Uma cena relativamente corriqueira em países tropicais, especialmente no litoral: italiano solteiro decide fixar residência e abre um negócio qualquer, ligado à sua própria cultura. Na pequena Costa Rica, por exemplo, além de uma significativa imigração de oriundos da Velha Bota, o censo demográfico registra cerca de 2300 habitantes italianos no país caribenho. Incomum é o caminho seguido pelo defensor costarriquenho Gilberto Martínez, que adotou a Itália como sua casa.
Conhecido como El Tuma (ou “O Martelo”), Martínez iniciou sua carreira no Saprissa, maior clube da Costa Rica. Titular do time violeta, o versátil defensor rapidamente começou a representar seu país em torneios internacionais: apareceu bem no Mundial sub-20 de 1999 e, três anos depois, foi titular dos Ticos na Copa do Mundo.
As boas atuações na Ásia, em que mostrou velocidade e determinação, fizeram com que o Brescia apostasse em sua contratação no verão de 2002. Dessa forma, Martínez se tornaria um dos jogadores costarriquenhos de maior projeção da época, ao lado do atacante Paulo Wanchope – antecipando a geração de Keylor Navas, Bryan Ruiz e Joel Campbell.
Logo em sua primeira temporada, Martínez fez parte de um time histórico do Brescia, que era treinado por Carlo Mazzone e tinha jogadores como Dario Dainelli, Pep Guardiola, Stephen Appiah, Luca Toni, Igli Tare e, claro, Roberto Baggio. El Tuma assumiu prontamente a lateral direita das andorinhas e não largou mais: em todo o campeonato, só não participou de 10 minutos de um jogo contra a Juventus. Absoluto no setor, ajudou uma equipe muito cascuda a ficar com a nona posição da Serie A e uma vaga na Copa Intertoto.
No segundo ano, Martínez jogou um pouco menos, mas manteve a titularidade na Lombardia. A equipe trocou de comando (Gianni De Biasi assumiu) e recebeu os reforços de Luigi Di Biagio, Matteo Brighi, Stefano Mauri e Andrea Caracciolo. Os brescianos tiveram mais uma temporada tranquila, naquela que seria a campanha de despedida de Robi Baggio.
As boas exibições naquelas temporadas quase levaram o defensor costarriquenho ao Real Madrid, segundo entrevista que ele mesmo concedeu ao jornal La Nación, de seu país. “Quando Arrigo Sacchi era diretor do time espanhol houve essa possibilidade, mas a pedida do Brescia fez os madrilenhos desistirem do negócio”, disse Martínez. Na época, o lateral-direito tinha apenas 24 anos.
A partir do negócio frustrado com o gigante espanhol, a realidade se transformou para Martínez e o Brescia. Para o clube, o adeus ao ídolo Baggio significou um redimensionamento: a equipe acabou rebaixada em 2004-05, após concluir a Serie A na penúltima posição. O costarriquenho permaneceu defendendo as cores da Leonessa na segundona e, em 2006, disputou mais uma Copa do Mundo. No entanto, uma lesão no joelho na estreia, contra a Alemanha, o tirou de combate do restante da competição.
No retorno à Itália, Martínez e o Brescia acertaram um contrato de empréstimo com a Roma. A chance de despontar numa equipe maior, porém, nunca se concretizou: os mesmos problemas nos ligamentos do joelho esquerdo se agravaram e o costarriquenho não entrou em campo pelo time capitolino. El Tuma voltou para a Lombardia, mas seu drama continuou em 2007-08, temporada em que ele não conseguiu atuar.
Após dois anos no estaleiro, Martínez voltou a jogar e participou da campanha que devolveu o Brescia à elite, em 2010 – a equipe havia batido na trave pelo acesso nos três campeonatos anteriores. O costarriquenho disputou o primeiro turno da Serie A pelos lombardos, mas em janeiro foi envolvido numa troca de empréstimos com a Sampdoria, que cedeu o zagueiro Pietro Accardi. O negócio não foi frutífero, no fim das contas: El Tuma ficou na reserva e jogou pouco em Gênova. O pior é que acabou participando de dois fiascos em uma única temporada, já que os dois times foram condenados à segundona.
Ao fim de mais uma campanha negativa, em setembro de 2011 Martínez rescindiu seu contrato com o Brescia, mas foi liberado pelo clube para continuar treinando em suas dependências. A separação acabou durando pouco e, em dezembro, as duas partes renovaram o vínculo por mais seis meses. Em sua terceira etapa na Lombardia, El Tuma conseguiu um feito: com 228 jogos, se tornou o estrangeiro com mais jogos pela equipe. O costarriquenho também já era o quarto atleta com mais aparições pelo Brescia na Serie A.
Martínez ficou um semestre sem jogar depois de deixar o clube bresciano, mas em janeiro assinou com o Lecce, então na terceira divisão. Nos dois anos em que defendeu a equipe salentina, El Tuma quase sempre sustentou a titularidade de um time que, por pouco, não conseguiu retornar para a Serie B. Após uma breve passagem pelo falido Monza, o costarriquenho voltou para a Apúlia e, nas divisões amadoras, defendeu Nardò e Audace Cerignola. Nos seis últimos meses, Martínez fardou pelo Corigliano, da Calábria, e decidiu se aposentar. Logo mudou de ideia e seguiu na região, onde defendeu Acri e San Giacomo d’Acri.
Enquanto emprestava sua experiência aos times amadores, o costarriquenho estudava para ser técnico profissional e diretor esportivo. El Tuma e três ex-jogadores italianos também analisaram a possibilidade de aquisição de um clube da terceirona nacional, mas nada ocorreu. Martínez acabou sendo treinador interino do Acri e passou por duas equipes de seu país, mas sua carreira como comandante não decolou.
Gilberto Martínez Vidal
Nascimento: 1º de outubro de 1979, em Golfito, Costa Rica
Posição: lateral-direito e zagueiro
Clubes como jogador: Saprissa (1999-2002), Brescia (2002-06, 2007-11 e 2011-12), Roma (2006-07), Sampdoria (2011), Lecce (2013-15), Monza (2015), Nardò (2015-16), Audace Cerignola (2016-17), Corigliano (2017-18), Acri (2018-19) e San Giacomo d’Acri (2019)
Títulos como jogador: Campeonato Costa-Riquenho (1998 e 1999), Coppa Italia (2007) e Eccellenza Puglia (2017)
Clubes como treinador: Acri (2018), Municiapl Grecia (2021) e Barrio México (2021-22)
Seleção costa-riquenha: 60 jogos