Em uma época na qual o profissionalismo estava longe de caminhar lado a lado com o futebol, trazendo dinheiro e fama para os atletas, uma história marcou para sempre a história do esporte. Se não foi dos mais brilhantes atuando como jogador, Árpád Weisz alcançou a glória dentro dos gramados, mas fora das quatro linhas. Inteligente, o húngaro de origem judaica teve passagem marcante como um dos melhores técnicos da Itália no começo do século XX, tendo sua curta trajetória como treinador – e como pessoa – interrompida pela intolerância.
Nascido no então Império Austro-Hungáro em 1896, Weisz, como era praxe na época, começou relativamente tarde sua carreira como jogador de futebol. Sua primeira experiência dentro dos campos aconteceu apenas em 1922, aos 26 anos, quando depois de ser aprovado em testes preliminares, assumiu a condição de titular do meio-campo do Törekvés, pequeno clube da Hungria. Sua inteligência e a facilidade para armar o jogo logo tornaram o jogador um dos destaques das partidas locais, chamando a atenção de outras equipes e também da seleção húngara que disputaria a Olimpíada de 1924, na França.
A presença na seleção da Hungria que participou dos Jogos Olímpicos não foi das mais vitoriosas. A eliminação precoce para o Egito, no segundo jogo disputado, porém, não abalou em nada a trajetória de Weisz, que após rápida passagem pelo futebol da então Tchecoslováquia, desembarcou nos gramados italianos logo após o fracasso olímpico. Na Itália o jogador permaneceu por apenas dois anos, atuando por Alessandria e Internazionale, equipe pela qual encerrou sua carreira como atleta em 1926, aos 30 anos.
O final da carreira como jogador não fez com que Weisz deixasse o futebol de lado. Aproveitando sua capacidade de leitura de jogo, o ex-meio-campista partiu então para a carreira de treinador, na qual obteve seu maior destaque nos gramados. Logo após se aposentar como jogador, o húngaro assumiu o comando da Inter, na qual foi responsável por lançar ao elenco profissional um dos maiores jogadores da história do clube, Giuseppe Meazza, em 1927. Também organizou um manual com métodos de treinamento de equipes de futebol.
A perpetuação dos fascistas na Itália nesta época, porém, teve diversos reflexos no futebol. Entre eles, o fato de a Inter passar a se chamar, em 1928, Ambrosiana SS Milano, mudando novamente para Ambrosiana-Inter em 1931, devido à pressão da torcida, que não aceitava o fato de os nerazzurri não ostentarem mais o nome que tinham desde sua fundação. E foi com essa nomenclatura e comandado dentro de campo por Meazza que o time conseguiu seu primeiro scudetto sob o comando de Weisz, em 1930.
Um ano mais tarde, Weisz deixou Milão e tornou-se treinador do Bari, onde não conquistou títulos, fato que não abalou em nada sua fama na Europa. Após uma temporada no comando dos galletti, o treinador retornou à Ambrosiana-Inter, desta vez sem ganhar nenhum troféu. Com mais uma passagem rápida, o técnico ficou apenas mais um ano no comando nerazzurro, para depois se transferir para o Novara, então na Serie B, e depois para o Bologna, onde fez história nos quatro anos nos quais dirigiu a equipe.
Comandando os rossoblù, Weisz atingiu o ponto alto de sua carreira como treinador, no clube do presidente Renato Dall’Ara (homenageado com o nome do estádio de Bolonha a partir de 1983), que tinha o atacante Angelo Schiavio, campeão mundial com a Itália em 1934. Sua chegada, naquele mesmo ano, não foi marcada por expectativas gigantes, com o húngaro tendo como principal referência de seu trabalho o título italiano conquistado quatro anos antes.
O que se viu, porém, foi a formação de uma equipe que marcou época. Dois anos após o início do trabalho, em 1936, o Bologna conquistou o scudetto, seu terceiro na história. O feito se repetiria em 1937, quando a equipe conquistou pela primeira e até hoje única vez em sua trajetória o título italiano em duas oportunidades consecutivas. Naquele mesmo ano, seu Bologna bateria o Chelsea em Paris, vencendo o Torneio Internacional da Expo Universal de Paris, um dos poucos torneios continentais existentes à época.
A brilhante caminhada de Weisz como treinador felsinei, porém, seria interrompida de maneira bruta em 1938, com a iminência da Segunda Guerra Mundial, que começaria no ano seguinte. Com o fascismo na Itália e a aliança de Benito Mussolini com Adolf Hitler e os nazistas, os judeus passaram a ser perseguidos no país. Sendo judeu, Weisz, então, não era mais bem vindo em solo italiano. Weisz, então, fugiu para Paris, que ainda não havia sido dominada pelos nazistas. Pouco tempo depois, foi treinar o Dordrecht, da Holanda, enquanto o Bologna continuava em sua fase dourada, ainda com a base montada por ele. A equipe rossoblù voltaria a ser campeã italiana em 1939 e 1941.
Na Holanda, Weisz dirigia uma pequena equipe e não chegou a repetir o sucesso que obteve na Itália. Esperava, de fato, que a guerra passasse e pudesse recuperar a tranquilidade. No entanto, o exército alemão conseguia expandir o Reich e a perseguição aos judeus aumentava a cada dia. Com a guerra já em andamento, o húngaro acabou capturado após a invasão da Holanda pelos nazistas e levado para Auschwitz, o mais famoso dos campos de concentração nazistas. Lá o treinador viu suas glórias passadas serem deixadas para trás e, assim como outros milhões de judeus, foi morto de forma estúpida e covarde, após quatro anos de cárcere.
Sua memória, porém, permaneceu viva entre os apreciadores do futebol, e atualmente Weisz é alvo de algumas homenagens, como o livro Dallo Scudetto ad Auschwitz: Vita e Morte di Árpad Weisz, de autoria de Matteo Marani. O treinador também foi homenageado com uma placa em uma das torres do estádio Renato Dall’Ara, de Bolonha. Além disso, o ex-treinador, tricampeão italiano, é homenageado por um torneio de futebol para jovens organizado em Milão por membros da comunidade judia na região.
Morte: 31 de janeiro de 1944, em Auschwitz, Polônia
Triste história.