Jogos históricos

Avassalador, o Milan ‘se vingou’ do Boca Juniors e faturou seu quarto Mundial, em 2007

O Mundial de Clubes de 2007 foi a quarta edição da competição desde que ela passou a ser organizada pela Fifa, a entidade máxima do futebol. Pode até parecer loucura para os mais novos, que passaram a acompanhá-la a partir de meados da década de 2010, mas o seu início foi animador para os sul-americanos, que dominaram completamente os três primeiros torneios. Coube ao Milan mudar esta sina.

O time italiano viajou ao Japão, em dezembro de 2007, com a expectativa de quebrar a sequência dos sul-americanos e de se tornar o primeiro europeu a vencer o novo torneio da Fifa. Mais: o Milan também tinha a intenção de dar o troco no Boca Juniors, que quatro anos antes havia conquistado seu terceiro título global justamente sobre os rossoneri, ainda no antigo formato do Mundial de Clubes, pela extinta Copa Intercontinental.

Na edição de 2003, o Milan de Paolo Maldini e Andriy Shevchenko chegou a abrir o placar diante dos argentinos, mas sofreu o empate nos minutos seguintes, e, depois disso, se deparou com uma defesa impenetrável e um time que claramente desejava decidir a partida nas penalidades. Na ocasião, o Diavolo não conseguiu estragar a estratégia do Boca Juniors e perdeu o troféu na marca da cal.

Em 2007, esperava-se novamente uma partida como aquela. Não só pelo retrospecto entre os dois clubes, mas também pela escolha de estratégia do Boca Juniors, semelhante a que tiveram São Paulo e Internacional, os outros dois sul-americanos que haviam conseguido conquistar o mundo neste formato de disputa até aquela altura.

Após jogada de Kaká, Inzaghi abriu o placar contra o Boca Juniors (Getty)

Os antecedentes do Milan

Depois de perder para o Liverpool o título da Champions League 2004-05, caindo nos pênaltis após levar o empate em uma partida que chegou a vencer por 3 a 0, o Milan enfrentou meses de muita cobrança. Além da sofrida derrota em Istambul, os rossoneri não tiveram muito conforto na Serie A. Apesar de vices consecutivos, em torneios que terminariam com resultados alterados na justiça em virtude do escândalo Calciopoli, viram a Inter, sua maior adversária, passar a dominar o cenário nacional.

Já na Champions League, o clube conseguiu emplacar três semifinais em três anos de competição. Ficou com o vice-campeonato na já comentada edição de 2004-05; foi eliminado pelo Barcelona, em partidas extremamente equilibradas, em 2005-06; e, finalmente, conquistou sua sétima taça do torneio em 2006-07. O troféu deu ao Milan o posto de segundo maior campeão do certame e foi obtido em uma final contra o próprio Liverpool – o que deixou a vitória ainda mais especial, já que proporcionou aos torcedores rossoneri o sentimento de alma lavada. Assim, a equipe confirmou sua ida ao Japão no fim de 2007.

Os antecedentes do Boca Juniors

O time boquense, comandado por Miguel Ángel Russo, chegou ao Japão da maneira mais Boca Juniors possível. Os xeneizes acabaram passando pelas primeiras fases da Copa Libertadores com muito mais raça do que futebol. O desempenho foi muito inferior às expectativas, considerando o fato de que o Boca já havia disputado quatro finais da competição continental naquela década e que ainda era o campeão absoluto do Campeonato Argentino – vencido, na ocasião, sem necessidade de finalíssima, uma vez que triunfara nas duas etapas do torneio.

O excelente 2006 do Boca Juniors gerou a expectativa de que o time pudesse interromper a sequência de três anos sem títulos da Libertadores para os argentinos – em 2003, a própria equipe boquense havia sido campeã. Isso também acabou impulsionando o retorno de Juan Román Riquelme, um dos melhores jogadores do país na época e grande ídolo xeneize.

Com um balaço, Nesta anotou o segundo do Milan contra o Boca (Getty)

Emprestado pelo Villarreal, o histórico camisa 10 colecionou noites fantásticas em La Bombonera e em todo o continente, o que resultou no sexto título boquense. Craque da competição, Riquelme ainda marcou três gols nas finais contra o Grêmio, concluídas com um placar agregado de 5 a 0 para o Boca Juniors. Porém, por divergências burocráticas, o time argentino não conseguiu prorrogar a permanência de Román, que não participou do Mundial de Clubes no Japão – ele retornaria à agremiação azul e dourada somente em 2008.

No Japão, a responsabilidade de parar o campeão da Europa ficaria a cargo de outras estrelas, como Martín Palermo, Rodrigo Palacio e Éver Banega. Porém, o período de quase seis meses que se passou entre o hexa sul-americano e o início do Mundial de Clubes não foi nada bom para o time de Buenos Aires. O Boca enfrentou momentos de crise e muitas dificuldades no Campeonato Argentino, o que levou a diretoria e o estafe xeneize a blindarem o ambiente de críticas, às vésperas do embarque para a Ásia, para que o foco dos atletas permanecesse apenas em vencer a competição.

Os caminhos do Mundial

Abrilhantando o 2007 rossonero, Kaká foi alçado ao posto de melhor jogador do planeta. O prêmio da Fifa foi entregue ao brasileiro dias antes da chegada dos milanistas ao Japão. Além do craque, o Milan contava com nove campeões do mundo por suas seleções. Naturalmente, o clube italiano levou multidões aos estádios japoneses.

O representante europeu na competição começou enfrentando o Urawa Red Diamonds, vencedor da Liga dos Campeões Asiática, que bateu o Sepahan, do Irã, nas quartas de final. O time japonês contava com o brasileiro Washington, que surpreenderia as estrelas do futebol global e terminaria o Mundial como seu artilheiro, com três gols marcados. O Boca Juniors, por sua vez, pegou o vencedor da Liga dos Campeões Africana. O Étoile du Sahel, da Tunísia, chegava como a zebra do torneio, após eliminar o ótimo Pachuca, do México.

Melhor jogador do Mundial, Kaká infernizou a defesa argentina e marcou o terceiro tento do Milan (Getty)

As partidas de Milan e Boca Juniors nas semifinais foram duríssimas: os adversários surpreenderam os favoritos com atuações, no mínimo, inesperadas. Porém, as estrelas se sobressaíram e, em jogadas comandadas por Kaká e Palermo, Clarence Seedorf e Neri Cardozo, respectivamente, resolveram as pelejas pelo placar mínimo, colocando seus clubes na final do Mundial. O confronto entre italianos e argentinos ocorreria no Estádio Internacional de Yokohama, o mesmo palco da decisão da Copa de 2002, com cerca de 68 mil presentes.

O início avassalador

Contrariando o que todos esperavam, o Boca Juniors não se deixou levar pelo favoritismo do Milan e começou a partida buscando se igualar com os rossoneri. A atitude ofensiva da equipe argentina fez com que o confronto ficasse extremamente aberto nos primeiros 20 minutos, gerando chances interessantes para os sul-americanos, mas também muito espaço para os europeus atacarem.

Batendo de frente com a excelente defesa rossonera, o Boca rondava a área mas encontrava dificuldades em furar a última linha. Diante disso, a equipe argentina enxergou nos chutes de média e longa distância a sua melhor alternativa para superar a retaguarda italiana. Na fase inicial da partida, foram três finalizações xeneizes à baliza de Dida.

Já o Milan respondia às tentativas dos argentinos com a velocidade Kaká e as bolas enfiadas de Seedorf, que quebravam as linhas do Boca Juniors com certa facilidade. Apesar disso, o Diavolo teve ainda menos sucesso do que os sul-americanos nos remates.

No lugar certo e na hora certa, Pippo guardou uma doppietta no Japão (Getty)

O domínio rossonero

Após 20 intensos minutos, uma arrancada individual de Kaká terminou com uma finalização travada pela defesa do Boca. No entanto, a bola sobrou para o artilheiro Filippo Inzaghi, que concluiu para o gol aberto e inaugurou o placar para o Milan. Só que a festa pelo tento não durou nem 120 segundos: na jogada seguinte, os argentinos conseguiram um escanteio pelo lado esquerdo e Palacio aproveitou a falha de Daniele Bonera para empatar, renovando as esperanças dos xeneizes e jogando um balde de água fria na equipe italiana.

Mesmo após dois gols-relâmpagos, os times não pouparam intensidade e o restante da etapa inicial foi de muitas chances criadas, mas de insucesso nos arremates. No último lance do primeiro tempo, o Boca ainda balançou as redes, mas o tento foi anulado por impedimento.

No início da etapa complementar, o Milan finalmente conseguiu fazer valer a sua superioridade. Foram pelo menos 10 minutos de domínio italiano, com Kaká e Seedorf se sobressaindo nas jogadas de linha de fundo. Os argentinos, por sua vez, tiveram que recorrer a diversas faltas para impedir o segundo gol dos adversários. No entanto, em uma das escapadas, o camisa 10 holandês sofreu falta lateral no campo de ataque. Após a sobra do cruzamento de Andrea Pirlo para Massimo Ambrosini, o zagueiro Alessandro Nesta emendou um bonito chute, sem chances para o goleiro Mauricio Caranta, e desempatou o jogo.

A partir daí, o Milan finalmente teve o controle da partida. Num cenário em que a sua defesa pouco sofria e o seu ataque empilhava chances de perigo, o time treinado por Carlo Ancelotti começou a sofrer com o excesso de faltas sofridas. Os argentinos não viam outra solução para parar os rossoneri, e não hesitaram em cometer dezenas de intervenções na origem das jogadas do Diavolo.

Sob a batuta de Ancelotti, o Milan faturou seu quarto título mundial (Getty)

Kaká mostrou por que foi eleito Bola de Ouro naquela temporada

Sem dúvida alguma, o grande nome da final foi Kaká. O brasileiro bagunçou a defesa argentina ao ganhar quase todos os duelos individuais e escapar frequentemente em direção à linha de fundo, de modo a deixar seus companheiros em condições de marcar e comandando o time rossonero. E para coroar a noite de gala, aos 61 minutos, o camisa 22 anotou um gol seguindo este roteiro. Em contra-ataque, o brasileiro avançou em velocidade pelo lado esquerdo, gingou para cima de Jonatan Maidana e finalizou rasteiro, vencendo Caranta.

Com o Boca desesperado para tirar a vantagem do placar, mas sem grande sucesso no ataque, o Milan começou a controlar o jogo no campo de defesa e aproveitar os espaços deixados pelo time argentino – que, àquela altura, se desorganizava progressivamente. Com isso, não levou mais que 10 minutos para que Seedorf encontrasse novamente Kaká em condições de finalizar dentro da área. Mas, ao invés de arrematar, o brasileiro optou por ajeitar para Inzaghi, que estava sozinho. Novamente, o matador não desperdiçou.

Faltando 20 minutos para o fim, o campeão já estava praticamente definido. Como o Boca Juniors ficou totalmente abatido em campo, o Milan começou a cozinhar o jogo. O plano chegou a ser ameaçado porque, aos 77, Kakha Kaladze foi expulso com um cartão vermelho direto por cometer falta em Leandro Gracián.

No entanto, atuar com um a menos não fez diferença para o Diavolo. Os rossoneri até levaram um gol, aos 85, mas numa jogada fortuita, que não alterou o rumo da peleja: Ledesma, aproveitando sobra de escanteio, chutou torto e contou com desvio no peito de Ambrosini para diminuir. O próprio volante argentino atrapalharia qualquer possibilidade de reação dos xeneizes ao ser expulso por falta dura em Kaká, na sequência. Faltando pouco tempo para o apito final, e com dois tentos de vantagem, o Milan apenas fez o relógio andar e manteve a bola bem longe de sua baliza.

Desta forma, os rossoneri venceram seu quarto título mundial, o primeiro desde que a Fifa passou a organizar a competição. A conquista do troféu foi comandada por Kaká e Seedorf, que – merecidamente – saíram do Japão com os prêmios individuais de craque e segundo melhor jogador do torneio, respectivamente. Por outro lado, o caneco deixa os torcedores do Milan saudosos: desde então, o time não voltou às glórias internacionais.

Boca Juniors 2-4 Milan

Boca Juniors: Caranta; Ibarra, Paletta, Maidana, Morel Rodríguez; González (Ledesma), Battaglia, Banega, Cardozo (Gracián); Palermo, Palacio. Técnico: Miguel Ángel Russo.
Milan: Dida; Bonera, Nesta, Kaladze, Maldini; Gattuso (Emerson) Pirlo, Ambrosini; Kaká, Seedorf (Brocchi); Inzaghi (Cafu). Técnico: Carlo Ancelotti.
Gols: Palacio (23’) e Ledesma (85’); Inzaghi (21′ e 70’), Nesta (50’) e Kaká (61’)
Cartões vermelhos: Ledesma; Kaladze.
Árbitro: Marco Rodríguez (México)
Local e data: Estádio Internacional, Yokohama (Japão), em 16 de dezembro de 2007

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