O futebol italiano tem uma verdadeira devoção pela figura do herói improvável. Ao longo dos anos, as conquistas e boas campanhas da Squadra Azzurra tiveram em coadjuvantes e em figuras inesperadas alguns de seus principais destaques: casos de Marco Tardelli e Paolo Rossi, decisivos em 1982, ou de Totò Schillaci, artilheiro da Copa de 1990. Nenhum deles, porém, teve em si a menor expectativa e o maior impacto que Fabio Grosso, figura essencial para o tetracampeonato de 2006.
Até poucos meses antes do Mundial o lateral não era muito conhecido e estava começando a se destacar na Serie A, com quase 30 anos – um clássico exemplo de explosão tardia do futebol do Belpaese. Até 2006, nunca havia sequer chegado perto de jogar pelos grandes clubes do país. Pelo contrário, tinha uma carreira bem modesta.
Nascido em Roma, Grosso cresceu em Pescara, principal cidade de uma região vizinha, o Abruzzo, e lá começou sua carreira. Seus primeiros passos foram dados em 1994, no semiprofissional Renato Curi, e depois no Chieti, então na quarta divisão. Em três anos pelos neroverdi, o lateral esquerdo se notabilizou pelo forte apoio ao ataque e pela velocidade – embora medisse 1,90m –, além dos gols: no acesso à terceira divisão, Grosso marcou nove vezes e chamou a atenção de Serse Cosmi, treinador do Perugia. Atuando inicialmente como ala no 3-5-2 dos umbros, o romano estreou na Serie A em 2001.
Grosso ficou dois anos e meio sob o comando de Cosmi no Perugia e se tornou uma figura importante de um time organizado, que teve em Zé Maria e Fabrizio Miccoli os seus maiores destaques e que ficou na metade de cima da tabela em 2001-02 e 2002-03 – nesta última temporada, também foi semifinalista da Coppa Italia. Pelo desempenho, o camisa 11 chamou a atenção de Giovanni Trapattoni, que lhe deu as primeiras chances como lateral esquerdo da seleção, que vivia tempos de entressafra. O romano disputou três amistosos, mas dois meses após vestir a camisa azzurra pela última vez, surpreendeu e decidiu trocar o Perugia, na Serie A e na Copa Uefa, pelo Palermo, então na Serie B.
Na Sicília, o lateral logo se tornou peça fundamental do time, ao lado do regista Eugenio Corini e do goleador Luca Toni. Com um elenco forte, o Palermo venceu a segunda divisão e se reforçou para a disputa da Serie A com peças úteis, como Simone Barone, e jovens promissores, como Cristian Zaccardo e Andrea Barzagli.
Em dois anos na elite, seja sob o comando de Francesco Guidolin ou de Luigi Delneri, o Palermo fez campanhas excepcionais, conquistando duas classificações para a Copa Uefa, graças a um 5º e a um 6º lugares. Nestas temporadas, Grosso se consagrou como um dos principais laterais esquerdos italianos pela utilidade tática, qualidade no apoio e nas incontáveis assistências para gols de Toni e Andrea Caracciolo, normalmente em cruzamentos e cobranças de faltas.
A partir do final da temporada 2004-05, quando Grosso estava prestes a completar 28 anos, é que Marcello Lippi começou a convocá-lo com frequência para a Azzurra, que estava na reta final das Eliminatórias para a Copa de 2006. O lateral esquerdo atuou em todos os cinco jogos do returno da qualificatória e em mais nove amistosos sob o comando do técnico de Viareggio até chegar ao Mundial como titular da lateral esquerda – Gianluca Zambrotta, antigo titular, passou a atuar na direita.
Grosso entrou em campo na estreia da Itália, diante de Gana, já que Zambrotta estava sem condições de jogo, mas perdeu a vaga para a partida contra os Estados Unidos. O jogador do Palermo só ganhou a posição de vez na partida seguinte, por causa da falha do colega Zaccardo, e partir daí não saiu mais do onze inicial azzurro. No mata-mata do Mundial, Grosso foi decisivo em três oportunidades: começou logo nas oitavas de final contra a Austrália, quando cavou pênalti no último lance e possibilitou a Francesco Totti anotar o gol que definiu o resultado. Mas o melhor estava por vir.
A Itália teria um adversário de peso nas semifinais da competição: enfrentava a embalada Alemanha, dona da casa. A partida foi extremamente complicada, como era de se esperar, e a Nazionale se defendeu como pode e levou o jogo para a prorrogação. Tudo indicava um 0 a 0 e a disputa de pênaltis, até que, no penúltimo minuto do segundo tempo suplementar, Andrea Pirlo ajeitou um passe açucarado para Grosso: o lateral resolveu usar a canhota para bater de primeira, com curva, e jogar a bola no canto oposto do goleiro Jens Lehmann. A comemoração foi efusiva, mas a Itália ainda faria outro gol para sacramentar a passagem à final, contra a França.
No duelo de Berlim, Grosso foi novamente titular e entrou para a história ao converter o pênalti que deu o tetracampeonato à Itália, se tornando o herói improvável que tirou a Azzurra de uma fila de 24 anos. Justo ele, que jogava em um time de pouca expressão nacional (mundial, então, nem se fala) e, aos 29 anos, chegava tardiamente à fase mais madura da carreira, alcançava o topo do mundo. Logo aquele magrão romano, de quem pouco se esperava, foi três vezes fundamental na competição de seleções mais importante que existe e teve sua imagem transmitida para o mundo por uma infinidade de vezes, como sinônimo da conquista italiana.
Dias depois de conquistar o mundo, Grosso foi anunciado como novo reforço da Inter por apenas 6,5 milhões de euros. Em Milão, na equipe declarada campeã italiana por causa dos desdobramentos do escândalo Calciopoli, o lateral esquerdo não teve a mesma continuidade e poder decisório dos tempos de Palermo e do Mundial: sofreu uma lesão e também teve a concorrência de Maxwell e Javier Zanetti, o que não lhe garantiu a titularidade absoluta. O romano ganhou a Serie A e a Supercopa Italiana, mas acabou negociado com o Lyon após apenas uma temporada com a camisa nerazzurra.
O italiano foi titular nas duas temporadas em que atuou na França e fez 71 jogos pelos lioneses, mas nunca chegou a convencer os torcedores – tanto é que o clube investiu em Aly Cissokho, promessa do Porto. Mesmo assim, Grosso continuou sendo convocado para a seleção italiana, agora treinada por Roberto Donadoni, e disputou a Euro 2008. Com a volta de Lippi à Nazionale após a competição continental, o romano fez parte dos planos da seleção por mais um ano e jogou a Copa das Confederações, em 2009, mas acabou ficando de fora do Mundial da África do Sul, no ano seguinte.
Nessa época Grosso já estava na Juventus, o último clube de sua carreira. A passagem do lateral pelo clube não foi boa e teve vários conflitos com a diretoria, em tempos majoritariamente negativos da história bianconera, que repetiu a 7ª colocação em 2009-10 e 2010-11. O campeão mundial foi titular na primeira temporada, mas, por causa de atuações fracas, acabou sendo listado para transferência no ano seguinte.
Após não ser negociado, o lateral esquerdo foi colocado para treinar em separado, mas voltou a ter chances: contrariando alguns dirigentes, o técnico Delneri o utilizou em algumas partidas, por causa de lesões de outros jogadores do setor. No entanto, quando Antonio Conte chegou, em 2011, Grosso só jogou duas partidas e foi deixado de lado em definitivo. A conquista da Serie A 2011-12 consta em seu currículo, mas Grosso foi o único atleta que não compareceu à festa do título no Juventus Stadium.
Depois de cumprir seu contrato, o jogador ficou livre para assinar com qualquer clube, mas não acertou nenhuma transferência. Em dezembro daquele ano, quando já tinha 35 anos, anunciou que pendurava as chuteiras.
Assim que confirmou que deixava os gramados, Grosso começou a frequentar o curso de treinadores da Federação Italiana de Futebol, em Coverciano, no qual se formou em julho de 2013. Neste mesmo mês ele retornou à Juventus na qualidade de auxiliar técnico da equipe Primavera (sub-20) da Velha Senhora, comandada por Andrea Zanchetta.
Com a demissão de seu superior, o tetracampeão assumiu o cargo em março de 2014 e, até hoje, ajuda a formar jovens em uma das melhores categorias de base do país. Em Vinovo, Grosso já levantou a tradicional Copa Viareggio e foi vice-campeão nacional, em 2016, chamando a atenção do Crotone, caçula da Serie A – ele recusou o convite e preferiu continuar seu trabalho nas canteras. Teremos um novo técnico de sucesso chegando ao mercado?
Fabio Grosso
Nascimento: 28 de novembro de 1977, em Roma, Itália
Posição: lateral-esquerdo e meio-campista
Clubes como jogador: Renato Curi (1994-98), Chieti (1998-2001), Perugia (2001-04), Palermo (2004-06), Inter (2006-07), Lyon (2007-09) e Juventus (2009-12)
Títulos como jogador: Copa do Mundo (2006), Serie A (2007 e 2012), Ligue 1 (2008), Supercopa Italiana (2006), Supercopa Francesa (2007), Copa da França (2008), Copa Intertoto (2003) e Serie B (2004)
Carreira como técnico: Juventus (sub-20; 2014-16)
Títulos como técnico: Copa Viareggio (2016)
Seleção italiana: 48 jogos e 4 gols