Atenção: abrir a página de Nemanja Vidic na Wikipedia pode causar um choque em desavisados. As vítimas podem ser fãs do zagueiro que só o acompanharam nos tempos de Manchester United ou recém-iniciados no futebol europeu, que só o viram jogar através de compilações do YouTube. O espanto tem origem no seguinte fato: como um jogador que foi magnânimo pelos Red Devils não conseguiu atingir nem 10% das 300 partidas feitas pelo clube inglês com a camisa da Inter, que vivia uma das fases mais obscuras de sua história recente?
Vidic, é verdade, chegou à Milão no final de sua carreira. Isso, no entanto, depunha mais a seu favor do que qualquer outra coisa. O zagueirão era um jogador rodado. Havia sido campeão na Sérvia por um dos maiores times do país, o Estrela Vermelha, que o revelou, e feito grandes jogos pelo gigante russo Spartak Moscou. Isso o credenciou para ir à Inglaterra, em janeiro de 2006, e iniciar sua bonita história no Manchester United. Na ocasião, Vidic quase acabou na Fiorentina, mas o clube não conseguiu fechar o negócio a tempo porque precisava liberar uma vaga de extracomunitário – tempo suficiente para os Red Devils avançarem nas tratativas e obterem a firma do sérvio.
Na Inglaterra, Vidic teve oito anos de parceria com Rio Ferdinand, com quem formou uma das duplas defensivas mais célebres dos anos 2000. Em Old Trafford, conquistou 15 títulos sob as ordens de Sir Alex Ferguson e conheceu o topo do mundo, da Europa e, cinco vezes, da Inglaterra. O sérvio recebeu duas convocações para a Copa, em 2006 e 2010, mas na primeira delas também viveu uma das maiores dificuldades da carreira: rompeu os ligamentos do joelho e nem pode entrar em campo. Superou esses percalços facilmente – não eram nada para quem já havia visto de perto tantos horrores nos frequentes conflitos étnicos que dividiam a antiga Iugoslávia.
Por este viés, então, Vidic era exatamente o que a Inter precisava naquele momento. Em 2014, a Beneamata havia ficado órfã de cinco de seus principais líderes: Javier Zanetti, Cristian Chivu, Walter Samuel, Esteban Cambiasso e Diego Milito. Eram os últimos remanescentes de uma era vencedora dos nerazzurri, que culminou na Tríplice Coroa, em 2010. Sem o quinteto, o elenco perdia experiência e ficava à mercê da falta de personalidade que já vinha demonstrando mesmo com a presença de jogadores de tal calibre e currículo.
Capitão do United, o zagueiro sérvio preencheria estas lacunas e seu palmarés serviria de exemplo para os jogadores mais novos do elenco, que sonhavam com grandes conquistas. Além disso, a contratação de Vidic fazia sentido também do ponto de vista técnico: além de ser um grande defensor, seu estilo de jogo se assemelhava ao de Samuel. Ambos tinham um temperamento forte e não aliviavam nas divididas, impondo respeito com um jogo duro, mas limpo, e habilidade ímpar no jogo aéreo.
Vidic ganhou a titularidade do time treinado por Walter Mazzarri e até fez uma pré-temporada regular, mas custou a se adaptar à linha defensiva formada por três zagueiros, proposta pelo técnico toscano. Na estreia oficial pelo clube, o sérvio conseguiu levar cartão amarelo na partida contra o fraquíssimo Stjarnan, da Islândia, que foi vencido por 3 a 0 pelos nerazzurri na fase preliminar da Liga Europa. Já na primeira rodada da Serie A, contra o Torino, o zagueiro cometeu um pênalti bobo sobre Marcelo Larrondo, mas foi salvo pela defesa de Samir Handanovic. Nos acréscimos do confronto, terminado em 0 a 0, ainda foi expulso por aplaudir sarcasticamente o árbitro Daniele Doveri.
Não parou por aí. Após cumprir suspensão, Vidic voltou ao time titular na terceira rodada e, aos 3 minutos de jogo contra o Palermo, deu um presentaço para Franco Vázquez abrir o placar – a partida acabou empatada em 1 a 1. O xerife sérvio ainda acumulou erros contra Fiorentina e falhas capitais contra Napoli e Cagliari – diante dos sardos, vacilou em três gols e ainda cometeu um pênalti. O esquema de Mazzarri, com alas muito ofensivos e meio-campo que sobrecarregava Gary Medel, o expunha a suas maiores fraquezas: a lentidão e o mano a mano.
O sérvio ainda cometeu algumas falhas nas rodadas seguintes, mas menos graves que as primeiras. A demissão de Mazzarri após um empate em casa contra o Verona levou à contratação de Roberto Mancini, que deixou o 3-5-2 de lado e começou a utilizar um esquema com quatro defensores, mais favorável a Vidic. No entanto, percebendo que faltava serenidade ao veterano, Mancio optou por preservá-lo e não o escalou em sua estreia, no dérbi contra o Milan.
Entre motivos como uma inflamação no joelho, gripe e escolhas do treinador, Vidic acabou ficando dois meses de fora e só retornou ao time titular da Beneamata no dia 11 de janeiro, contra o Genoa. E voltou em grande estilo: na vitória sobre os rossoblù, fez a segunda boa partida com a camisa nerazzurra e coroou a atuação com seu único gol pelo clube. A partir desse momento, o sérvio passou a jogar num nível mais próximo do demonstrado em Manchester, mas a forma da Inter não ajudava muito e o beque não se destacava tanto.
No final da temporada, Vidic ainda ficou marcado por um lance negativamente decisivo no clássico contra a Juventus. O zagueirão saiu na frente de Alessandro Matri numa arrancada, mas chegou atrás do atacante, que não é nenhum exemplo de velocidade, e cometeu um pênalti que deu início à virada bianconera. O Derby d’Italia acabou sendo o palco da última aparição do sérvio naquela temporada, já que ele ficou afastado dos dois últimos jogos por conta de uma lombalgia.
Não se imaginava, porém, que aquela seria também a última vez que Vidic entraria em campo pela Inter e como profissional. Durante a pré-temporada, ele foi operado por conta de uma hérnia de disco e, como a recuperação seria demorada, nem foi inscrito na Serie A. No início de janeiro, a rescisão do contrato foi sacramentada e, duas semanas depois, Nemanja anunciou sua aposentadoria dos gramados, com apenas 34 anos.
Nemanja Vidic
Nascimento: 21 de outubro de 1981, em Uzice, Sérvia (antiga Iugoslávia)
Posição: zagueiro
Clubes: Spartak Subotica (2000-01), Estrela Vermelha (2001-04), Spartak Moscou (2004-06), Manchester United (2006-14) e Inter (2014-16)
Títulos: Copa da Iugoslávia (2002), Copa Sérvio-Montenegrina (2004), Campeonato Sérvio-Montenegrino (2004), Copa da Liga Inglesa (2006, 2009 e 2010), Premier League (2007, 2008, 2009, 2011 e 2013), Community Shield (2007, 2008, 2010, 2011 e 2013), Liga dos Campeões (2008) e Mundial de Clubes da Fifa (2008)
Seleção sérvia: 56 jogos e 2 gols