Grandes feitos: Pentacampeão italiano consecutivo* (1942-1943, 1945-1946, 1946-1947, 1947-1948 e 1948–1949) e campeão da Copa da Itália (1942-1943).
*Em 1943-1944 e 1944-1945 não houve disputa por conta da II Guerra Mundial.
Time base: Valerio Bacigalupo; Aldo Ballarin e Virgilio Maroso; Giuseppe Grezar, Mario Rigamonti e Eusebio Castigliano; Romeo Menti, Ezio Loik, Guglielmo Gabetto, Valentino Mazzola e Franco Ossola. Técnicos: András Kuttik (1942-1943), Luigi Ferrero (1945-1947), Mario Sperone (1947-1948), Roberto Copernico (1947-1948), e Leslie Lievesley e Erno Erbstein (1948-1949).
O Touro indomável e eterno
A Itália já teve diversos esquadrões de respeito, clubes que ganharam diversos títulos, e que encantaram o mundo, mas nenhum foi como o Torino da década de 40. Nunca uma equipe jogou tanta bola e encantou tanta gente numa época em que o mundo vivia anos tenebrosos, com o auge da Segunda Guerra Mundial. A própria guerra foi a única capaz de parar aquela equipe, que não jogou nas temporadas 1943-1944 e 1944-1945. O hiato não foi o bastante para frear o ímpeto vencedor de um time mágico, que conquistou cinco títulos italianos consecutivos, feito igualado apenas por Juventus e Internazionale até hoje.
E esse time só não venceu mais e não fez ainda mais história por conta da guerra e por não existir à época competições continentais europeias. Ninguém podia com o “Grande Torino”, apelido que ganhou aquele time de Mazzola, Gabetto, Menti, Loik, Ballarin e Rigamonti. Porém, no ano de 1949, uma tragédia colocaria ponto final no maior esquadrão que o clube conseguiu formar. Foi uma fatalidade tão grande que nunca mais o Torino voltou a brilhar como antes. Nunca mais a Itália teria equipes genuinamente italianas tão ofensivas e vistosas como aquela. O futebol perderia um de seus mais fantásticos esquadrões. Vamos relembrar esse capítulo fascinante (e ao mesmo tempo triste) do futebol.
O início do maior esquadrão da Europa
Depois do predomínio absoluto da Juventus na década de 30, bem como dos anos dourados da seleção italiana, bicampeã mundial em 1934 e 1938, a década de 40 tinha tudo para ser novamente dos italianos. Eles eram donos dos melhores jogadores do planeta, haviam vencido as duas últimas Copas, e apenas o Uruguai era capaz de peitar a Squadra Azzurra. O Brasil corria por fora, mas também tinha respeito. Porém, a eclosão da II Guerra Mundial, justo nessa época, provocou o cancelamento das Copas de 1942 e 1946.
O futebol italiano continuou, e Internazionale (chamada de Ambrosiana-Inter, à época), Bologna e Roma venceriam os campeonatos de 40, 41 e 42, respectivamente. Porém, a partir daquele mesmo ano de 1942 nasceria o maior esquadrão da europa naquela década: o AC Torino – hoje, o clube se chama Torino Football Club. O time grená havia vencido apenas um campeonato italiano, em 19271928, e uma Coppa Italia, em 1935-1936, e via sua rival da cidade, a Juventus, se tornar um gigante na década de 30.
Com uma verdadeira constelação de craques, orquestrada com maestria por Valentino Mazzola, o time inverteu os papéis, e conquistou a dobradinha Coppa Italia e Campeonato Italiano na temporada 1942-1943. O ponto alto foram as vitórias sobre a rival Juventus em ambos os turnos (2 a 0 e 5 a 2) e a conquista inapelável da copa, em que o time não sofreu um gol sequer e marcou 20 tentos em apenas cinco jogos, com direito a goleada de 4 a 0 sobre o Venezia na final, além da vitória por 2 a 0 sobre a Roma nas semifinais. As conquistas chamaram a atenção de todos pela qualidade de jogo daquele time treinado pelo húngaro András Kuttik e comandado em campo por uma dupla que faria história: Mazzola e Gabetto. Ambos começavam uma sincronia perfeita no time, e faziam estragos sérios nas defesas rivais. O torcedor do “Toro” começava a sorrir novamente.
Logo após a conquista, porém, o campeonato passou por um hiato, visto que a guerra se intensificava, sobretudo no norte e no centro da Itália. Obviamente, as temporadas de 1943-1944 e 1944-1945 foram canceladas devido aos acontecimentos críticos da guerra. Houve apenas um campeonato disputado no norte da Itália, chamado de Campeonato da Alta Itália.
A competição foi disputada de maneira imprevista: por exemplo, devido à guerra, muitos jogadores não podiam deixar suas cidades natais e tiveram de jogar emprestados a outros times. Foi o caso de Menti, que jogou emprestado ao Milan e Grezar, que jogou no Ampelea; no Torino jogaram o goleiro Griffanti (Fiorentina) e o mítico Piola (Lazio). O campeonato foi tão estranho que o Toro foi patrocinado pela Fiat, da família Agnelli, anterior e atual dona da rival Juventus, e vencido pelo time do corpo de bombeiros de Spezia, que utilizou os jogadores da equipe da cidade. Até hoje, por causa dessas questões, o campeonato não é reconhecido pela Federação Italiana de Futebol.
O tempo perdido poderia colocar em risco a maestria do Grande Torino do ano anterior? Que nada! Aquilo seria apenas o começo…
O retorno absoluto
Em 1945 a Europa comemorava o fim da Guerra, mas começaria a sua reconstrução. Porém, no futebol, o Torino não precisaria de nenhum reparo. Estava perfeito e tinindo para recomeçar a brilhar. Dito e feito.
O time disputou um confuso campeonato italiano na temporada 1945-1946, com apenas 14 times na “primeira fase” do torneio. A segunda reuniu os melhores colocados na primeira fase junto com os melhores das séries B e C. Em ambas, o Torino foi soberano e conquistou o título, com 19 vitórias, 4 empates e apenas 3 derrotas em 26 jogos na primeira fase e 11 vitórias e 3 derrotas na segunda e última fase.
Esse modo de disputa foi muito parecido com a Copa João Havelange aqui do Brasil, em 2000, com a diferença de não ter existido fase mata-mata como aqui, mas sim pontos corridos. Vale lembrar que ao longo da década de 40, bem como em grande parte da de 50, não seria disputada a Coppa Italia. O torneio voltaria apenas em 1958. Com isso, o Campeonato Italiano seria a única vedete do país por mais de 10 anos.
Sem ninguém por perto
A nova temporada começou, e o Torino continuou a dar show. O time venceu 28 jogos e perdeu apenas 3 em 38 partidas, conquistando o título com 10 pontos de vantagem com relação ao vice-campeão, sua “querida” rival Juventus. A equipe marcou absurdos 104 gols e teve um saldo positivo de 69 tentos, um recorde que seria quebrado pelo próprio Torino no ano seguinte. Nos dérbis contra a Juve, vitória por 1 a 0 e empate sem gols. O artilheiro daquele campeonato foi Mazzola, com 29 gols. Outro matador da equipe, Gabetto, faria 19 tentos naquele ano. A imprensa começava a destacar o time e ficava claro que ninguém jogava como o Torino naquela época. A Juventus, então o grande clube do país, deixava de ser a protagonista. O “Toro” estava mesmo indomável.
A temporada 1947-1948 foi uma das melhores daquele esquadrão. O time obteve proezas incríveis e assombrou a Itália. Foram 29 vitórias, 7 empates e 4 derrotas em 40 jogos, com 125 gols marcados e 33 sofridos. o time conseguia quebrar seu próprio recorde e cravaria a façanha para sempre na Serie A. Nunca outro time conseguiu marcar tantos gols em um campeonato como aquele Torino. Um show.
Outros feitos foram os seguintes: maior pontuação em uma temporada (antes dos três pontos por vitória, naquela época vitória valia dois pontos): 65 pontos; maior vitória em casa na história: 10 a 0 contra o Alessandria; maior goleada fora de casa: 7 a 0 contra a Roma; maior número de vitórias em uma temporada: 29; maior número de vitórias em casa em uma temporada: 19 vitórias em 20 jogos; menor número de gols sofridos em uma temporada: 33 gols sofridos em 40 jogos; maior média de gols em uma temporada: 3,13 gols por jogo, além das cinco rodadas de antecedência para conquistar a Serie A – feito igualado apenas pela Fiorentina, em 1958-59, e pela Inter, em 2006-07.
Foi um absurdo o que aquele time jogou em 1947-48. Mazzola e Gabetto fizeram, juntos, 48 dos 125 gols do time. Com 25 tentos, Mazzola ficou apenas a dois gols do artilheiro do campeonato, Boniperti, da Juve, que anotou 27. Qual era o limite para aquele time?
A tragédia que chocou o mundo
O campeonato italiano de 1948-1949 começou com o Torino como grande favorito, obviamente. O time seguia sua caminhada a passos galopantes rumo ao pentacampeonato italiano, até que uma tragédia colocaria ponto final no time mais brilhante que a Itália já havia visto. Com quatro pontos à frente da Internazionale, o time voou para Lisboa para participar de um amistoso contra o Benfica, para homenagear o capitão encarnado – Francisco Pereira, o Xico. Perdeu por 4 a 3.
No dia 4 de maio de 1949, às 17:05, o avião Fiat G.212 que levava o time do Torino, sua comissão técnica e alguns jornalistas de volta para a Itália se chocou contra a basílica de Superga, perto de Turim. Ninguém sobreviveu à chamada Tragédia de Superga. Restaram, no elenco, apenas cinco jogadores – que não viajaram para Portugal: o goleiro reserva Renato Gandolfi, o defensor Sauro Tomà, os meias Pietro Biglino e Luigi Giuliano, e o atacante Alfio Balbiano.
A Itália e o mundo entravam em estado de choque com o ocorrido. Um time incrível, que encantava e jogava sempre no ataque, e com estrelas que poderiam levar a Itália ao quase certo tricampeonato mundial em 1950, no Brasil, estava acabado. Não havia palavras. Não havia explicações. Era uma fatalidade que levou mais de 500 mil pessoas ao triste funeral de todos os jogadores, auxiliares, dirigentes e técnicos.
No mesmo dia 4 de maio 1949, a Federação Italiana e os clubes declararam o Torino campeão daquele ano, confirmando o pentacampeonato. Depois da comoção, a equipe juvenil do time substituiu por completo a equipe profissional para jogar as quatro partidas restantes do campeonato. E o time mostrou que a mística e a alma de seus falecidos jogadores ainda estavam presentes, levando os garotos a vencerem todos os jogos, contra Genova (4 a 0), Palermo (3 a 0), Sampdoria (3 a 2) e uma emocionante e disputada partida final contra a Fiorentina (2 a 0). Num gesto bravo e de respeito sem igual, os quatro rivais do “Toro” também escalaram juvenis.
O fim de uma lenda
Nunca mais a Itália teve uma equipe como o Grande Torino. Houve outros times repletos de craques, mas nenhum foi genuíno, artístico e brilhante como o Torino. Se uma tragédia não tivesse acabado com todo aquele esquadrão grená, o time com certeza faria chover na década seguinte, e prometeria embates históricos contra o futuro esquadrão que surgiria em breve: o Real Madrid de Puskás e Di Stéfano. Após a tragédia o Torino nunca mais foi o mesmo: só venceu um título italiano, em 1975-76, e três Coppa Italia.
A seleção italiana também foi profundamente afetada pelo trágico acidente. Os bicampeões mundiais na época seriam os favoritos plenos na primeira Copa do Mundo pós guerra, em 50, pois tinham como base o próprio Torino.
Para se ter uma ideia, em um amistoso que a Squadra Azzurra disputou em 1947 contra a Hungria, com vitória italiana por 3 a 2, 10 dos 11 titulares eram do Torino. Apenas o goleiro era de outra equipe – da Juventus. Por conta disso, a Itália disputou a Copa com uma equipe praticamente reserva e juvenil, sucumbindo rapidamente no mundial.
Esse foi, sem dúvida, o capítulo mais trágico da história do futebol. Porém, a mais doce lembrança fica por conta das maravilhas que aquele time fazia, marcadas para sempre na memória de todos. Bendito seja o Grande Torino. Um time para a eternidade.
Os personagens (todos faleceram no desastre de Superga):
Valerio Bacigalupo: era o paredão no gol do Grande Torino. Jogou 137 jogos pelo clube grená, além de ter sido convocado pela Azzurra em cinco oportunidades. Tinha 25 anos.
Aldo Ballarin: defensor no Toro, jogou 148 partidas pelo clube e marcou 4 gols. Tinha dois irmãos também futebolistas, Dino Ballarin (que também faleceu no acidente) e Sergio Ballarin. Tinha 27 anos.
Virgilio Maroso: outra lenda do time, participou de 103 jogos pelo Toro, e atuou pela Azzurra em sete partidas. O estádio de futebol de sua cidade natal, Marostica, é dedicado a ele. Tinha 24 anos.
Giuseppe Grezar: meio campista, era um dos grandes nomes do time. Atuou em 154 jogos pelo clube e em oito pela seleção italiana. Tinha 31 anos.
Mario Rigamonti: chegou com apenas 19 anos ao Torino, vindo do Brescia, mas só começou a jogar depois da II Guerra. Foi essencial no clube, e atuou em 140 jogos. Tinha 27 anos.
Eusebio Castigliano: meio campista que ia ao ataque, Castigliano marcou 36 gols em 115 partidas pelo Toro. Tinha 28 anos.
Romeo Menti: foi o autor do último gol do Grande Torino, no amistoso contra o Benfica, antes da tragédia. Tinha 30 anos.
Ezio Loik: ágil, eficiente e técnico, fez uma ótima dupla com Mazzola no meio campo do Torino. Marcou 70 gols em 176 jogos pelo Toro. Tinha 30 anos.
Guglielmo Gabetto: era um dos matadores do time e o segundo principal jogador. Marcou 122 gols em 219 jogos pelo Torino. Foi chamado para a guerra e conciliou atividades militares com futebolísticas. Pela Itália, marcou 4 gols em 9 jogos. Era um dos mais experientes do time, com 33 anos.
Valentino Mazzola: era o craque da equipe, e foi um dos maiores jogadores da história do futebol italiano e também mundial. A não realização de Copas na década de 40 prejudicou demais a carreira desse gênio, que poderia ter ganho os dois títulos facilmente com a camisa azzurra, sem contar a Copa de 50. Técnico, driblador, com ótima visão de jogo e goleador, era o jogador perfeito e líder do time. Mazzola tinha 30 anos. As melhores definições para o craque vieram de dois italianos: “Valentino jogava no Torino, juntava o Torino e era o próprio Toro”, disse Gianpaolo Ormezzano, escritor. Já Enzo Bearzot, técnico campeão do mundo com a Itália em 1982, foi mais enfático: “O maior jogador italiano de todos os tempos foi Valentino Mazzola. Ele era um homem que podia carregar um time todo em suas costas”.
Franco Ossola: outro grande goleador do Torino, marcou 85 gols em 175 jogos pelo clube. Nascido em Varese, o estádio da cidade leva seu nome, como homenagem. Tinha 28 anos.
Técnicos: O Torino teve distintos treinadores no período em que brilhou. Muitos diziam que aquele time era tão fantástico que nem de treinador precisava… Mas tudo bem, os responsáveis por “distribuir os coletes” na equipe foram András Kuttik (1942-1943), Luigi Ferrero (1945-1947), Mario Sperone (1947-1948), Roberto Copernico (1947-1948), e a dupla Leslie Lievesley e Erno Erbstein (1948-1949), estes também vítimas da tragédia de Superga.
Conteúdo do blog Imortais do Futebol. Leia mais sobre times, seleções, jogadores, técnicos e jogos que marcaram época no futebol mundial aqui.
Só para lembrar que o título de Spezia só foi oficialmente reconhecido em 2002, não como um título oficial, mas sim um título honorário. Os bombeiros-jogadores tinham uma forte condição física (resistência, força e velocidade), já o Torino jogava pelo talento e qualidade, porém não foi páreo diante do Spezia que conseguiu o título com os outros resultados melhores ficando em primeiro que o Torino, terminado em segundo, na última fase final (o torneio era realizado em 3 fases).