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Giuseppe Savoldi, uma vida de gols à margem da Azzurra

O poeta e escritor italiano Pier Paolo Pasolini disse certa vez: “O gol é uma invenção tal como as palavras poéticas e o artilheiro do campeonato é sempre o melhor poeta do ano”. Giuseppe Savoldi foi o grande poeta da temporada 1972-73 e está no hall da fama dos maiores artistas do campeonato italiano, com 168 gols. Por doze vezes, o centroavante esteve entre os 10 maiores goleadores da Serie A, um recorde até hoje longe de ser alcançado.

Um dos atacantes mais eficientes de sua geração, Savoldi, desde criança, dividiu suas atenções com outros esportes, além do futebol. Sua mãe, Gloria Guerini, foi campeã do primeiro torneio italiano de vôlei feminino, com a Amatori Bergamo, e o jovem Giuseppe praticou também basquete e salto em altura – isso ajuda a explicar seu ótimo poder de impulsão e o grande aproveitamento nas bolas aéreas. Somente quando já estava próximo de completar a maioridade, o atacante abandonou as atividades paralelas para se dedicar exclusivamente ao futebol. Beppe, como era chamado, iniciou sua carreira na base da Atalanta e, sob o comando do técnico húngaro Mihály Kincses, aprendeu e desenvolveu fundamentos básicos do futebol que fizeram despontar seu potencial.

Com apenas 18 anos, algo para poucos na época, Savoldi foi alçado aos profissionais do time bergamasco, pelo qual fez sua estreia na Coppa Italia, marcando um gol diante do Lanerossi Vicenza. Na mesma semana, recebeu sua primeira chance no Campeonato Italiano contra a Fiorentina, escalado como ala pela esquerda – o técnico Ettore Puricelli o escalaria nessa função e até como meia.

O substituto do treinador ítalo-uruguaio, Stefano Angeleri, foi quem escalou Giuseppe pela primeira vez como centroavante, mas não aproveitou muito o atacante. Em sua primeira temporada como profissional, o jogador fez apenas três partidas no Italiano e nove no total, marcando três gols. Nos anos seguintes, porém, Savoldi viria a assumir a titularidade absoluta no comando de ataque dos orobici, tendo anotado 17 gols em 53 partidas, 12 deles em seu segundo ano – na ocasião, brigou pela artilharia do campeonato, que ficou com Pierino Prati, autor de 15 tentos pelo Milan.

Ao ajudar a Atalanta a não ser rebaixada, Beppe começou a ser chamado para defender a seleção sub-21 da Itália, com a qual venceu os Jogos do Mediterrâneo, em 1967. Savoldi também chamou a atenção do Bologna, clube que o contratou para a temporada 1968-69, em negociação que levou o atacante brasileiro Sergio Clerici a Bérgamo.

Ainda garoto, Savoldi brilhou pela Atalanta (Archivio Farabola)

Sua chegada na agremiação rossoblù foi marcada por um problema de hérnia que quase impediu a transferência. Ainda assim, o Bologna apostou em seu potencial e teve, ao longo de sete temporadas, um dos melhores atacantes do futebol italiano. Rapidamente Savoldi se adaptou ao clube e à cidade, onde pode reviver sua paixão pelo basquete, pois a região da Emília-Romanha tinha algumas das principais equipes do país.

Sob o comando de Edmondo Fabbri, seu primeiro triênio em Bolonha foi positivo, já que ele anotou 30 vezes na Serie A e levantou suas primeiras taças: a da Copa da Liga Ítalo-Inglesa e a da Coppa Italia, em 1970, competição da qual também foi artilheiro, com 10 gols marcados. Depois que Fabbri foi demitido pela diretoria, Savoldi se encaixou perfeitamente no esquema do técnico Bruno Pesaola, que devolveu a equipe aos trilhos e aproveitou o máximo do atacante.

Orientado pelo ítalo-argentino, Beppe continuou atormentando as defesas adversárias e dando resultados positivos para a equipe, que frequentava o meio da tabela da Serie A e que faturou uma Coppa Italia, em 1972. Savoldi foi, inclusive, artilheiro do Italiano na temporada 1972-73, com 17 gols, juntamente a Paolo Pulici, do Torino, e Gianni Rivera, do Milan.

Apesar dos gols e da importante participação em campo, Giuseppe Savoldi acabou preterido nas convocações para as Copas do Mundo de 1970 e 1974, além da Eurocopa de 1972. A Nazionale, aliás, foi uma das grandes decepções da carreira do atacante, já que sequer disputou uma competição importante com a camisa da Itália – fez somente quatro partidas pelos azzurri, em 1975. Quando já havia se aposentado, o atacante avaliou a situação: “No meu tempo como jogador, os técnicos privilegiavam atacantes que atuavam juntos nos campeões italianos do período, como Juventus, Torino e Lazio. O que contava eram os ‘clãs’, mas eles não eram melhores do que eu”, declarou.

Em 1975, Savoldi deixaria o Bologna, clube do qual é o artilheiro em competições europeias, ao lado de Carlo Reguzzoni e Harald Nielsen, com 17 gols marcados, e pelo qual havia anotado, àquele momento, mais de 120 tentos. Números que fariam com que ele se tornasse cobiçado pelos principais times do futebol italiano. Savoldi teve vendas cogitadas para a Roma e também para a Juventus. O bergamasco ficou perto de vestir a camisa bianconera, mas não fechou contrato porque o atacante juventino Pietro Anastasi se recusou a se transferir ao Bologna.

O relacionamento de Beppe Savoldi com as redes era bastante íntimo (Arquivo/Bologna FC)

Com isso, o Napoli apareceu para fazer do jogador o mais caro do mundo em sua época: a transferência custou um total de 2 bilhões de velhas liras, com 1,4 bilhão em dinheiro e os passes de Clerici (outra vez) e Rosario Rampanti cedidos aos bolonheses. Beppe acabou ganhando o apelido de “Mister due miliardi”, o senhor dois bilhões.

A contratação a preço recorde balançou o futebol na Itália e gerou uma série de protestos em Nápoles e em toda a Itália, que vivia um momento delicado na economia, com enorme recessão. Sindicalistas argumentaram que com metade do dinheiro investido pelo clube seria possível pagar salários atrasados dos lixeiros da cidade. Apesar de toda polêmica, a paixão futebolística falou mais alto e Savoldi foi registrado pelos partenopei. Afinal, a contratação aflorou o ânimo e as esperanças do torcedor napolitano, que viu o título escapar por muito pouco na temporada anterior e, naquele momento, poderia sonhar com mais. Depois que a contratação do jogador foi confirmada, 75 mil torcedores garantiram carnês de ingressos para toda a temporada, os abbonamenti.

Em campo, Savoldi justificou o investimento, com sete gols nos sete primeiros jogos, o que lhe rendeu algumas de únicas oportunidades na seleção: de suas quatro convocações, três foram após a transferência para o Napoli, sendo duas para as eliminatórias da Eurocopa de 1976. Beppe se tornaria um dos grandes ídolos do clube, anotando 77 gols em sua passagem pela equipe da cidade sombreada pelo Vesúvio. Entre estes gols, destacam-se os quatro marcados sobre a Juventus na Coppa Italia 1977-78, da qual foi artilheiro, com 12 gols. O número seria o recorde da competição até Gianluca Vialli superá-lo, no fim da década de 1980.

Nas quatro temporadas no sul da Bota, Giuseppe Savoldi voltou a ser treinado por Pesaola e, sob o comando do treinador, conquistou sua segunda Copa da Liga Ítalo-Inglesa, em 1976. Meses antes, o atacante obteve também um título da Coppa Italia, torneio em que os azzurri foram mais competitivos durante a sua militância pelo clube. Além do título em 1976, o Napoli de Savoldi foi finalista em 1978 e semifinalista em 1977 e 1979 – também foi semifinalista da Recopa Uefa, em 1977. Apesar do bom desempenho nas copas, a torcida e os jogadores sentiram uma desilusão tremenda por não terem faturado nenhum scudetto.

Já em declínio na carreira, Beppe viu que sua saída daria início a um novo ciclo no clube napolitano. O atacante, então, retornou ao Bologna, para assumir a faixa de capitão da equipe, que teve boas campanhas na Serie A e na Coppa Italia, oxigenadas por seus gols. Até hoje, Beppe é o quarto maior goleador da história felsinea, com 140 tentos, atrás apenas de Angelo Schiavio, Reguzzoni e Ezio Pascutti.

Contratação mais cara do mundo em 1975, Savoldi se tornou ídolo do Napoli (Guerin Sportivo)

Apesar de viver bons momentos na fase final de sua trajetória como jogador, Savoldi cometeu um erro grave: se envolveu com a ilegalidade e foi um dos protagonistas do Totonero, escândalo de apostas que estourou na Itália durante o ano de 1980. A fraude rendeu suspensão a diversos jogadores, como Paolo Rossi e o próprio Giuseppe Savoldi, o que praticamente colocou fim à sua carreira.

A pena inicial de três anos e meio foi reduzida para dois. O suficiente para que Savoldi pudesse encerrar sua carreira com dignidade, aos 36 anos, em 1983. Seus últimos chutes foram dados com a camisa da Atalanta, seu clube formador, que disputava a segunda divisão. Ainda hoje, Beppe é um dos 20 maiores artilheiros da história da Serie A, com 168 gols marcados.

Curiosamente, Giuseppe teve trajetória mais longa que seu irmão mais novo, o meia Gianluigi “Titti” Savoldi, de breve passagem pela Juve e com aposentadoria decretada dois anos antes do primogênito. O filho do senhor dois bilhões, Gianluca, também fez carreira como jogador de futebol: foi um daqueles atacantes ciganos da bola e, nos 20 clubes pelos quais passou, só deixou saudades mesmo no Pisa e na Reggina.

Após alguns anos afastado dos campos, Giuseppe Savoldi voltou ao esporte como treinador, mas apenas em equipes da terceira e quarta divisões locais. Seu trabalho de maior destaque foi no Saronno: na Lombardia, venceu o play-off da quarta divisão e alçou os amaretti à Serie C1. Beppe também se arriscou na carreira musical, com relativo sucesso de vendas e de crítica, e também fez uma ponta em um curta-metragem.

Giuseppe Savoldi

Nascimento: 21 de janeiro de 1947, em Gorgalo, Italia
Posição: atacante
Clubes como jogador: Atalanta (1965-68 e 1982-83), Bologna (1968-75 e 1979-80) e Napoli (1975-79)
Títulos conquistados: Coppa Italia (1970, 1974 e 1976), Copa da Liga Ítalo-Inglesa (1970 e 1976) e Jogos do Mediterrâneo (1967)
Clubes como treinador: Telgate (1988-89), Carrarese (1989-91), Spezia (1991-92), Lecco (1992-93), Massese (1993-94), Saronno (1994-96), Siena (1997) e Leffe (1998)
Seleção italiana: 4 jogos e 1 gol

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