Jogadores Técnicos

Amedeo Amadei, o primeiro da linhagem dos novos ‘reis de Roma’

Enquanto o planeta vivia a tensão da II Guerra Mundial, a Itália descobria o talento de um atacante que viria ser um ícone do futebol nacional e um dos maiores jogadores da história da Roma: Amedeo Amadei. Até hoje, ele é o mais jovem jogador a ter estreado e marcado um gol na Serie A.

Com apenas 14 anos, o jovem nascido em Frascati, cidade localizada nas redondezas da capital, foi fiel ao estereótipo atrelado a gente da sua idade e cometeu um ato de rebeldia. Amedeo contrariou os planos dos pais e, escondido, foi tentar sua sorte no futebol: foi aprovado em um teste na Roma, equipe fundada apenas oito anos antes. Apesar do sonho de se tornar um futebolista profissional, seu primeiro objetivo no esporte era ajudar sua família, que tirava seu sustento através da produção caseira de pães.

Após alguns meses nas divisões de base da Roma, Amedeo Amadei entraria em campo para fazer seu primeiro jogo com a camisa giallorossa em 2 de maio de 1937, num duelo contra a Fiorentina. Na época, pouca gente deu atenção ao fato, mas até hoje Amadei é o mais jovem estreante na Serie A, com 15 anos e 280 dias – feito igualado apenas em 2017 por Pietro Pellegri, do Genoa. Uma semana depois, anotou seu primeiro gol, em uma derrota por 5 a 1 para a Lucchese, e se tornou o jogador mais novo a marcar na Serie A – marca jamais alcançada. Mesmo com a pouca idade, Amadei fez dez participações e anotou duas vezes em seu primeiro biênio na capital.

No início da temporada 1938-39, Amadei foi envolvido na negociação que resultou na chegada de Giuseppe Bonomi à Roma. Então utilizado como atacante pelo lado direito, o jovem foi cedido por empréstimo à Atalanta, que disputava a Serie B. Jogar no time bergamasco representou muito para o atacante, que emendou suas primeiras partidas em sequência: em 33 jogos pelos nerazzurri, foram quatro gols anotados, que lhe valeram o retorno à Roma. Em sua segunda chance na capital, Amadei mudaria o time romanista de patamar.

Enquanto atuava pela Roma, o atacante rivalizou com Mazzola (à esq.) pelo posto de melhor atacante do país (LaPresse)

Na temporada 1939-40, Amadei atuou com continuidade pela Roma, mas não conseguiu se destacar muito. A chegada do húngaro Alfréd Schaffer ao comando da equipe, ao fim daquele campeonato, foi fundamental para potencializar o futebol do jovem: o treinador foi o responsável por tirá-lo do lado direito e fixá-lo no comando de ataque.

O resultado foi imediato e Amadei anotou 24 gols (18 apenas na Serie A) logo em sua primeira experiência como definidor – mais do que já havia marcado em seus quatro anos como profissional. O time não foi além da 11ª temporada em 1940-41 e sofreu uma tremenda decepção ao perder para o Venezia na final da Coppa Italia, mas havia construído uma base sólida e que viria a dar muitas alegrias para os torcedores na temporada seguinte.

Com outros 18 gols na Serie A, Amadei foi responsável por comandar a Roma na campanha de seu primeiro título italiano. O atacante fez um tridente ofensivo muito forte, ao lado do argentino Miguel Ángel Pantó e do albanês Naim Krieziu, e se tornou o primeiro grande ídolo romanista, ganhando o status de “oitavo Rei de Roma”. Afinal, foi uma temporada mágica para os romanos, que conseguiram superar a força das equipes do norte do país e finalmente alcançaram o topo, após dois vice-campeonatos nos anos 1930.

Antes da glória, porém, Amadei viveu um grande drama na carreira. Durante uma partida da Coppa Italia contra o Torino, uma briga que envolveu as duas equipes acabou fazendo o atacante ser banido do esporte. Amadei foi acusado de dar um chute num dos bandeirinhas, mas dias depois, a suspensão caiu por terra: Vittorio Dagianti, seu companheiro de equipe, confessou ter sido o autor do gesto durante um almoço. Os dois acabaram sendo absolvidos.

Com a camisa da Inter, Amadei comemorou uma tripletta no dérbi contra o Milan (Il Posticipo)

Durante seus anos como jogador, Amadei ficou conhecido também como Il Fornaretto, já que exerceu a função de operador de forno na pequena padaria da família. O craque, inclusive, ajudou os pais a reconstruirem seu negócio, destruído pelos bombardeios da II Guerra Mundial, que batia às portas de Roma. Por causa do conflito, inclusive, o campeonato foi paralisado entre 1943 e 1945.

Amedeo ainda jogaria outras três temporadas com a camisa giallorossa, mas acabou negociado, já que a Roma sofreu uma severa crise econômica no pós-guerra. A Juventus e o Torino fizeram propostas pelo atacante (o Toro, por exemplo, ofereceu uma troca por duas de suas estrelas, os atacantes Romeo Menti e Guglielmo Gabetto), mas a Inter superou a dupla de Turim e conseguiu levar Amadei para Milão, em 1948. Assim, o jogador terminaria sua passagem pela Cidade Eterna com 234 aparições e 111 gols marcados, mas com a Roma ainda em seu coração.

Na chegada à Inter e, posteriormente ao Napoli, Amadei foi bem claro ao assinar o contrato, dizendo que jamais jogaria contra a Roma, mesmo que fosse um jogo decisivo para o scudetto – eventualmente ele acabou enfrentando sua antiga equipe, mas fez uma partida muito discreta, já que estava emocionado. O atacante passou duas temporadas na Lombardia e alcançou uma boa média de gols: 42 em 70 jogos. Com os 22 anotados em 1948-49, o italiano foi vice-artilheiro da Serie A.

Três deles foram marcados no dérbi contra o Milan que teve o maior número de redes balançadas em toda a história: 11. A partida, lembrada como uma das maiores de todos os tempos no clássico, estava sendo vencida pelos rossoneri por 4 a 1 ainda no primeiro tempo, quando Amadei diminuiu. Ao lado de dois outros jogadores históricos da Inter, os atacantes Benito Lorenzi e István Nyers, Il Fornaretto conduziu a Beneamata a uma virada impressionante: foram de Amadei o gol do empate em 4 a 4 e o que definiu a vitória interista por 6 a 5.

Amadei conversa com Boniperti, outro grande jogador italiano da primeira metade do século XX (Getty)

Após a passagem positiva por Milão, Amadei se transferiu ao sul da Bota, para jogar pelo Napoli, que voltava à elite em 1950, após ser campeã da Serie B. O atacante de Frascati chegou à Campânia com 29 anos e disputou seis temporadas pelos partenopei: em quase todas, com exceção da última, seus números expressivos ajudaram a consolidar os napolitanos no topo da tabela. Neste período, os azzurri conquistaram três sextos lugares, além de uma quinta e uma quarta colocações.

Amadei foi o artilheiro da equipe em suas duas primeiras temporadas em Nápoles, 1950-51 e 1951-52. No entanto, as melhores atuações aconteceram em 1952-53, quando ele marcou somente sete gols, mas fez um eficiente trio de ataque ao lado dos recém-contratados Hasse Jeppson e Bruno Pesaola. Como capitão da equipe, Amedeo ajudou o Napoli a alcançar a quarta posição na Serie A, apenas seis pontos atrás da campeã, a Inter.

Apesar de ter sido um grande jogador e ter tido números expressivos em toda sua carreira, Amadei teve poucas chances na seleção italiana por ter sido contemporâneo de uma das grandes gerações de futebol do país, a do Grande Torino, que contava com Valentino Mazzola. Antes da tragédia de Superga, que acometeu o time do qual poderia ter feito parte, Amedeo tinha sido convocado apenas para um amistoso contra a Espanha, em 1949.

O acidente aéreo que vitimou a base da Nazionale obrigou a Itália a renovar a seleção e, com isso, Amadei recebeu novos chamados para vestir a camisa azul. O atacante acabou fazendo parte da equipe que fracassou no Mundial de 1950 no Brasil e, no total, realizou apenas 13 jogos com a Squadra Azzurra, com sete gols anotados entre 1949 e 1953. A penúltima participação apenas comprovou sua idolatria, especialmente na capital: após o gol que decretou o empate em um amistoso contra a Inglaterra, em 1952, representantes da Democracia Cristã convenceram-no a se candidatar às eleições de Roma. Amadei acabou sendo o segundo mais votado, com 18 mil votos.

Os capitães Amadei e Giovannini recepcionam a atriz Ava Gardner antes de um Lazio-Napoli, em 1954 (Luce)

Além da política, o cinema também fez parte da vida de Amadei enquanto ele ainda era jogador profissional. Em 1950, o atacante participou do filme “Onze homens e uma bola” e no ano seguinte também faria parte do filme “Totò e os reis de Roma”, junto do icônico humorista napolitano. Totò, aliás, foi o primeiro a colocar Amadei no panteão dos grandes jogadores romanistas, chamando-o de oitavo Rei de Roma. Não foi por acaso que, em 1954, Amadei foi um dos responsáveis por recepcionar Ava Gardner, estrela de Hollywood que fazia turnê pela Itália.

Mesmo com tantos afazeres extrafutebolísticos, Amadei só pendurou as chuteiras durante a temporada 1955-56, com quase 35 anos. Antes mesmo de o campeonato terminar terminar, ele deixou os gramados para ser treinador do Napoli, graças à demissão de Eraldo Monzeglio. Apesar dos problemas com o presidente Achile Lauro, Amadei ficou cinco temporadas à frente dos azzurri, conquistando inclusive o prêmio de melhor treinador em 1958-59. Depois, o ex-atacante ainda treinaria a Lucchese e o Frosinone, antes de assumir a seleção feminina da Itália, que comandou durante seis anos.

Amadei viria a falecer em 2013, com 92 anos, meses depois de ter sido escolhido pela Roma como um dos 11 jogadores que inauguraram o Hall da Fama do clube. Nada mais justo que homenagear desta forma um dos maiores goleadores de todos os tempos e o primeiro “oitavo Rei de Roma”, que deu início a uma dinastia à qual pertencem também Paulo Roberto Falcão e Francesco Totti.

Amedeo Amadei
Nascimento: 26 de julho de 1921, em Frascati, Itália
Morte: 24 de novembro de 2013, em Grottaferrata, Itália
Posição: atacante
Clubes como jogador: Roma (1936-48), Atalanta (1938-39), Inter (1948-50) e Napoli (1950-56)
Títulos conquistados: Serie A (1942)
Carreira como treinador: Napoli (1956-61), Lucchese (1963), Frosinone (1966-67) e Seleção Italiana Feminina (1972-78)
Seleção italiana: 13 jogos e 7 gols

Compartilhe!

Deixe um comentário