteiro preciso para Angelo Colombo deixar tudo igual. A partir dali, foi instaurada uma verdadeira pressão dos milanistas, que chegaram a colocar duas bolas na trave na mesma jogada. Aos 24, em um lance confuso, a bola sobrou limpa para Virdis, que não desperdiçou a oportunidade e promoveu a virada rossonera.

Num embate que colocou Maradona de um lado e Ancelotti do outro, o milanista levou a melhor (Getty)

O segundo tempo foi de um time só – o Milan, no caso. Gullit, principal destaque naquele dia, se beneficiou de um passe açucarado de Ancelotti, que desmontou a defesa napolitana, e driblou o arqueiro Claudio Garella antes de tocar para o fundo das redes. O quarto e último gol foi anotado aos 78, por Donadoni, graças a uma falha de Garella. Atrapalhado por Gullit, que estava em seu campo de visão, o camisa 1 do Napoli aceitou um chute de fora da área. Quatro minutos depois, o holandês deixou o gramado ovacionado e deu lugar a Daniele Massaro.

Após o apito final do árbitro Luigi Agnolin, os aplausos, cada vez mais efusivos, tomaram conta do estádio. E a maioria era direcionada a ele, Gullit. O holandês, aliás, vivia uma fase esplendorosa. Em dezembro, um mês antes, ganhara a Bola de Ouro ao ser eleito como o melhor jogador da Europa. Quem também saiu bastante festejado foi Sacchi, que vinha sofrendo, mesmo que de forma mais branda, com críticas e a desconfiança ao seu trabalho. Se antes parecia faltar algo ao Milan, a goleada mostrava que o time poderia dar liga e fazer história.

O Napoli de Ottavio Bianchi conheceu seu primeiro revés no campeonato, mas ainda continuava no topo da tabela, com três pontos de vantagem para Sampdoria e Milan. Determinado a competir até onde houvesse chances, o Diavolo seguiu na cola do líder até o reencontro entre ambos no segundo turno, restando apenas três rodadas para o desfecho da Serie A.

Com uma vitória inquestionável em pleno estádio San Paolo, graças a outro show de Gullit, os rossoneri assumiram a dianteira na tabela com um ponto de vantagem e não largaram mais o osso: o Napoli, que liderara o campeonato de maneira isolada por 25 rodadas, teria de correr atrás. Porém, os triunfos sobre Juventus e Como contrastaram com as derrotas dos azzurri, em frangalhos, para Fiorentina e Sampdoria. O scudetto era do Milan, naquela que foi a primeira de muitas taças que Sacchi ergueu na Lombardia.

Milan 4-1 Napoli

Milan: G. Galli; Tassotti, F. Galli, Baresi, Maldini; Ancelotti, Colombo, Evani (Bortolazzi), Donadoni; Gullit (Massaro), Virdis. Técnico: Arrigo Sacchi.
Napoli: Garella; Renica; Ferrara, Ferrario (Bigliardi), Francini; Bagni, De Napoli, Filardi (Sola); Maradona; Careca, Giordano. Técnico: Ottavio Bianchi.
Gols: Colombo (19’), Virdis (24’), Gullit (62’) e Donadoni (78’); Careca (10’)
Árbitro: Luigi Agnolin (Itália)
Local e data: estádio San Siro, Milão (Itália), em 3 de janeiro de 1988

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