Lateral-esquerdo no Brasil, meio-campista (e até atacante) na Itália. Algo razoavelmente comum, hoje em dia. Um dos precursores dessa tendência foi Leonardo, um dos brasileiros mais queridos da história do Milan – ao menos em seus tempos de atleta.
Como jogador, Leonardo não aportou cedo à Itália, sendo contratado só aos 27 anos. O que foi bom para sua carreira, lhe dando possibilidade de chegar com maior maturidade. Flamenguista de coração, fez teste na Gávea aos 16 e, meses depois, já foi destaque da conquista da Taça BH de Juniores. Antônio Lopes já taxava: “o garoto vai virar ídolo”. Aos 18, já assinava seu primeiro contrato como profissional e era campeão sul-americano sub-20 com a seleção brasileira.
Em 1990, Leonardo trancou a faculdade de Educação Física e se mudou para São Paulo, onde logo alcançou a seleção brasileira enquanto defendia o clube do Morumbi. Grande investimento do clube de Telê Santana que, além de campeão brasileiro, viu seu lateral-esquerdo ser eleito o melhor da posição pela Placar. A grande campanha o levou ao Valencia, onde ficou por duas temporadas, em uma delas eleito pela Don Balón o melhor lateral do futebol espanhol.
Mesmo com o sucesso, Leonardo optou em voltar ao Brasil para buscar com o São Paulo o bicampeonato mundial já como meio-campista – e ficar mais perto de uma vaga na Copa de 1994. Depois do tetra, foi para o futebol japonês substituir Zico no Kashima Antlers, onde ficou por dois anos e conseguiu um título da J.League. Influenciado por Raí e Ricardo Gomes, partiu dessa vez para o Paris Saint-Germain, onde fez só uma (grande) temporada antes de assinar com o Milan, no verão europeu de 1997.
Era um grande desafio brilhar no futebol italiano, o mais competitivo do mundo durante a década de 90. Se as boas atuações já na primeira temporada serviram para garantir sua convocação para a polêmica Copa de 1998, as da segunda ajudaram a conduzir o Milan ao título italiano em seu centenário, um feito considerado improvável depois das campanhas ruins do clube nos últimos anos e a má largada na própria campanha 1998-99. Foram sete vitórias nas sete últimas rodadas e o Milan ficou à frente da Lazio por só um ponto. Muito técnico e especialista em bolas paradas, Leonardo marcou doze gols no campeonato, utilizado como uma espécie de ponta-esquerda no 3-4-3 de Alberto Zaccheroni.
Na temporada do scudetto, confirmou a condição de xodó da torcida. Simpático em suas entrevistas, elegante em campo, ainda marcou no último minuto o gol da vitória sobre a Lazio por 1 a 0 que praticamente decidiu o título e os dois tentos do empate em 2 a 2 no dérbi com a Inter. A despedida ao final da traumática temporada 2000-01, que fez o Deportivo La Coruña algoz do Milan na Liga dos Campeões, provou o amor dos italianos pelo camisa 18 rossonero. Faixas como “Grazie di cuore, Leo!” foram banais no San Siro.
De volta ao Brasil, foram seis meses no São Paulo e outros seis no Flamengo, onde pretendia encerrar a carreira, mas foi atrapalhado pelo período difícil do clube e a dificuldade em tratar uma lesão. Acabou de volta ao Milan, convencido por Carlo Ancelotti e Adriano Galliani. Marcou um belo gol logo na reestreia, mas optou pela aposentadoria pouco antes do fim da temporada, com apenas 32 anos. Saiu do campo direto para a direção técnica milanista, e foi peça-chave nas contratações (e permanências) de Kaká e Alexandre Pato. De quebra, cuidava da Fundação Gol de Letra e da Fundação Milan. Por outro lado, em 2009 se desentendeu com o ídolo Paolo Maldini, que se aposentou em seguida – a reconciliação também não demorou.
Depois da última rodada da Serie A 2008-09, que culminou na esperada demissão de Ancelotti, Leonardo foi anunciado como treinador do Milan para as duas próximas temporadas. A expectativa era a de repetir o sucesso do antecessor e ir bem num clube que, durante a gestão de Silvio Berlusconi, lançou na Serie A dois grandes treinadores – Fabio Capello e Arrigo Sacchi.
Leonardo teria, a princípio, todo o suporte da direção do Milan para desempenhar sua função. E, por direção do Milan, leia-se Berlusconi e Galliani, uma dupla que fez um trabalho terrível no verão europeu de 2009. Sua experiência começou sem Maldini, Kaká e David Beckham, a indecisão sobre a permanência de Andrea Pirlo – que ficou –, muitas falácias e poucas ações por parte de Berlusconi, além de um mercado de entradas frígido, que (no papel) pôs o elenco rossonero atrás até dos emergentes Genoa e Napoli. Uma missão de risco para um ótimo profissional, dedicado e ligado ao clube.
O brasileiro estava pronto para se queimar e foi o que ocorreu. A temporada ficou marcada por duas derrotas por 4 a 0: no dérbi do primeiro turno da Serie A contra a rival Inter, que ficou com a Tríplice Coroa, e para o Manchester United, selando a eliminação nas oitavas de final da Champions League com um placar agregado sonoro, de 7 a 2 para os ingleses. O esquema apelidado pela imprensa como “4-2-fantasia” funcionou apenas parcialmente e Leonardo, em atrito com Berlusconi, se demitiu após deixar o Milan no terceiro lugar da Serie A.
Alguns meses se passaram e uma revolução ocorreu. Em dezembro de 2010, Massimo Moratti demitiu Rafa Benítez, que não emplacou como substituto de José Mourinho na Inter, e fez uma aposta ousada: como tinha muita estima por Leonardo e por seu futebol, fez com que ele virasse a casaca e se tornasse nerazzurro na véspera de Natal.
Na Inter, Leonardo somou alguns números impressionantes: somou 33 pontos nos primeiros 13 jogos do campeonato, superando o recorde de 32, alcançado previamente por Marcello Lippi e Capello (na Juventus), e Luigi Simoni, pelos nerazzurri; e ganhou seus 12 compromissos em casa na Serie A, igualando a marca mais expressiva da agremiação, estabelecida pela dupla Mariano Tansini e Giulio Cappelli, além de Giovanni Invernizzi. Leo ainda faturou uma Coppa Italia e foi vice-campeão nacional com o melhor ataque.
O brasileiro, porém, fracassou na Champions League, sofrendo uma derrota por 5 a 2 do Schalke 04 em casa e levando a equipe à eliminação na fase seguinte à classificação heroica sobre o Bayern de Munique, derrotado pelos próprios nerazzurri na decisão anterior do torneio. A Inter também perdeu o dérbi citadino do returno da Serie A para o Milan, quando tinha a chance de assumir a liderança e ficar em vantagem na busca por um, até então, inédito hexacampeonato consecutivo da Serie A. Naquela ocasião, um suntuoso mosaico da torcida rossonera taxou Leonardo de Judas.
Leo tinha tudo para permanecer na Inter, mas não quis – e, assim, iniciou uma trajetória oscilante e incerta. Dias após rescindir com os nerazzurri, abandonou a carreira de treinador e se tornou diretor esportivo do Paris Saint-Germain, que passou a receber investimentos de bilionários do Qatar. O brasileiro ficou no cargo até 2013 e, depois, atuou como comentarista e chegou até a voltar ao comando técnico de um time: o Antalyaspor, da Turquia, por menos de três meses, em 2017.
Em 2018, Leonardo retornou ao Milan, dessa vez como diretor esportivo. A escolha do fundo de investimentos Elliott, que assumira o clube após o chinês Li Yonghong não honrar os pagamentos dos valores tomados por empréstimo para comprar as ações vendidas por Berlusconi, foi contestada pela torcida. Na verdade, Leo não fez um bom trabalho e sequer esteve em acordo com a chefia durante sua gestão – o que levou à interrupção do vínculo já em 2019. De imediato, voltou ao PSG com a mesma função que desempenhara antes e a cumpriu por três anos, até ser demitido e resolver tirar uma folga do mundo da bola.
Leonardo Nascimento de Araújo
Nascimento: 5 de setembro de 1969, em Niterói (RJ)
Posição: lateral-esquerdo e meio-campista
Clubes como jogador: Flamengo (1987-90 e 2002), São Paulo (1990-91, 1993-94 e 2001), Valencia (1991-93), Kashima Antlers (1994-96), Paris Saint-Germain (1996-97), Milan (1997-2001 e 2002-03)
Títulos como jogador: Campeonato Brasileiro (1987 e 1991), Taça Guanabara (1988 e 1989), Sul-Americano Sub-20 (1988), Copa do Brasil (1990), Campeonato Paulista (1991), Supercopa Libertadores (1993), Recopa Sul-Americana (1993 e 1994), Mundial Interclubes (1993), Copa do Mundo (1994), J.League (1996), Copa América (1997), Copa das Confederações (1997), Serie A (1999) e Coppa Italia (2003)
Clubes como treinador: Milan (2009-10), Inter (2010-11) e Antalyaspor (2017)
Títulos como treinador: Coppa Italia (2011)
Seleção brasileira: 60 jogos e 8 gols