Um dos mais célebres volantes que já atuaram pela seleção da França, Patrick Vieira foi um dos tantos jogadores oriundos de ex-colônias francesas a representarem os Bleus. Uma história que começou em 1931, com outro meia defensivo, Raoul Diagne, e teve grandes representantes, como Jean Tigana, Lilian Thuram, Marcel Desailly e Paul Pogba. O grandalhão franco-senegalês ainda entrou para a história como um dos poucos a defenderem os três gigantes italianos.
Vieira é um símbolo do mundo globalizado: nasceu em Dacar, capital senegalesa; viveu na França; tem sobrenome português, por conta de sua mãe ser cabo-verdiana; defendeu os Bleus em três Copas do Mundo e foi ídolo de torcidas na Inglaterra e Itália. Por isso, a trajetória do volante começou na país que adotou para viver. Nas categorias de base, Vieira deu seus primeiros passos no Trappes e, antes de se profissionalizar, ainda passou por Drouais e Tours.
O francês era um privilegiado em aspectos físicos e técnicos. Muita força distribuída em 1,93m, boa qualidade para ler o jogo, chute potente, passes precisos e ótimo nas recuperações de bola. Essas características agregadas o colocavam como homem perfeito para jogar à frente da zaga e iniciar os ataques, se comportando como um meio-campista box-to-box, como são descritos na Inglaterra os volantes que também participam no ataque.
A carreira de Vieira passou a ser mais notada com a transferência para o Cannes. Aos 17 anos, chegou aos “Dragões Vermelhos” e, com a aparição em um clube maior, o jogador passou a ser convocado para a seleção sub-21 francesa. Com a camisa azul, no Europeu da categoria, ajudou o esquete francês a ser o terceiro colocado, juntamente a futuros companheiros de Arsenal, Pirès e Wiltord. No mesmo ano, a França foi eliminada nas oitavas de final da Olimpíada. A competição teve a presença, com destaque na tabela de artilheiros, vários jogadores que atuaram na Itália: o artilheiro dos Jogos, Crespo; Ronaldo; Marco Branca e Nwankwo Kanu – todos com passagem pela Inter, futuro clube de Vieira.
A passagem no Cannes durou apenas uma temporada e meia, nas quais mostrou bom futebol e atraiu a atenção do Milan, que o contratou em 1996. A primeira aparição do volante na Itália não deixou saudades. Pelos rossoneri, o jovem Vieira teve escassas oportunidades, porém, com dois jogos na Serie A, fez parte do elenco campeão italiano em 1995-96 e atraiu a atenção do técnico do Arsenal, Arsène Wenger. O compatriota não poupou os esforços e pagou mais de quatro milhões de euros pelo jogador – um dos maiores acertos do técnico.
Pelo desconhecimento do idioma, o francês teve dificuldades no início em Londres, principalmente fora das quatro linhas. Um fato marcante ocorreu quando o capitão, Tony Adams fez um discurso emocionado aos companheiros no vestiário, assumindo os problemas com as bebidas alcoólicas e Vieira não entendeu nada. Porém, em campo, o alto volante logo combinou bem com os companheiros.
Nas nove temporadas pelos Gunners, Vieira ganhou 11 títulos e se tornou um dos melhores jogadores do mundo. O francês capitaneou os “Invincibles”, que não perderam na conquista da Premier League 2003-04, e, na sua temporada derradeira, foi o responsável pela última cobrança da disputa de pênaltis que valeu o título da FA Cup 2004-05, frente ao rival Manchester United. Depois da saída do francês, os Gunners não ganharam mais nenhuma taça.
Enquanto brilhava em Londres, o francês assumia o protagonismo também dentro da seleção. Vieira foi um dos 23 campeões mundiais em 1998, mas sem estar entre os 11 iniciais. Dois anos depois, foi titular e venceu a Euro 2000, quando Zidane recebeu o troféu de melhor jogador e o volante fez parte da seleção do torneio. Esta geração dos Bleus ainda venceu a Copa das Confederações em 2001.
Depois do grande sucesso, a França passou vergonha na Copa de 2002. Com Zidane longe das condições ideiais, os Bleus caíram na primeira fase sem terem marcado nenhum gol. O curioso para Vieira foi ser derrotado pelo seu país natal, o Senegal, na partida de estreia do Mundial. Na Euro 2004, o volante esteve entre os titulares nas partidas da primeira fase, porém, nas quartas de final frente à futura campeã Grécia, não jogou e viu a equipe ser eliminada.
A geração campeã do mundo em 1998 ainda tinha gás para uma grande despedida no maior palco do futebol de seleções. Na Alemanha, em 2006, mais uma vez liderados por Zidane e com Vieira entre os titulares, os Bleus foram vice-campeões mundiais. O volante da camisa quatro marcou dois gols na Copa e foi eleito para a seleção do torneio. O franco-senegalês esteve com a França na Eurocopa 2008, quando a equipe foi eliminada na primeira fase.
A caminhada como ídolo do Arsenal acabou em 2005, quando a Juventus desembolsou mais de 15 milhões de euros para ter o jogador por cinco anos. Os bianconeri eram a grande potência italiana (atuais campeões) e contavam com um elenco muito qualificado: Buffon, Cannavaro, Thuram, Zambrotta, Emerson, Nedved, Camoranesi, Del Piero, Ibrahimovic e Trezeguet. Todos eles sob o comando de Fabio Capello.
A combinação das peças resultou em uma campanha impressionante. Foram 91 pontos, apenas uma derrota e um sistema defensivo muito forte, com apenas 24 gols sofridos. Vieira era membro indispensável da engrenagem bianconera, marcou cinco vezes na campanha do scudetto e colaborou bastante para a boa marca defensiva. Porém, pela participação juventina no escândalo de combinação de resultados, o título foi perdido no tribunal e a Vecchia Signora acabou rebaixada.
Com o futebol no mais alto nível e com apenas uma temporada na Juventus, Vieira foi um dos jogadores que não quis disputar a Serie B. Ao lado de Ibrahimovic, o franco-senegalês foi vendido para a Internazionale, que herdou da Juventus o posto de clube dominante no Belpaese. No esquadrão bianconero, os títulos não foram computados, mas, com a troca para os nerazzurri, as conquistas vieram em larga escala. E, com o acerto com a Inter, Vieira se tornaria um dos poucos jogadores a terem vestido as camisas de Inter, Juve e Milan – até hoje, são apenas 10 em toda a história.
O franco-senegalês iniciou a trajetória em Milão mostrando personalidade. Na coletiva de apresentação, em Appiano Gentile, comentou sobre o título retirado da sua Juventus e dado ao clube que acabava de o contratar: “Nós trabalhamos muito no campo para vencê-lo, mas há uma decisão sobre, por isso, temos que aceitá-la. É um pouco difícil de entender, mas é assim que é”.
A personalidade fora das quatro linhas se transmitiu para dentro, onde iniciou a trajetória como titular absoluto do meio-campo defensivo ao lado de Cambiasso. No primeiro ano foram 28 partidas, cinco gols, e os títulos da Serie A e da Supercoppa. Depois da ótima primeira temporada, Vieira passou a jogar menos, porém seguiu fazendo parte de um grupo vencedor. Em 2007-08, conquistou o scudetto, jogando 22 vezes na temporada. No ano seguinte, levantou mais uma Supercoppa e outro Campeonato Italiano, desta vez, esteve em 24 jogos da Beneamata.
O período de Vieira em nerazzurro ficou marcado pelos ótimos desempenhos dentro da Itália e as eliminações precoces na Liga dos Campeões. Em 2009-10, quando a Inter quebrou o jejum de 45 anos sem vencer a competição, o franco-senegalês já havia deixado o clube. Na temporada de despedida, 16 partidas e um gol, portanto, mesmo tendo saído da Beneamata no início de 2010, Vieira participou do triplete conquistado pelo time de Mourinho.
O interesse do Manchester City veio em boa hora: sem muito espaço na Inter, o franco-senegalês optou por retornar à Inglaterra durante a temporada 2009-10. Nos Citizens, Vieira teve mais espaço, reencontrou seu primeiro treinador na Inter, Roberto Mancini e foi a primeira opção de banco para a dupla de volantes, Barry e De Jong – Yaya Touré era aproveitado mais à frente.
O contrato que seria de seis meses foi estendido e o volante seguiu no City até o final da temporada 2010-11. No ano de despedida do futebol, Vieira foi importante para o primeiro título desta fase milionária dos Sky Blues. Durante a campanha vencedora da FA Cup, o franco-senegalês atuou oito vezes e marcou três gols. No jogo que valeu a taça, frente ao Stoke City, veio do banco para participar dos minutos finais da partida. Desta forma, Vieira encerrou a sua segunda passagem pelo futebol inglês com a mesma conquista com a qual terminou a caminhada pelo Arsenal, seis anos antes.
A trajetória futebolística foi concluída da melhor possível: escolha bem fundamentada e com mais uma taça. Porém, no ano e meio em que esteve no City, Vieira criou uma relação muito forte com o clube e, por isso, foi apontado como executivo de desenvolvimento de futebol, cargo criado especialmente para ser ocupado pelo franco-senegalês. Em maio de 2013, o ex-jogador foi promovido para o cargo de treinador do time sub-21, substituindo o italiano Attilio Lombardo, e deu início a uma trajetória bem-sucedida com a prancheta em mãos.
Além da carreira esportiva, Vieira também é um dos embaixadores da boa vontade da FAO, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. Quando foi apontado para o cargo, o franco-senegalês afirmou que se comprometia a chamar a atenção para o direito à alimentação de todos no mundo. Roberto Baggio também ocupa esta função na entidade.
Patrick Vieira
Nascimento: 23 de junho de 1976, em Dacar, Senegal
Posição: volante
Clubes como jogador: Cannes (1993-95), Milan (1996), Arsenal (1996-2005), Juventus (2005-06), Inter (2006-10) e Manchester City (2010-11)
Títulos como jogador: Serie A (1996, 2007, 2008 e 2009), Premier League (1998, 2002 e 2004), FA Cup (1998, 2002, 2003, 2005 e 2011), Community Shield (1998, 1999, 2002 e 2004), Copa do Mundo (1998), Eurocopa (2000), Copa das Confederações (2001), Supercopa Italiana (2006 e 2008) e Liga dos Campeões (2010)
Clubes como treinador: New York City (2015-18), Nice (2018-20), Crystal Palace (2021-23) e Strasbourg (2023-24)
Seleção francesa: 107 jogos e seis gols