O final da década de 1940 marcou a história futebolística da litorânea Viareggio: em 1949, a cidade passou a sediar aquele que seria um dos torneios de categoria de base mais reconhecidos de todo o mundo. Pouco menos de um ano antes, também havia sido berço de Marcello Romeo Lippi, um dos técnicos mais vitoriosos (e polêmicos) da história do futebol no país.
Como jogador, cumpriu uma década de boas apresentações como líbero na Sampdoria, entre 1970 e 1979. Como treinador, iniciou nos juvenis da própria Samp antes de ter sua primeira experiência como comandante profissional no modesto Pontedera. Na Serie C2 de 1985-86, auxiliou o clube granata a alcançar uma inesperada sexta posição.
Em 1989, estreou na Serie A com o Cesena e evitou o rebaixamento que era tido como inevitável. Pouco antes do fim da temporada 1990-91, acabou demitido, mas já tinha deixado seu rastro na primeira divisão, para a qual voltou já no comando da Atalanta de Ganz e Rambaudi, em 1992-93, numa ótima campanha que só por um ponto não foi premiada com classificação para a Copa Uefa. De lá, foi para o Napoli, onde revelou Cannavaro, que depois seria seu fiel escudeiro. Também durou um ano na Campânia: começaria, então, o casamento entre Lippi e Juventus.
No início da temporada 1994-95, a Juve sofria com problemas internos e trocas de dirigentes, o que fez alguns bons jogadores da temporada anterior, como Möller, Dino Baggio e Júlio César, deixarem o clube por razões financeiras. Um título italiano era inesperado, mas Lippi fez o improvável e ajudou a devolver o scudetto a Turim, depois de nove anos. Nos quatro anos seguintes, ainda atingiu o feito mais duas vezes, além de vencer uma Liga dos Campeões, construindo em torno de si um time fantástico, com Peruzzi, Ferrara, Ravanelli e, principalmente, Vialli.
Mas os problemas de Lippi em Turim começaram em 1998 com um início de campeonato claudicante. Com críticas pesadas a seu trabalho, o técnico pediu demissão depois de perder por 4 a 2 para o Parma em casa e não demorou a parar na Inter de Massimo Moratti, uma equipe em interminável crise de identidade e que há tanto tempo o desejava. Durou pouco mais de uma temporada em Milão. Na verdade, uma temporada e mais três jogos.
Lippi não conseguiu resolver os problemas de vestiário e muito menos os conflitos entre os próprios dirigentes nerazzurri. Cada vez mais ilhado no comando de um elenco que preferia Roberto Baggio a ele, e com um pedido de demissão recusado um mês antes, o técnico acabou mesmo demitido depois de uma queda humilhante nas preliminares da Liga dos Campeões para o Helsingborg, além de uma derrota para a Reggina de Taibi e Mozart na estreia da Serie A.
Depois de um ano sabático, retornou à Juve e venceu o scudetto por mais duas vezes, o primeiro deles logo na reestreia, em 2001-02, tirando a Inter da liderança na última rodada. Além de ter alcançado outra final de Liga dos Campeões e sofrido a terceira derrota de sua carreira nesse ponto da competição, agora para o Milan, nos pênaltis.
Os ótimos resultados no clube o levaram à seleção italiana depois da desilusão na Eurocopa com Trapattoni. Desde então, apostou na figura do grupo que tanto venerou – até por mais tempo do que deveria. Com dois anos de trabalho duro e exclusão dos jogadores com os quais tinha problemas pessoais, como um Panucci em grande fase na Roma, montou uma equipe bastante coesa que entrou mordida para conquistar a Copa de 2006. Cannavaro, comandado nos tempos de Napoli e Juventus, foi o capitão e melhor jogador do torneio.
Mas seu milagre virou sua cruz. Lippi deixou o comando azzurro poucas horas depois da conquista, mas retornou logo depois da demissão de Roberto Donadoni, após a eliminação traumática na Euro 2008. Sem conseguir dar algum formato ao time, o técnico toscano manteve seus ideais.
Lippi pregava lealdade cega a seus campeões e ainda distribuiu convocações inexplicáveis, como quase uma dezena de jogadores da pior Juventus das últimas décadas, entre eles Legrottaglie, Grosso e Camoranesi. Um zagueiro reserva, um lateral-esquerdo que decepciona há quatro anos e um meia veterano que passou metade da temporada no departamento médico.
E ainda havia Gattuso, volante do Milan em más condições físicas que acabou totalmente ofuscado por Ambrosini – que não teve qualquer chance. Ou ainda pode-se falar das exclusões de Cassano e Miccoli. Se o torcedor brasileiro pensa que tem um técnico cabeça dura, que abraçasse algum italiano antes da Copa de 2010. Ou depois, já que a Nazionale protagonizou um grande vexame ao, na condição de detentora do título anterior, ser eliminada na fase de grupos, numa chave com Paraguai, Eslováquia e Nova Zelândia.
Dono de três prêmios Panchina d’Oro (1995, 1996 e um especial, dado em 2006) e de outros tantos de melhor técnico pela Associação Italiana de Jogadores – AIC (1997, 1998 e 2003), além de vários troféus importantes, como o da Copa do Mundo e o da Champions League, Lippi se via no pior momento da carreira. Não tinha mais espaço no mais alto nível do futebol e nem voltaria a ter.
Lippi ficou quase dois anos parado. Somente em maio de 2012, voltou a ser empregado: firmou com o Guanghzou Evergrande, da endinheirada Super League Chinesa e, assim, tornou a dirigir um time após oito temporadas. Em tempos de grandes investimentos estatais no futebol da potência asiática, fez os alvirrubros faturarem um tri nacional, uma copa local e ainda faturou a Liga dos Campeões da AFC. O italiano ocupou o cargo e treinador até 2014, assumindo o posto de diretor técnico de imediato – seu pupilo Cannavaro passou a ser o comandante em campo.
Em 2016, Lippi teve seu nome ventilado na FIGC como possível diretor técnico da seleção italiana, mas o fato de Davide, seu filho, ser empresário de jogadores era um entrave intransponível. No mesmo ano, o veterano se tornou treinador da China, mas não foi muito bem: não levou os dragões ao Mundial de 2018 e alcançou apenas as quartas da Copa da Ásia, em 2019. Em seguida, passou a ocupar um cargo de conselheiro na federação chinesa, dando lugar ao interino Cannavaro na equipe nacional e voltando a dirigi-la por alguns meses, entre maio e novembro.
O Lippi vencedor e que marcara época no futebol não existia mais, definitivamente – e havia pelo menos uma década. O veterano deu o braço a torcer apenas em outubro de 2020, quando, naquele outubro, aos 72 anos, anunciou a sua aposentadoria. Já era mesmo melhor ficar apenas com as lembranças de outrora.
Marcello Romeo Lippi
Nascimento: 11 de abril de 1948, em Viareggio, Itália
Posição: zagueiro
Clubes como jogador: Savona (1969-70), Sampdoria (1970-80), Pistoiese (1979-81) e Lucchese (1981-82)
Carreira como técnico: Pontedera (1985-86), Siena (1986-87), Pistoiese (1987-88), Carrarese (1988-89), Cesena (1989-91), Lucchese (1991-92), Atalanta (1992-93), Napoli (1993-94), Juventus (1994-99 e 2001-04), Inter (1999-2000), Itália (2004-06 e 2008-10), Guangzhou Evergrande (2012-15) e China (2016-19 e 2019)
Títulos: Serie A (1995, 1997, 1998, 2002 e 2003), Coppa Italia (1995), Supercopa Italiana (1995, 1997, 2002 e 2003), Liga dos Campeões (1996), Supercopa Uefa (1996), Mundial de Clubes (1996), Copa do Mundo (2006), Copa da China (2012), Super League Chinesa (2012, 2013 e 2014) e Liga dos Campeões da AFC (2013)
[…] atípicos para um jogador tão jovem. Logo nas duas primeiras temporadas na Juve, sob o comando de Marcello Lippi, levantou duas Serie A – uma delas na última rodada, em ultrapassagem clamorosa sobre a Inter […]