Serie A

VAR na Serie A: acertos, erros capitais e muito (muito) espaço para melhora

A longo prazo, o indício é de que as discussões no bar, sejam elas no Rio de Janeiro ou Roma, mudem o foco, relegando as escolhas da arbitragem ao segundo plano. O recurso de assistente de vídeo, o VAR, foi pouco testado até o presente momento. Todavia, entre acertos e erros, as circunstâncias atuais mostram que o papel do árbitro fica ainda mais em voga com a tecnologia. As conversas acaloradas entre torcedores após o fim das rodadas não cessarão até que os juízes sejam preparados de forma mais eficiente. O erro humano existe.

Ele foi evidenciado, aliás, logo na primeira jornada da Serie A 2017-18, que marcou a estreia do VAR na Itália – as ligas de Alemanha, Portugal e Holanda também começaram a adotar o recurso nesta temporada. Os italianos estão acostumados com a moviola (como chamam o tira-teima), mas as equipes tiveram uma palestra sobre como atua o sistema novo durante o jogo. O vídeo só pode ser usado para tirar dúvidas de gols, pênaltis, cartões vermelhos e corrigir jogadores sancionados.

Sinisa Mihajlovic não está entre os técnicos mais pacientes do Belpaese – visto o nível de aborrecimento demonstrado quando erraram uma substituição. “Sem dúvidas o árbitro se equivocou. Eles anularam um gol válido”, disse na coletiva depois do jogo inicial ante o Bologna. O Torino venceria nos minutos finais com Álex Berenguer indo à rede, caso o impedimento não fosse marcado. A arbitragem assinalou que Andrea Belotti estava em posição irregular, mas as imagens mostraram que o toque para o atacante foi dado pelo adversário Mattia Destro, e não pelo companheiro Tomás Rincón.

Não parou por aí. O técnico granata declarou que o árbitro errou duas vezes. O segundo erro: a marcação do impedimento. Ele não pode usar o vídeo porque só é permitido em jogadas que têm o fim de uma ação. Assinalar o fora-de-jogo, certo ou errado, negou a vitória e qualquer possibilidade de reclamação legítima ao Toro no Renato Dall’Ara. Aqui, um detalhe: esta foi a única partida que teve problemas técnicos no VAR; o jogo teve o pontapé inicial atrasado em alguns minutos.

O técnico da Juventus, Massimiliano Allegri, afirmou que “precisam de paciência com o VAR, pois existe a necessidade de se adaptar”. Talvez, contudo, a melhor definição desse pequeno período de experiência do vídeo seja a do treinador do Crotone, Davide Nicola.

“Gosto do VAR. Hoje foi contra a gente, amanhã poderia nos ajudar. Se bem utilizado, ajuda a aceitar as decisões da arbitragem”.

Acertar é que é o problema. Pois a imagem de auxílio tem sido a estrela do campeonato até o momento, sobretudo por ser aquele brinquedo todo brilhante e cheio de botões que a criança ganha no Natal. A maioria dos casos foram finalizados de forma positiva, com o VAR realmente ajudando a julgar corretamente. A pequena parcela de erros preocupa pela falta de senso das leis escritas ou por incompetência mesmo.

Fabio Maresca confere TV antes de marcar pênalti na abertura da Serie A (Foto: Image Photo Agency)

Comece pelo Crotone, que teve o zagueiro Federico Ceccherini expulso contra o Milan depois que o árbitro conferiu o tira-teima. Ele viu o cartão amarelo no pênalti que cometeu em Patrick Cutrone, mas Mariani achou que o defensor interrompeu uma jogada clara de gol: vermelho aos 4 minutos da etapa inicial. A Juventus? Na abertura da Serie A, o juiz pediu ajuda do VAR para marcar corretamente o contato faltoso de Alex Sandro em Duje Cop na área. Na rodada seguinte, o bônus depois do ônus: o vídeo foi usado para dar um penal ao bianconero: mão de Darko Lazovic no chute de Mario Mandzukic. Todos os lances nos quais o VAR foi usado estão no fim do texto.

“Estou satisfeito com o VAR, mesmo se precisarmos melhorá-lo para ser mais responsivo”

Carlo Tavecchio, presidente da Federação Italiana.

Argumentam a falta de critério para chamar o VAR. Ora quaisquer situações são revistas, ora nenhuma. Houve um pênalti de Leonardo Bonucci cuja avaliação por vídeo sequer foi cogitada pela arbitragem. Os jogadores e torcedores do Cagliari reclamaram do não-uso do artifício para verificar se Paulo Dybala tinha dominado a bola com o braço no lance de mais um gol da Juve. Daniele De Rossi conversou com Massimiliano Irrati, responsável por Inter-Roma, indagando-o por qual razão não revisou o choque de Diego Perotti com Milan Skriniar. O árbitro disse que nada houve – e as imagens mostraram que o eslovaco nem tocou na bola, derrubando o atacante giallorosso. “Não entendo porque aqueles que estão nos monitores não viram. Não tenho muita fé no VAR depois disso”, disse Perotti.

Outro exemplo que envolveu a Inter. Contra a Fiorentina, Giovanni Simeone foi derrubado por Miranda na área. Seguiu, pois Paolo Tagliavento não teve questionamento. “Creio que, vendo as imagens, houve falta de Miranda”, falou o técnico viola, Stefano Pioli. O atacante reclamou do lance e Giancarlo Antognoni, diretor do time, disse que o árbitro faltou com respeito por não revisar o lance. Em duas rodadas, teve até um pênalti marcado quando o jogador que atacava estava em posição irregular – exatamente a mesma coisa que aconteceu há nove meses, no debute oficial do vídeo, no Mundial de Clubes de 2016.

O tempo que o jogo fica parado é outra reclamação dos contrários à ideia da moviola em campo. Em Juve-Cagliari, foram 97 segundos de pausa; no Inter-Fiorentina, durou ainda mais. Isolados, os lances parecem muito. Só que eles são diluídos entre as dez partidas de cada rodada. O VAR será utilizado mais vezes num jogo que outro – vide a diferença de Sassuolo-Genoa (o menor percentual de tempo efetivo de jogo da rodada de abertura, com 43,8%) e Bologna-Torino (63%). Os dados do Opta mostram que os minutos de bola rolando subiram 14s em comparação com o compilado de 2016-17, que já tinha sido maior que 2015-16. Por outro lado, isso se deve em parte aos minutos acrescidos além do tempo regulamentar: já houve acréscimos de oito e nove minutos em partidas das primeiras rodadas.

Desta bronca, especificamente, Bonucci tem razão: “quero transparência máxima; e o público no estádio precisa acompanhar as imagens pelo telão”. Como acontece no rúgbi, futebol americano, basquete, tênis… O intervalo para verificar um lance precisa ser usado a favor, também, de quem paga para estar ali. Elas têm o direito de assistir ao tira-teima enquanto o árbitro toma a decisão – desacredito que esse recurso descartaria o fator de inquietude da torcida tal qual visto na Holanda, em Feyenoord-Vitesse, quando o juiz anulou gol dos mandantes para assinalar pênalti ao time rival.

Estamos ainda num estágio inicial. Precisamos de óleo nos mecanismos. Um dos objetivos da tecnologia – e talvez o mais importante – é trazer de volta um ambiente mais relaxado e favorável às famílias. Se o VAR contribuir para essa mudança de cultura, estaremos no caminho certo

Nicola Rizzoli, designador de árbitros da Serie A.

A Federação, representada por Tavecchio e Roberto Rosetti (este último responsável por implementar o recurso na Itália), está paciente para que os resultados do tira-teima sejam vistos no futuro. “Para fazer do jeito certo”, declarou o ex-árbitro. Só que é ela mesma quem precisa oferecer todas as ferramentas para os árbitros terem a capacidade de diminuir erros fatais nas partidas. De certa forma, dando uma justiça maior ao esporte. Impossível dar a chave de um Bugatti na mão de alguém que não sabe dirigir.

E fiquem tranquilos quanto à Domenica Sportiva ou aos papos de bar. Os torcedores ainda terão o que discutir enquanto tomam uma Croce di Malto, Garbagnina, Castello ou Moretti.


1ª rodada

Juventus-Cagliari, árbitro: Fabio Maresca
Pênalti de Sandro em Cop (assinalado); não foi usado no gol de Dybala

Inter x Fiorentina, Paolo Tagliavento
Pênalti de Miranda em Simeone (não assinalado); pênalti de Astori em Icardi (assinalado)

Crotone x Milan, Maurizio Mariani
Pênalti de Ceccherini em Cutrone (assinalado + expulsão)

Bologna x Torino, Davide Massa
Gol anulado de Berenguer pelo impedimento mal marcado de Belotti

Verona x Napoli, Michael Fabbri
Validando gol contra de Souprayen

Sampdoria x Benevento, Fabrizio Pasqua
Validando gol de Quagliarella

2ª rodada

Spal x Udinese, Paolo Valeri
Validando gol de Borriello

Benevento x Bologna, Gianpaolo Cavarese
Invalidando gol de Lucioni por impedimento de Cataldi

Genoa x Juventus, Luca Banti
Assinalando pênaltis de Rugani e Lazovic

Torino x Sassuolo, Paolo Mazzoleni
Invalidando pênaltis de Cannavaro e Ragusa

Milan x Cagliari, Luca Pairetto
Anulando gol de Kessié

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