Na transição entre os anos 1980 e 1990, o futebol italiano via o sucesso de muitos jogadores estrangeiros. Marco van Basten, Diego Maradona, Lothar Matthäus, Careca, Ruud Gullit, Rudi Völler, Karl-Heinz Riedle e Andreas Möller se destacavam nos clubes grandes, enquanto os menores tinham atletas do nível de Gheorghe Hagi, Carlos Alberto Aguilera, Tomás Skuhravy, Daniel Fonseca, Enzo Francescoli, Oliver Bierhoff e Abel Balbo. Nem todos os “gringos” tiveram passagens inesquecíveis pelos campos da Bota, porém. O paraguaio Gustavo Neffa, da Cremonese, por exemplo, é mais lembrado por ter inspirado o nome artístico de um dos principais rappers da Itália.
Neffa nasceu em Assunção, no Paraguai, no dia 3 de novembro de 1971. Quando tinha oito anos, viu a seleção de seu país atingir o auge com a conquista da Copa América de 1979 – segundo e último título de La Albirroja. Esse feito foi mais do que suficiente para marcar o jovem Gustavo e impulsionar o seu desejo de ser jogador de futebol. Aos 16, entrou nas categorias de base do tradicional Olimpia, clube pelo qual foi campeão nacional.
O jovem, que alternava entre a ponta esquerda e a função de centroavante, se destacava pela velocidade e por boa finalização. Neffa chamava tanta atenção que, depois de apenas alguns meses como profissional, foi convocado para a seleção principal do Paraguai. Pela albirroja, disputou a Copa América de 1989, realizada no Brasil, antes mesmo de alcançar a maioridade. Gustavo foi titular na estreia contra o Peru e marcou uma vez na vitória por 5 a 2. Os paraguaios ficaram na quarta posição.
Neffa se mudou para o futebol europeu pouco após a Copa América. Em tempos de renovação, a Juventus venceu a competição pelo jogador e realizou sua aquisição por recomendação “só” de Giampiero Boniperti. Giovanni Trapattoni tinha deixado o comando do time pouco antes e Michel Platini e Gaetano Scirea, seus ícones, haviam se aposentado. Para concluir a reformulação do elenco, a Velha Senhora se desfez de Antonio Cabrini, Luciano Favero, Alessandro Altobelli e Michael Laudrup. Em sentido contrário, chegaram Salvatore Schillaci, Pierluigi Casiraghi, Sergej Aleinikov e Angelo Alessio. O paraguaio, contudo, não seria aproveitado numa primeira hora: para ganhar mais experiência, o jovem foi emprestado para a Cremonese, que retornava à elite.
O atacante chegou à Itália cercado por muitas expectativas. Nello Governato, famoso dirigente esportivo, teve a audácia a compará-lo a Maradona. Tarcisio Burgnich, treinador da Cremo, enxergou em Neffa movimentos com a perna canhota que se assemelhariam aos do craque Luigi Riva, seu ex-companheiro de seleção italiana. Gustavo foi ganhando minutos ao longo da temporada, teve a primeira chance como titular contra a Atalanta, em janeiro de 1990 e, no mês seguinte, começou jogando contra o Milan, em San Siro. A Cremonese perdeu, mas o paraguaio acertou a trave duas vezes e cavou um pênalti: a atuação empolgou o juventino Gianni Agnelli, que lhe equiparou a Omar Sívori.
Neffa, porém, passou longe do que se esperava dele. Ao fim de sua primeira temporada na Itália, marcou apenas um gol, contra o Lecce, em 16 jogos e teve o desempenho mais tímido entre os três estrangeiros da Cremonese – o sueco Anders Limpar e o argentino Gustavo Dezotti, idolatrados pela torcida grigiorossa. Ainda imaturo, permaneceu na Lombardia para a temporada seguinte. Porém, disputaria a Serie B, em virtude do rebaixamento da equipe.
Na segundona, Neffa recebeu mais chances, mas mesmo assim não foi titular absoluto da Cremo. Atuou em 24 partidas e marcou apenas dois gols – contra Foggia e Barletta, adversários da Apúlia –, mas deu alguma contribuição para o retorno imediato dos grigiorossi à elite. Depois disso, Gustavo disputou a Copa América de 1991 e anotou uma vez na goleada dos guaranis sobre a Venezuela. O Paraguai sequer passou da fase de grupos.
Em 1991-92, o garoto teve as suas últimas chances no futebol europeu. Neffa esquentou bastante o banco da Cremonese de Gustavo Giagnoni e não balançou as redes nenhuma vez. Dessa forma, em janeiro de 1992, a Juventus recebeu uma proposta do Unión de Santa Fé e negociou o jogador, que tinha apenas 20 anos, com a equipe argentina. O atacante encerrou a sua experiência com a camisa grigiorossa com 50 aparições e apenas quatro gols marcados.
Neffa recuperou parte de seu prestígio no Unión e rapidamente se transferiu para o Boca Juniors. Em 1992, também representou o Paraguai nos Jogos Olímpicos de Barcelona: os sul-americanos foram eliminados nas quartas de final pela seleção de Gana, que faturaria a medalha de bronze. Gustavo não conseguiu repetir o feito dos guaranis de 1979, que lhe permitira se apaixonar pelo futebol, mas ter participado da competição significou muito para ele. Durante a Olimpíada, conheceu a tenista Rossana de los Ríos, com quem se casaria e teria uma filha – Ana Paula, que seguiu os passos da mãe.
Gustavo, pouco estimulado no futebol, teve uma carreira curta e pouco brilhante nos anos seguintes. Além do Boca, pelo qual conquistou dois títulos, perambulou por Estudiantes de La Plata, Sol de América, Olimpia e Dallas Burn. A ida para o clube da Major League Soccer, no qual também seria auxiliar técnico, se devia principalmente ao plano de carreira da esposa, que treinava nos Estados Unidos. Após alguns dias no país, Neffa tomou uma atitude ainda mais peremptória e decidiu rescindir com os texanos para cuidar exclusivamente do preparo físico de Rossana e da pequena filha. Aos 28 anos, se aposentou.
O jogador paraguaio sequer engraxaria as chuteiras dos craques com os quais foi comparado. Eterna promessa, Neffa seria lembrado na Itália apenas por torcedores da Cremonese e, quiçá, da Juventus. Porém, ainda hoje, o seu nome está na boca de muitos italianos. É que um dos precursores do hip-hop no país passou a utilizar o sobrenome do atacante como nome artístico.
Em 1991, Giovanni Pellino era baterista da Negazione, uma banda de hardcore de Bolonha, cidade localizada a cerca de 140 quilômetros de Cremona. Na época, os seus colegas de banda deixaram de chamá-lo de Jeff e apelidaram-no Neffa, por causa do paraguaio. Quando migrou para o rap, Giovanni decidiu assumir a nova alcunha.
Com o grupo Sangue Misto, o rapper lançou o álbum SxM, considerado o primeiro grande trabalho italiano do gênero. Em 1996, o artista nascido na Campânia iniciou sua carreira solo e emendou sucessos, como Aspettando il sole, La mia signorina e Le ore piccole. Neffa também concorreu ao MTV Europe Music Awards, participou do tradicional Festival de Sanremo e compôs a trilha sonora do filme Saturno em Oposição, do aclamado diretor ítalo-turco Ferzan Özpetek. Por este trabalho, foi indicado a diversos prêmios e faturou o Nastro d’argento de melhor canção por Passione.
Como era de se imaginar, Gustavo Neffa conheceu o seu homônimo. Certo dia, quando passava férias em Roma, um amigo lhe contou sobre o cantor italiano que usava o seu sobrenome. O paraguaio, então, ficou curioso e entrou em contato com o rapper através de seu site oficial. O Neffa italiano prontamente respondeu o e-mail e até chegou a viajar para a Flórida para conhecer a escolinha de futebol tocada pelo sul-americano. Bem, certamente não era esse tipo de experiência que o ex-atacante esperava vivenciar quando foi contratado pela Juventus.
Gustavo Neffa
Nascimento: 3 de novembro de 1971, em Assunção, Paraguai
Posição: ponta-esquerda e centroavante
Clubes: Olimpia (1987-89 e 1998-99), Cremonese (1989-1992), Unión (1992), Boca Juniors (1992-95), Estudiantes de La Plata (1995-96), Sol de América (1996-97) e Dallas Burn (2000)
Títulos: Campeonato Paraguaio (1988), Campeonato Argentino (1992) e Copa de Ouro Nicolás Leoz (1993)
Seleção paraguaia: 36 partidas e 13 gols