Eu detestava Federico Marchetti. Atacava minha ansiedade antes dos jogos contra a Lazio porque a existência dele naquele mundo verde era motivo para pensar que um empate seria um resultado razoável. A impressão era que todo o jogo de Gianluigi Buffon era transmutado para Marchetti como num remake semestral de Space Jam, ampliando e alimentando a crença. Não importa se ele tivesse falhado na partida anterior ou se teria um desempenho ruim na rodada posterior à visita ao Piemonte. O cabelo comprido, o estilo arrojado e as saídas de gol numa mistura de psicopatia e loucura eram ingredientes para um goleiro excelente que foi durante três, quatro anos. Mas era contra a Juve que o corpo dele fechava.
Entre 2011 e 2013, Marchetti teve um registro de cinco defesas por jogo contra os bianconeri na Serie A. A média de gols sofridos foi 1,8 por partida, valor que subiu apenas no último confronto – quando a Lazio levou uma surra fora de casa. Dos duelos que não foram contabilizados, um dos mais notáveis foi a primeira chave da semifinal da Coppa Italia de 2013, quando as defesas dele permitiram o empate que seria revertido na capital. A defesa contra Arturo Vidal, recuperando a bola em cima da linha, é coisa linda de se ver.
Como esse não é um texto jornalístico per se, permito fazer algo que não é o indicado: ser impreciso. Tenho um palpite que essa história começou em 2011, mas pode ter sido em 2012, como mostram as publicações linkadas. Tolero a incerteza para apresentar o ponto principal: fui enganado por muito tempo. Os olhos veem o que você deseja enxergar, a percepção sucumbe à convicção, e por todo esse tempo internalizei e espalhei uma ideia errada.
Marchetti tornou-se um coadjuvante na minha narrativa e outros goleiros foram alçados à posição de nêmesis juventino. Nessa temporada de 2019-20, por exemplo, Thomas Strakosha, Stefano Turati, Salvatore Sirigu, Bartlomiej Dragowski e Andrei Radu fizeram partidas exuberantes em ou longe de Turim. Mas a matemática mostra outra coisa: os goleiros não jogam melhor contra a Juve. Ou pelo menos não há evidência disso.
Entre 2013 e 2019, a Senhora foi a equipe que mais superou os gols esperados (12). Por outro lado, tem clube grande que, sim, tem alguns problemas dentro da área. Chegaremos lá.
A conta
Esse estudo partiu de uma premissa simples: as equipes não são necessariamente melhores ou piores para converter finalizações em gol. A diferença entre elas, o que distingue um ataque bom de um ruim, é o tipo de chute que esse time consegue. A hipótese assumida, então, foi que um ataque bom faz mais gols porque consegue ter maior volume de conclusões perto do gol.
A proposição não é tão sólida, e essa foi uma das dificuldades para essa investigação: como encontrar um ponto de equilíbrio entre os resultados disponíveis e as evidências? Como os dados gratuitos do WhoScored não respondem quais eram as localizações dos gols, a metodologia consistiu em listar as seguintes métricas: finalizações (por localização: fora da área, dentro da área e pequena área; e resultado: certa, errada, trave e bloqueada), defesas (localização) e gols. Todos os números absolutos fazem parte das campanhas dos clubes que disputaram a Serie A entre 2013 e 2019.
O passo seguinte foi calcular uma equação capaz de determinar o total de gols feitos em função do tipo de finalização. O resultado do coeficiente tiveram intervalo de confiança de 1% – ou seja, podia ser usado com segurança. A partir disso, a equação foi utilizada para encontrar o xG (gols esperados) de cada clube.
Entre Juventus e Milan
Quando todos os números foram agregados, a surpresa veio: combinar a diferença de gols realizados versus esperados com a quantidade de chutes mostrou que a correlação entre os indicadores é baixa. Simultaneamente, os resultados confirmaram que a premissa podia ser utilizada, uma vez que os times que finalizam em melhores condições também são os que fazem mais gols que o esperado.
Veja o gráfico abaixo com as finalizações totais. Juventus 2017-18 e Napoli 2016-17 numa ponta, Sassuolo 2017-18 e Frosinone 2018-19 na outra. Tirando isso, porém, nada muito concreto que apontasse que os goleiros faziam o jogo da vida contra a Juve.
Observando a diferença de gols, há poucos valores atípicos além do intervalo de cinco gols para mais ou menos: Juventus e Napoli no lado positivo, e, negativamente, somente o Chievo com mais de duas temporadas na primeira divisão. Apesar das duas equipes – e a Roma – que mais competiram por título nos últimos anos ficarem no topo, o estudo mostrou um indício que os times tenderiam a zero (ou algum coeficiente próximo disso) numa amostra maior.
O estudo é conclusivo? Graças às limitações, não, mas foi realizado com rigor estatístico – e agradeço ao amigo Vitor Camargo pela ajuda – para sustentar a premissa. Só que é ainda mais interessante notar os índices do Milan. Lembre-se que a pergunta inicial era “será que os goleiros pegam mais contra (equipe)?”. Os resultados mostram evidências que eles realmente jogam melhor contra o rossonero. A despeito do terceiro lugar em 2013, a amostra tem as estatísticas do Milan que tentou passar por uma reformulação forçada após as saídas de Zlatan Ibrahimovic e Thiago Silva naquele ano e da gerência bagunçada nas últimas temporadas. Faz sentido.
No mais, só me resta pedir desculpas a Marchetti.