Setenta e três anos. Esse foi o tempo que o torcedor da Lazio esperou para, a plenos pulmões, poder soltar o grito de campeão entalado na garganta. A equipe contava com uma dupla de atacantes que se dava muito bem, Garlaschelli e Chinaglia, mas o principal responsável pela conquista não entrava em campo. Seu nome era Tommaso Maestrelli.
Nascido em Pisa, o então menino Tommaso, filho de um operário da companhia ferroviária, deixou a cidade e, já em sua adolescência, ingressou no mundo do futebol nas divisões inferiores do Bari. Suas qualidades despertaram o interesse do técnico József Ging, que o promoveu a equipe principal com apenas 16 anos. Em 1939, fez sua estréia na Serie A com 16 anos e quatro meses, em uma derrota para o Milan por 3 a 1. Pouco depois conheceu Lina, com quem noivou.
A Itália havia entrado na Segunda Guerra Mundial e Tommaso foi chamado pelo exército para defender o país. Entretanto, o status de jogador lhe valia liberações temporárias, embora nem tudo tenha sido motivo de alegria já que o atacante não foi capaz de impedir a queda do time para a Serie B. Terminado o campeonato, foi enviado para lutar na Iugoslávia, onde sofreu um leve ferimento na perna e foi prisioneiro de guerra.
A guerra chegou ao fim e Maestrelli, já de volta a Bari são e salvo, realizou um de seus sonhos ao se casar com Lina em 1947. Titular absoluto e atravessando grande fase, foi convocado para a Olimpíada de Londres, em 1948. Ao chegar na Bota, transferiu-se para a Roma. O jogador também tinha proposta do Torino, mas o destino se encarregou de que ele não fizesse parte da equipe que sofreu um trágico acidente aéreo no ano seguinte.
Apesar de não ser titular no início, Maestrelli conseguiu aos poucos conquistar sua importância na equipe e chegou ao cargo de capitão dos giallorossi, em um dos períodos mais pobres de sua história. Após um período de seca de gols, foi defender a Lucchese em 1951, logo após a única queda da Roma para a Serie B. No clube rubronegro, o atacante foi alvo de investigação por suposto envolvimento em caso de combinação de resultados na partida entre Lucchese e Como. Deixou o time tendo marcado apenas um tento e voltou ao Bari, onde encerrou sua carreira em 1957, após ter jogado em divisões inferiores.
No mesmo ano, iniciou sua carreira fora dos gramados no cargo de auxiliar técnico no próprio Bari. Na temporada seguinte foi promovido a treinador principal, mas não teve sucesso e ficou à frente da equipe por apenas dez partidas. Saindo da Apúlia, o treinador foi para a Calábria, onde assumiu o Reggina, então na Serie C. Sob o seu comando o time conquistou a competição nacional e foi promovido para a Serie B em 1965-66. Em sua primeira participação no campeonato, a equipe ficou na 4ª colocação e bateu na trave do acesso a Serie A – apenas os três primeiros colocados, Venezia, Lecco e Mantova, subiram.
A partir de então o treinador não conseguiu obter resultados tão satisfatórios e participou de campanhas intermediárias até 1968, quando deixou o clube rumo ao Foggia. No primeiro ano com os pugliesi, viveu altos e baixos. Na Serie B, uma campanha que, exceto pela goleada por 4 a 0 aplicada sobre o Bari no dérbi regional, não empolgou. Na Coppa Italia chegou até a final, onde foi batido pela Roma. No ano seguinte, a equipe ficou na 2ª colocação, teve o melhor ataque da competição e alcançou o acesso a Serie A, embalada pelo jovem Luciano Re Cecconi. Entretanto, o clube nem esquentou seu lugar na elite e foi rebaixado. Em 7 de junho de 1971, Tommaso Maestrelli assinou contrato com a Lazio, que havia sido rebaixada à segunda divisão.
No início, não foi muito bem recebido pelo elenco, principalmente pelo atacante Chinaglia, mas, curiosamente, bancou a permanência do atleta quando começaram a circular rumores de sua saída. A equipe não tinha um plantel estrelado, tendo recebido apenas o reforço do meia Luigi Martini, mas foi o suficiente para terminar a Serie B na 2ª colocação e voltar à elite do futebol italiano.
Durante a temporada, o treinador achou uma forma de ganhar a confiança e simpatia do elenco. Nomeou Giuseppe Wilson como capitão – até hoje, o anglo-italiano é o capitão histórico laziale – e aproveitou-se de seu carisma para conseguir chegar ao restante do grupo. Mas ainda assim se desentendeu com o goleiro reserva Di Vincenzo e o dispensou, o que não foi aprovado por boa parte da torcida. O mundo dá voltas e o defensor do técnico nesta ocasião foi justamente Chinaglia.
Com os ânimos apaziguados, a equipe surpreendeu e chegou na terceira colocação da Serie A, tendo brigado pelo título até a última rodada, quando foi derrotado pelo Napoli, em casa. A equipe era uma exceção entre os times de Maestrelli, que até então sempre foram demasiadamente ofensivos, e terminou a competição como a dona da melhor defesa (16 gols sofridos em 30 jogos).
A Lazio iniciou a temporada 74 com o time praticamente igual ao do ano anterior, exceto por Vincenzo D’Amico, de 19 anos, como titular no ataque. O técnico pregou humildade no início da Serie A e disse que outras equipes eram melhores, mas não foi o que se viu no campeonato. Talvez nem o mais otimista dos torcedores aquilotti pensasse que o time poderia manter o nível apresentado no ano anterior: já no começo do returno, a equipe, juntamente com a Juventus, disputava a liderança da competição.
Maestrelli não deixou que a conturbada eliminação da Copa Uefa, para o Ipswich, da Inglaterra, abalasse o elenco e a disputa na competição nacional seguiu acirrada. Na 26ª rodada um susto: a equipe foi derrotada pelo Torino e podia ser ultrapassada pela Juventus, mas os bianconeri também sofreram revés diante da Roma e a Lazio pôde, na rodada seguinte, enfrentar o Foggia, ex-clube de Maestrelli, em jogo que valia o título.
A partida foi tensa e repleta de faltas duras, e uma delas garantiu o gol do título. De pênalti, Chinaglia marcou o único tento da partida e o estádio Olímpico explodiu de alegria: os biancocelesti se sagravam campeões italianos pela primeira vez na história. Além disso, a equipe teve novamente a melhor defesa da competição e Giorgio Chinaglia foi o artilheiro, com 24 gols. Re Cecconi, trazido do Foggia por Maestrelli, foi um dos destaques do time. Ao fim do campeonato, ele, Chinaglia e Wilson seriam convocados para defender a Itália na Copa do Mundo de 1974.
No início de 1975, uma trágica notícia. Após queixar-se de fortes dores abdominais, Maestrelli foi diagnosticado com câncer no fígado. Médicos optaram por uma cirurgia, mas a operação não foi bem sucedida e sua expectativa de vida era de apenas oito meses. A doença do treinador impediu que a Lazio defendesse seu título: quando os jogadores souberam do câncer, o time, que brigava pelo título, caiu de produção e terminou a Serie A na 4ª colocação.
Quando as esperanças pareciam chegar ao fim, um médico chamado Saverio Imperato consegue uma forma de recuperá-lo, com a temporada 1975-76 em curso. Assim, Tommaso Maestrelli retoma seu lugar no banco de reservas, no lugar do jovem Giulio Corsini, acompanha de perto a campanha da equipe e vê uma de suas apostas, Bruno Giordano, crescer exponencialmente, ajudando a Lazio a escapar do rebaixamento na última rodada.
Cansado e debilitado, desistiu da carreira de treinador e assumiu como gerente de futebol do clube. Para o seu antigo cargo, indicou o brasileiro Luís Vinício. Continuou desempenhando sua função até dezembro de 1976, quando faleceu. Como homenagem, o campo de treinamento das divisões de base da Lazio recebeu o seu nome.
Tommaso Maestrelli
Nascimento: 7 de outubro de 1922, em Pisa
Morte: 2 de dezembro de 1976, em Roma
Posição: atacante
Clubes como jogador: Bari (1938-48), Roma (1948-51), Lucchese (1951-53), Bari (1953-57)
Clubes como treinador: Bari (1963-64), Reggina (1964-68), Foggia (1968-71), Lazio (1971-75)
Títulos como treinador: Serie C (1964-65) e Serie A (1973-74)
Seleção italiana: 14 partidas e 1 gol
Belo texto…
Esse pessoal do Quatrotratti tem se superado, excelente!!!