Hoje em dia, é muito comum se medir o sucesso de um atleta baseado nos números que o mesmo apresentou ao longo de um determinado recorte temporal. O auxílio da tecnologia e das estatísticas avançadas é inegável, mas e quando o jogador analisado é de uma época longínqua? Sem esse tipo de informação à disposição, o enfoque muda. Contexto histórico, representatividade e pioneirismo são alguns dos aspectos que passam a ser considerados. Para contar a história de Roger Vonlanthen, é preciso se ater a estes tipos de detalhes.
Brilho no Mundial
Nascido em Genebra, Vonlanthen foi um talentoso atacante. Objetivo, versátil e veloz, sempre buscava correr em direção ao gol adversário com suas largas passadas, e foi um dos primeiros atletas da Suíça que conseguiram atuar no exterior.
Sua história no futebol começou no final da década de 1940, aos 11 anos de idade, quando integrou as categorias de base do Servette ao lado de seu irmão, Gaston. Estudou economia política antes de trocar o sudoeste pelo norte do país e se profissionalizar pelo Grasshopper, equipe localizada em Zurique. Em sua primeira temporada, conquistou logo de cara duas taças – a do campeonato nacional e a da Copa da Suíça. Ao todo, passou três épocas nos gafanhotos e se consolidou como um dos grandes nomes do esporte local, passando a ser convocado pelo técnico Karl Rappan para a seleção.
Aos 23 anos, teve a oportunidade de disputar a Copa do Mundo de 1954, que foi realizada em solo suíço. Foi um dos principais nomes da campanha que teve fim nas quartas de final, em um confronto épico, no qual a Áustria venceu por 7 a 5, naquela que foi a partida com o maior número de gols marcados na história das Copas – e a última vez que a Suíça chegou tão longe em um grande torneio. O jogo aconteceu sob um intenso calor de 40 graus, em Lausanne. Para se ter uma ideia do quão insano foi seu roteiro, os anfitriões chegaram a abrir 3 a 0 com 19 minutos, mas aos 34 já estavam perdendo por 5 a 3.
Apesar da eliminação, a campanha foi elogiável. Ao lado do meio-campista Robert Ballaman, Vonlanthen teve grande desempenho individual no torneio e atraiu o interesse de clubes continente afora. A maior interessada foi a Inter, através da figura de seu recém-eleito presidente, Angelo Moratti, sucessor de Carlo Masseroni. Com a transação concretizada, o cartola teve uma vitória pessoal diante do veto contra jogadores estrangeiros imposto por Giulio Andreotti, símbolo do poder democrata-cristão e que, por décadas, foi primeiro-ministro e ministro.
Escassez de gols à italiana
Os nerazzurri eram treinados por Aldo Campatelli e tiveram um bom início na Serie A, empilhando três vitórias em sequência. Contudo, nas rodadas seguintes, alguns tropeços mudaram o panorama do time, que provou do inverso ao sofrer três derrotas consecutivas para Roma, Atalanta e Genoa. Esta última, um 4 a 3 fora de casa pela 12ª jornada, marcou a estreia de Vonlanthen, que balançou as redes. O tropeço também selou a demissão do técnico.
Quem comandou a Inter até o término da competição foi Giuseppe Meazza, em sua segunda passagem à frente da agremiação em que se tornara lenda. Com o novo técnico, os nerazzurri se recuperaram a tempo de terminarem na terceira posição. Vonlanthen disputou 19 partidas e marcou outros quatro gols, em cima de Spal, Roma e Napoli, numa doppietta no triunfo por 3 a 0, pela penúltima jornada. No geral, a performance do suíço, que encontrou dificuldades para converter algumas chances que teve, foi aquém do esperado, deixando uma pontinha de frustração.
Com os ânimos renovados para uma nova temporada, Vonlanthen tinha a expectativa de se firmar na equipe e provar que ele poderia entregar aquilo pelo qual fora contratado: balançar as redes. A Inter teve uma trajetória turbulenta, com direito a três treinadores (Luigi Ferrero, Annibale Frossi e, novamente, Meazza), e foi um dos times que mais empataram ao longo da Serie A: 13 paridades no total, ficando atrás somente do Padova, que teve 16. Chama a atenção que 10 dos 13 empates ocorreram no primeiro turno. O resultado final na tabela foi o quinto lugar, bem distante do campeão Milan, que reinou soberano.
Para Vonlanthen, o sabor amargo permaneceu: marcou sete gols em 23 partidas, tendo sido deixado de fora de outras tantas por opção técnica. Ou seja, a tônica do ano anterior se manteve, o que gerou a insatisfação pela ausência de regularidade do suíço no futebol italiano. Isso fez com que tanto ele quanto a direção nerazzurra decidissem que o melhor seria a mudança de ares.
O Alessandria, vice-campeão da Serie B, surgiu como interessado e o contratou. Com o prestígio renovado, o cenário era o ideal para um atacante que vinha em baixa. Mas, no fim das contas, seus números no Piemonte foram similares aos de Lombardia: pela Inter, foram 12 gols em 46 partidas; pelos mandrogni, 12 tentos em 52 aparições.
Pelos grigi, cujo treinador era Luciano Robotti, Roger teve um bom primeiro ano. Foi o jogador com o maior número de atuações (34) e, o que mais importava, também foi o artilheiro, com 10 gols, sendo oito na Serie A. No certame nacional, balançou as redes aos 90 minutos, decidindo uma peleja com a Inter, e ainda marcou nos confrontos diretos com Sampdoria, Lazio (duas vezes) e Genoa (três, somando turno e returno). Assim, ajudou o clube piemontês a se garantir na elite através do 12º lugar obtido.
A fase de Vonlanthen, que parecia ser de reerguimento, não se manteve e seu rendimento minguou na temporada seguinte. Com uma acentuada queda de desempenho, o suíço perdeu espaço e acabou disputando apenas 16 partidas, com dois gols assinalados em um mesmo jogo, na emocionante vitória por 4 a 3 sobre a Triestina. O urso cinza, como é carinhosamente apelidado o Alessandria, flertou com o rebaixamento, mas acabou se salvando ao terminar a Serie A na 14ª posição. Um fato curioso é que Roger chegou a atuar nesta época com o craque Gianni Rivera, que tinha somente 16 anos e acabara de subir aos profissionais.
De volta para casa
Em 1959, percebendo que seu tempo na Itália havia expirado, o atacante regressou ao seu país natal para vestir a camisa do Lausanne. Por lá, reencontrou seus melhores dias e foi bicampeão da Copa da Suíça. Também voltou a ser chamado para a seleção e, por consequência, disputou a Copa do Mundo de 1962. Quando atuava na Velha Bota, ele deixou de ser convocado, porque a legislação da época só permitia que atletas que atuassem na liga helvética pudessem representar a equipe nacional.
No Mundial, a Suíça perdeu os três jogos do grupo – para a Alemanha Ocidental, o Chile, que era o dono da casa, e a Itália. Depois da Copa, Vonlanthen só atuou mais uma vez pela seleção. Em seguida, se dedicou exclusivamente ao Lausanne, até pendurar as chuteiras em 1966, aos 35 anos.
O ex-atacante continuou no futebol, desempenhando a função de treinador. Durante uma década, comandou Servette, Lausanne e Chênois, a ponto de construir uma reputação que o levou para a seleção nacional, em 1977. Seu primeiro jogo foi uma acachapante derrota por 4 a 0 sofrida para a França de Michel Platini.
Vonlanthen falhou na missão de classificar a Suíça para a Eurocopa de 1980, após cair em um grupo forte nas eliminatórias – a chave contava com Holanda, Polônia, Alemanha Oriental e Islândia. Sofreu duras críticas da imprensa suíço-alemã, que pareceu ter se esquecido do glorioso passado do ex-atacante pelo Grasshopper, time de uma região cujo idioma predominante é justamente o germânico. Depois da experiência na seleção helvética, largou a prancheta e se dedicou ao Chênois, seu clube do coração, nas vestes de conselheiro.
O ícone do esporte helvético faleceu em meados de 2020. O anúncio de sua morte foi feito pela Federação Suíça de Futebol apenas oito meses depois do ocorrido, respeitando a privacidade desejada por Vonlanthen, que sempre foi uma pessoa reservada. “O futebol suíço está de luto novamente. Ele lamenta a morte de um de seus melhores jogadores na pessoa de Roger Vonlanthen. O ex-técnico da Suíça morreu em julho, em Onex, aos 89 anos, em um silêncio que cultivou até seu último suspiro”, informou o comunicado.
Roger Vonlanthen
Nascimento: 5 de dezembro de 1930, em Genebra, Suíça
Morte: 7 de julho de 2020, em Onex, Suíça
Posição: atacante
Clubes: Grasshopper (1951-55), Inter (1955-57), Alessandria (1957-59) e Lausanne (1959-1966)
Títulos: Campeonato Suíço (1952 e 1965) e Copa da Suíça (1952, 1962 e 1964)
Carreira como treinador: Servette (1966-67), Lausanne (1967-1972), Chênois (1976-77) e Suíça (1977-79)
Seleção suíça: 27 jogos e 8 gols