Jogadores provenientes da Dinamarca construíram uma importante história no futebol italiano. Claro, nem todos foram protagonistas como os irmãos Michael e Brian Laudrup, o cavallo pazzo Preben Elkjaer ou o artilheiro John Hansen. Nenhum deles, no entanto, foi tão longevo quanto Martin Jorgensen, que tem seu nome escrito nas páginas do esporte local com muito suor e carisma. Afinal, “Martino” é o dinamarquês que mais atuou na Serie A, competição que disputou por 13 anos e pela qual, com as camisas de Udinese e Fiorentina, participou de 337 partidas. Jorgensen é, também, um dos 20 estrangeiros com mais aparições no campeonato.
Lateral, volante, meia, pela direita ou pela esquerda, seja como for, Jorgensen sempre esteve à disposição de Alberto Zaccheroni, Francesco Guidolin, Gigi De Canio, Luciano Spalletti e Cesare Prandelli, treinadores com quem trabalhou de forma mais duradoura, em sua longa passagem pela Itália. O versátil dinamarquês também se tornou uma figura de carisma e liderança nos dois clubes que defendeu. Principalmente na Fiorentina, já que era um dos jogadores favoritos da torcida e chegou a usar a braçadeira de capitão.
Martin cresceu nos arredores de Aarhus e foi justamente pelo clube da cidade, o AGF, que apareceu para o futebol. Eleito o melhor jogador sub-21 do país em 1996 e dono também do recorde de maior número de partidas pela seleção da categoria, Jorgensen se mudou para a Itália um ano depois. Na Udinese, encontrou o compatriota Thomas Helveg e apesar de não ter sido titular de imediato, contribuiu para a grande temporada do time de Zaccheroni. A equipe friulana terminou a Serie A 1997-98 na terceira posição, o que consagrou Oliver Bierhoff e o 3-4-3 do treinador.
Nas formações com três zagueiros, que tanto se popularizaram no clube do milionário Giampaolo Pozzo, Jorgensen cumpriu diversas funções no meio-campo e também foi escalado algumas vezes no ataque, atuando como ponta. Sempre manteve o status de titular. Ao mesmo tempo em que começava a aparecer pela Udinese, Martino recebeu a primeira convocação para a seleção principal. Peça versátil, ele chegou à Dinamáquina em 1998 para nunca mais sair do time: na Copa do Mundo daquele ano, Jorgensen participou de todas as partidas da equipe, que só parou nas quartas de final frente ao Brasil. Neste jogo, inclusive, ele marcou um gol.
Em 2000, Jorgensen passou a ser treinado na seleção por Morten Olsen, que teve muita importância para o seu crescimento – assim como para vários jogadores de sua geração. Nesse mesmo período, Martino viveu sua temporada mais prolífica pela Udinese: em 1999-2000, marcou sete gols em 30 partidas. No início da campanha seguinte, conquistou seu único título na Itália – a Copa Intertoto. Um ano depois passou a usar a camisa 10, que já ostentava na Dinamáquina, também em Údine.
As últimas duas temporadas do dinamarquês na Udinese foram sob o comando de Spalletti, com quem passou a jogar mais adiantado. Aquele time era habitué da Copa Uefa e contava com nomes como Morgan De Sanctis, Roberto Sensini, Pet Kroldrup, Andrea Sottil, Alberto, Marek Jankulovski, Giampiero Pinzi, David Pizarro, Sulley Muntari, Roberto Muzzi e Vincenzo Iaquinta. Depois de sete anos em Údine, se transferiu para a Fiorentina, que tinha retornado para a Serie A depois de ter sido refundada dois anos antes.
Jorgensen foi uma das principais aquisições do clube, que também trouxe Dario Dainelli, Giorgio Chiellini, Hidetoshi Nakata, Fabrizio Miccoli, Enzo Maresca e Tomas Ujfalusi, além de Marco Donadel, Giampaolo Pazzini e Valeri Bojinov no inverno. Apesar disso, o desempenho em campo não foi bom e Emiliano Mondonico – treinador que tinha subido com a equipe da Serie B – foi substituído por Renato Buso, que também não durou o restante do ano. Dessa forma, o experiente Dino Zoff foi chamado para garantir a salvezza, que só foi assegurada na última rodada, quando Martin marcou um dos gols da vitória por 3 a 0 sobre o Brescia.
Esse gol mudou tudo para o dinamarquês, que passou a ser adorado pela torcida viola, famosa pelo carinho com seus jogadores. A temporada seguinte viu as chegadas fundamentais do dirigente Pantaleo Corvino e do treinador Prandelli, que aproveitaria ainda mais as qualidades de Martin. Mais do que um jogador versátil, o meio-campista também era reconhecido pelo sacrifício pela equipe e pela técnica com a bola, especialmente nos cruzamentos.
Ao lado dos jovens Riccardo Montolivo e Mario Santana, além dos consagrados Fabio Liverani e Stefano Fiore – este último, ex-companheiro de Udinese –, Jorgensen conseguiu seu espaço jogando principalmente pela esquerda, atuando na primeira ou na segunda linha do meio-campo de Prandelli, que variava entre os esquemas 4-3-1-2, 4-3-2-1 e 4-2-3-1. Além de ajudar Luca Toni a se sagrar artilheiro da Serie A, Martin também marcou seus gols (sete), surgindo para completar as jogadas ou aproveitar rebotes na segunda trave.
A equipe viola terminou o campeonato com 74 pontos, na quarta posição, mas o clube acabou envolvido no escândalo Calciopoli e foi punido com a perda de 30 pontos na competição, o que lhe desclassificou da Liga dos Campeões. A vaga só seria conquistada novamente em 2008, mas antes o time de Prandelli teve grande desempenho na Copa Uefa: em 2007-08, parou apenas para o Rangers nas semifinais.
Com o 4-2-3-1 de Prandelli mais consolidado, Jorgensen, Santana, Pazzini, Adrian Mutu, Franco Semioli e Christian Vieri se revezavam no quarteto ofensivo. No entanto, os problemas físicos do capitão Dainelli levaram o checo Ujfalusi ao lugar do italiano na zaga, ao lado de Alessandro Gamberini, e fizeram Martin ser recuado para a lateral direita. Além de ter ido longe da Copa Uefa, a equipe repetiu a quarta posição na Serie A e teve um gostinho especial: encerrou um jejum de 20 anos sem vitórias sobre a rival Juventus em Turim. Jorgensen participou ativamente daquela histórica vitória por 3 a 2.
A nova temporada trouxe outro ambiente para o clube, que contratou Stevan Jovetic e Alberto Gilardino para o ataque, além de Luciano Zauri, Felipe Melo e Juan Vargas para os demais setores. Nesse período, Jorgensen viveu um drama pessoal, causado por uma gripe. O vírus se intensificou e lhe causou cefaleia e inchaço nas meninges, o que o deixou fora dos gramados por alguns meses. Quando voltou a treinar mais forte, sofreu com problemas musculares e sua participação foi ainda mais reduzida – apenas 13 jogos.
De qualquer forma, o dinamarquês conseguiu contribuir para a grande temporada do clube em 2008-09. Nesta campanha, a Fiorentina avançou até as oitavas de final da Liga dos Campeões e foi eliminada pelo Bayern de Munique em um duelo com grotesco e decisivo erro de arbitragem. Martino ainda marcou um dos gols mais importantes daquele período para a Fiorentina. O único tentou do meia naquela campanha aconteceu nos acréscimos de uma partida contra o Lecce na penúltima rodada da Serie A, e valeu à viola um empate e mais uma a vaga na Champions.
Na temporada seguinte, apesar de ter assumido a braçadeira de capitão na ausência de Dainelli, Jorgensen passou a jogar menos. Enquanto os recém-contratados Lorenzo De Silvestri e Marco Marchionni assumiram o flanco direito, o quarteto Manuel Pasqual, Massimo Gobbi, Juan Vargas e Mario Santana seguiu dominando a esquerda. Mas o tempo menor em campo não afetou seu poder de decisão. Martino marcou outro gol importante para o clube, seu único naquela temporada: o gol de empate contra o Liverpool, em Anfield, assegurou a liderança viola no Grupo E da LC, na frente de Lyon e dos próprios Reds.
Embora estivesse mais do que ambientado em Florença, Jorgensen tinha ambições pessoais, que o pouco tempo em campo poderia comprometer. Visando um lugar na Copa do Mundo de 2010, o meia pediu para sair em janeiro de 2010 e ganhou uma calorosa despedida no Artemio Franchi. Aos 34 anos, retornou para o seu clube formador, o AGF Aarhus. Por lá, teve a oportunidade de encerrar a carreira jogando regularmente, trabalhando também como assistente e ajudando as categorias de base do clube.
No mesmo ano, depois da participação no Mundial da África do Sul, teve a oportunidade de ser chamado novamente para a seleção, mesmo depois de ter anunciado a aposentadoria. Martino superou as 100 partidas pela Dinamáquina e, com 102, igualou o mestre Olsen como o sexto jogador com mais presenças pela equipe nacional.
Jorgensen e o seu tutor voltaram a estabelecer parceria em 2015, quando o ex-jogador foi contratado como assistente técnico da seleção principal, cargo que ocupou até 2016. Martino deixou o posto quando Morten Olsen se aposentou, depois de 15 anos no comando da Dinamarca. Atualmente, além de seguir contribuindo para as categorias de base do AGF, Jorgensen também ajuda Corvino na observação de novos talentos para a Fiorentina na Escandinávia. O mais recente deles foi o volante Christian Norgaard, de 24 anos, contratado neste verão junto ao Brondby.
Sempre carismático, Martin Jorgensen chamou atenção alguns anos atrás quando a Fiorentina foi até a Dinamarca enfrentar o Esbjerg. O ex-jogador foi ao aeroporto buscar a equipe, dirigindo um ônibus – sua família tem uma empresa de transporte tradicional no país. Isto não foi exatamente uma novidade, já que em 1999, depois de uma partida contra a Itália em Nápoles, Martino ajudou o motorista do ônibus de sua seleção para sair do estacionamento do estádio San Paolo. Quer prova mais contundente de sua polivalência?
Lars Martin Jorgensen
Nascimento: 6 de outubro de 1975, em Aarhus, Dinamarca
Posição: meio-campista
Clubes: AGF (1994-97 e 2010-14), Udinese (1997-2004) e Fiorentina (2004-10)
Títulos: Copa da Dinamarca (1996) e Copa Intertoto (2000)
Seleção dinamarquesa: 102 partidas e 12 gols