Se você tiver o privilégio de passar em frente ao Old Trafford, em Manchester, vai dar de cara com três amigos. Abraçados, comemorando e olhando para o estádio. Claro que não falamos de pessoas de carne e osso, sem eufemismo. Eles são feitos de bronze. É a representação em estátua da “United Trinity”: o lendário trio que passou pelo clube inglês na década de 1960. Mas só um deles, o do centro, tem uma segunda estátua dentro do estádio: Denis Law.
Também conhecido como “The King”, o vencedor da Bola de Ouro viveu seu auge na Inglaterra, mas teve uma passagem inesquecível pela Itália. E há quem diga que se não fosse por ela, talvez Law nunca deixaria de ser plebeu.
Disputado com unhas e dentes entre o Liverpool de Bill Shankly e o United de Matt Busby, em 1960, o jovem Denis Law jogava pelo Manchester City quando viajou a Milão em nome de uma Seleção da Liga Inglesa e marcou um gol no San Siro que chamou atenção de agentes italianos. E não foram só eles que ficaram impressionados. Como a limitação de salários na Inglaterra tinha acabado de ser abolida, tanto Law quanto seus companheiros de time ficaram impressionados com o estilo de vida luxuoso ostentado pelos jogadores italianos.
Na época, o investimento feito no futebol italiano, em comparação ao do Campeonato Inglês, realmente fazia a diferença e não demorou muito para que o talentoso jovem escocês fosse atraído de vez por uma proposta. Um dos fatores que contribuíram para isso, além da exibição em pleno San Siro, foi a experiência positiva de outro britânico na Itália.
Algumas temporadas antes, John Charles deixou o Leeds para jogar na Juventus e o sucesso dele em Turim fez muitos clubes abrirem o olho para o futebol inglês. O grande articulador da negociação do gigante galês, o agente Gigi Peronace, agora estava empregado no lado grená da cidade, no Torino e resolveu fazer um convite praticamente irrecusável para Law. Peronace transformou o escocês no jogador mais caro a ter sido vendido por um clube britânico até aquele momento e também lhe ofereceu uma gorda bonificação por vitória – uma prática bem comum na Serie A daqueles tempos.
Por 110 mil libras, o escocês chegou a Turim como um superstar e viveu nas primeiras semanas de clube tudo aquilo que procurava na Itália: luxo e badalação. Com direito a pré-temporada nos Alpes, ele ainda teve a sorte de arrumar um belo companheiro para essa aventura: Joe Baker. O atacante inglês foi contratado junto ao Hibernian e, por também vir do Reino Unido, automaticamente estreitou laços com o outro britânico novato. Mas nem tudo na vida da dupla foram flores.
Para começo de conversa, a forte investida financeira do Torino não foi a única que ele recebeu de um clube italiano. Segundo os dirigentes da Inter, Denis tinha assinado um pré-contrato com os nerazzurri e não poderia defender outra equipe. Mas a reclamação não foi adiante e o atacante prosseguiu ao Piemonte.
Assim que a temporada começou de vez, Law encontrou um de seus grandes inimigos dentro de campo, o catenaccio. O esquema de forte marcação que fazia muito sucesso na Itália irritava qualquer jogador que gostava de segurar a bola como Law. Com os defensores grudados nele o tempo todo, encontrou dificuldades que nunca tinha enfrentado na carreira, mas mesmo assim, era capaz de resolver jogadas com talento e deixava seus gols: quatro nas primeiras seis partidas pelos granata, incluindo uma doppietta em triunfo sobre o Bologna.
E se dentro de campo ele tinha que se virar, fora dele as coisas pareciam ainda mais complicadas. Tendo 21 anos e morando bem longe da casa simples em que cresceu em Aberdeen, Law queria aproveitar a vida que um grande jogador podia ter. Ao lado de seu amigo e colega de quarto Baker, ele era constantemente advertido por fugir da concentração para curtir a noite. Por conta disso, os britânicos passaram a ser taxados como “bad boys” e tiveram essa imagem explorada intensamente pela imprensa, que estava atento à “dolce vita” levada pelos estrangeiros.
Em uma dessas escapadas, em janeiro de 1962, Law e Baker decidiram aproveitar o clima de Veneza antes de uma partida contra o clube local e, como sempre, foram perseguidos por dezenas de paparazzi. Irritado com a insistência dos fotógrafos, Baker jogou a câmera de um deles no famoso canal e partiu para cima de quem o importunava. Mesmo com Denis separando a briga, as fotos dos bad boys do Torino estamparam as capas dos jornais do dia seguinte.
Após esse episódio, a performance de Law e do resto do time caiu drasticamente, e sem as vitórias, as premiações também não vinham. Por conta disso, ele percebeu que seu salário base, sem o bicho, não era tão vantajoso assim. No mês seguinte, em fevereiro, um jantar foi organizado pela equipe. A festa que acontecia num restaurante acabou no fim da noite para a maioria dos convidados, menos para Baker, Law e seu irmão, Joseph – que resolveram atravessar a madrugada regada a uísque.
Depois da saideira, Joe era o motorista da vez. E a carona era bem especial. Isso porque naquela mesma manhã, o atacante inglês havia comprado seu novíssimo Alfa Romeo Giulietta, um carrão de primeira linha. Mesmo com dois passageiros no carro e nem um pouco sóbrio, Baker resolveu testar a potência do seu novo carro e perdeu o controle em uma famosa rotatória da cidade, que expõe a estátua de Giuseppe Garibaldi.
O acidente feriu gravemente o motorista, que teve que passar por uma cirurgia delicada, mas não teve grandes consequências para Law e seu irmão – que mal sofreram escoriações. Denis acabou punido pela diretoria do Torino e foi barrado de alguns jogos, enquanto Baker, mesmo depois de recuperado, nunca mais vestiu a camisa grená.
Àquela altura, o escocês também já tinha decidido que não queria ficar mais uma temporada na Itália e que preferia voltar para o Reino Unido, mas a gota d’água caiu depois de uma decisão inusitada do treinador argentino, Benjamín Santos. No jogo pela Coppa Italia contra o Napoli, Law ignorou uma instrução do técnico e cobrou ele mesmo um lateral. Santos, que nunca morreu de amores pelo britânico, pediu para que o árbitro expulsasse o próprio jogador da partida – o que não aconteceu.
O jogo perdido por 2 a 0 contra o Napoli terminaria representando a última aparição do escocês pelos granata. Denis vivia um jejum de oito partidas pelo Toro: o último gol pelo clube acontecera três meses antes, contra o Lecco, quando o acidente automobilístico sequer havia acometido Law e Baker. Os cartolas não estavam muito satisfeitos com todo o cenário.
Ao fim da temporada, tanto o clube quanto o jogador queriam se separar. O clima realmente não estava bom, embora se possa dizer que os resultados tenham sido razoáveis, mesmo bem abaixo do que se esperava de um atleta como ele. Law fez sucesso com a torcida, ajudou o Torino a ficar na sétima posição do Italiano, foi artilheiro do time com 10 gols em 28 jogos, e acabou sendo eleito como o melhor estrangeiro do ano da Serie A.
Com sua saída praticamente certa, o Manchester United fez, enfim, a investida que precisava para contar com o atacante. Com uma proposta ainda maior do que aquela que o levou ao Torino, os Red Devils finalmente contrataram o xodó de Matt Busby, mas não antes da última polêmica do rei.
A poucos detalhes de fechar negócio, Gianni Agnelli ensaiou uma proposta para contratar um dos destaques do grande rival para a Juventus. O Torino aceitou e, como havia uma cláusula no contrato que facultava ao clube vender o atleta sem que ele desse o aval, Denis não quis brincar com a sorte. Para garantir o fim da sua estadia na Itália, Law, na calada da noite, fez suas malas e voou com destino à Escócia para forçar a diretoria a negociá-lo com o United. Conformados, os cartolas do clube piemontês cederam e Peronace rumou à Inglaterra para fechar o contrato – como mostra a foto que abre este texto.
No Manchester United, ele virou ídolo, capitão, rei, Bola de Ouro e ganhador da Copa dos Campeões. Pela Escócia, ainda disputou a Copa do Mundo de 1974, no fim da carreira. E por mais que sua passagem pelo futebol italiano tenha sido conturbada, foi lá que ele refinou a força e a técnica que o ajudaram a desfilar em solo inglês. Se ele iria conseguir alcançar tudo isso na Itália, é impossível dizer. Portanto, para os torcedores de Turim, tanto os do Torino quanto os da Juve, só basta lamentar.
Denis Law
Nascimento: 24 de fevereiro de 1940, em Aberdeen, Escócia
Posição: atacante
Clubes como jogador: Huddersfield (1956-60), Manchester City (1960-1961 e 1973-74), Torino (1961-62) e Manchester United (1962-73)
Títulos conquistados: Campeonato Inglês (1965 e 1967), FA Cup (1963), Charity Shield (1965 e 1967) e Copa dos Campeões (1968)
Seleção escocesa: 55 jogos e 30 gols