Jogos históricos

Na final da Liga dos Campeões de 1993, o Milan ficou perto de revanche sobre o Marseille

Em 1993, Milan e Olympique de Marseille se reencontraram na Liga dos Campeões, dois anos após um fatídico embate no principal torneio europeu de clubes. Em 1991, nas quartas de final, os italianos amargaram uma eliminação dolorosa, que ainda resultou numa penalidade de uma temporada de banimento de competições continentais, por conta do abandono da peleja por parte dos rossoneri. Dessa vez, em Munique, a disputa seria na grande decisão.

Apesar de ferido pela eliminação na temporada em que defendia o título, o Milan, que já contava com o ex-Marseille Jean-Pierre Papin, novamente não conseguiu superar a equipe francesa. O time de Raymond Goethals conquistou o seu primeiro troféu da competição naquele dia, graças a um gol de Basile Boli, e frustrou Fabio Capello e companhia.

Uma nova fase de classificação

Na temporada 1992-93, a Copa dos Campeões passou por uma aprofundação das mudanças em seu formato, que haviam iniciado na edição anterior – alterações que viriam a favorecer os clubes que venciam mais. Após duas fases de mata-mata, oito equipes eram sorteadas em dois grupos, dos quais sairiam os finalistas. O modelo foi batizado de Uefa Champions League.

O Milan não teve nenhuma dificuldade no mata-mata. Na primeira fase da Liga dos Campeões, passeou duas vezes sobre o Olimpija Ljubljana, da Eslovênia – 4 a 0 na Itália e 3 a 0 longe de seus domínios. Na etapa seguinte, o checoslovaco Slovan Bratislava foi derrotado por 1 a 0 na Eslováquia e goleado por 4 a 0 em San Siro. Com sobras, o Diavolo avançou aos grupos.

Uma grande atuação dos zagueiros do Marseille parou o ataque do Milan, em Munique (imago)

Os italianos foram sorteados numa chave com Porto, IFK Göteborg e PSV Eindhoven. Apesar do peso dos adversários, o Milan saiu confiante rumo à final, já que somou 100% de aproveitamento. Os rossoneri anotaram 11 gols e foram vazados apenas uma vez, quando enfrentaram o PSV, do artilheiro Romário. Era o trabalho de Capello tomando forma e também atraindo olhares, já que a equipe era a favorita ao título e também tinha contas a acertar com o Marseille.

Futebol à moda francesa

Apesar de diferente e com menor possibilidade de zebras, a primeira Liga dos Campeões teve eliminações surpreendentes. O Barcelona de Johan Cruyff, que era chamado de Dream Team e tinha levado a orelhuda anterior, não conseguiu passar pelo CSKA Moscou na segunda fase. Além disso, o Leeds, dono do título inglês, também ficou pelo caminho precocemente – foi eliminado pelo Rangers. A queda de pesos pesados favorecia ao Milan e também ao Marseille.

Os franceses, que vislumbravam ir além do vice-campeonato de 1991, começaram eliminando o Glentoran, da Irlanda do Norte, por um largo agregado de 8 a 0. Na segunda fase, o Dinamo Bucareste foi um adversário difícil de superar, mas, após empate sem gols, a vitória por 2 a 0 foi conquistada no jogo de volta, no Vélodrome.

Já na fase de grupos, o Marseille também ficou invicto. A equipe da Provença venceu três jogos e empatou outros três, finalizando com nove pontos, à frente de Rangers, Club Brugge e CSKA Moscou. Chegava o momento de tentar superar novamente o Milan, e com um time repleto de jogadores que atuaram ou atuariam na Itália – Jocelyn Angloma (Torino e Inter), Marcel Desailly (Milan), Didier Deschamps (Juventus), Franck Sauzée (Atalanta), Abedi Pelé (Torino), Alen Boksic (Lazio e Juventus) e Rudi Völler (Roma).

A forte marcação do Milan limitou Boksic, mas o Marseille encontrou outras armas eficazes (Arquivo/Uefa)

A vingança nem sempre é plena

O Milan queria se vingar após a dolorosa eliminação na Copa dos Campeões, em 1991. Papin, que fazia parte do elenco responsável pela eliminação do Diavolo, ficou no quase com a equipe francesa naquele ano e se transferiu para o time italiano, atrás da maior conquista europeia. No entanto, o roteiro foi escrito de forma que tudo seria diferente no Olympiastadion, em Munique.

De um lado, o Milan se organizou com sua tradicional linha defensiva, composta por Sebastiano Rossi no gol, Mauro Tassotti e Paolo Maldini nas laterais, e Alessandro Costacurta e Franco Baresi como dupla de zaga. No meio-campo, Frank Rijkaard e Demetrio Albertini ocupavam a parte central, enquanto Roberto Donadoni e Gianluigi Lentini corriam pelas pontas. Já no ataque, Daniele Massaro fez dupla com Marco van Basten, recuperado de uma séria lesão no tornozelo. Papin teria que observar, aflito, do banco de reservas.

No Marseille, Fabien Barthez fecharia o gol, atrás de uma defesa formada por Angloma, Boli e Desailly pelo centro, com enquanto Jean-Jacques Eydelie e Éric Di Meco nas laterais. O meio-campo da equipe de Goethals tinha Sauzée e Deschamps mais fixos, enquanto Pelé tinha liberdade para avançar pela direita e encostar em Boksic e Völler, comandantes do ataque.

Logo que o apito soou em Munique, o Milan entendeu o tamanho do problema que teria ao enfrentar, novamente, o Marseille. Isso porque o ataque da equipe francesa estava mais inspirado do que nunca para criar problemas para Baresi e Costacurta. Apesar disso, os esforços dos rossoneri também eram grandes e foram os italianos os primeiros a levar perigo, com um cabeceio de Rijkaard.

Boli se antecipou a Rijkaard e marcou o gol decisivo (Arquivo/Uefa)

As duas equipes entregavam um bom volume de jogo, mas faltava caprichar nas finalizações. Os rossoneri tentavam na bola aérea, já que contavam com bons cabeceadores, mas levaram mais perigo em jogadas trabalhadas pelo chão. Nas melhores delas, o goleiro Barthez fez grandes defesas nos chutes de canhota de Van Basten e Massaro.

O Milan vivia um momento melhor, mas os phocéens viriam a abrir o placar ainda na etapa inicial. Aos 43 minutos, o Marseille marcou depois que Pelé cobrou escanteio no primeiro pau e Boli subiu mais do que Rijkaard para raspar de cabeça e estufar as redes. Rossi, que estava no meio do gol, não teve tempo de reagir e apenas observou a bola entrar. De acordo com o zagueiro francês, a jogada havia sido combinada com o meia-atacante ganês, de modo a surpreender a defesa rossonera.

No segundo tempo, o time italiano tentou pressionar, mas se mostrava apreensivo num nível crescente ao passar dos minutos. A melhor oportunidade aconteceu numa cabeçada de Massaro, mas nem mesmo a entrada de Papin alterou o cenário a favor do Milan. Em grande partida, Angloma, Boli e Desailly seguiram à risca as orientações de Goethals e o Diavolo acabou sendo vítima de um ferrolho à francesa. Graças a um herói improvável, o título do Marseille se confirmou e os rossoneri, impotentes, não consumaram a sua vingança.

Apenas quatro dias depois da derrota em Munique, o Milan assegurou o título da Serie A e encerrou a temporada de maneira agridoce. O Marseille, por sua vez, se veria em meio a enorme turbulência. Único time francês a conquistar uma Champions League até o fechamento deste texto, o clube também faturou o campeonato nacional, mas teve a conquista cassada porque jogadores subornaram adversários do Valenciennes. O caso terminou com o rebaixamento do OM e a prisão do presidente Bernard Tapie e de Eydelie, que ainda recebeu longa suspensão do esporte. Em autobiografia publicada em 2006, o ex-meia ainda afirmou que o time marselhês teria sido submetido a “estranhas injeções” antes da final europeia de 1993, mas as acusações não foram confirmadas por exames antidoping.

Marseille 1-0 Milan

Marseille: Barthez; Boli; Eydelie, Angloma (Durand), Desailly, Di Meco; Pelé, Sauzée, Deschamps; Boksic, Völler (Thomas). Técnico: Raymond Goethals.
Milan:
Rossi; Tassotti, Costacurta, Baresi, Maldini; Donadoni (Papin), Albertini, Rijkaard, Lentini; Van Basten (Eranio), Massaro. Técnico: Fabio Capello.
Gol: Boli (43′)
Árbitro: Kurt Röthlisberger (Suíça)
Local e data: Olympiastadion, Munique (Alemanha), em 26 de maio de 1993

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