Profundas mudanças costumam ocorrer somente depois de baques traumáticos. Com a Juventus foi assim. Entre os efeitos da eclosão do Calciopoli e o eneacampeonato na Serie A, a Velha Senhora atravessou momentos de turbulência, que ficaram marcados de forma negativa na história do clube. O mais nefasto deles talvez tenha acontecido na temporada 2009-10: uma derrota catastrófica para o Fulham, na Liga Europa, que mostrou o quão difícil seria para a equipe se reerguer.
Sob o comando de Claudio Ranieri em 2008-09, a Juventus se classificou para Champions League. No entanto, o técnico deixou o clube por atritos com a diretoria e deu lugar a Ciro Ferrara, que não empolgou. O ídolo bianconero não conseguiu fazer um bom trabalho e terminou demitido após a 22ª rodada da Serie A, competição em que a Juve dividia a quinta posição com o Palermo. Na Liga dos Campeões, o desempenho foi ainda pior: a Velha Senhora ficou em terceiro num grupo com Bordeaux, Bayern de Munique e Maccabi Haifa, de modo que foi transferida para a Europa League. Já treinada por Alberto Zaccheroni, a equipe de Turim superou o Ajax nos 16 avos de final do torneio e avançou para enfrentar o Fulham.
Diferentemente da Juventus, o time inglês já começou a temporada na Liga Europa, competição para a qual se classificou devido ao sétimo lugar conquistado na Premier League 2008-09. O Fulham superou Vetra, da Lituânia, e Amkar Perm, da Rússia, nas etapas preliminares e, ao lado da Roma, avançou na fase de grupos, deixando Basel e CSKA Sofia para trás. Nos 16 avos de final, os Cottagers surpreenderam ao eliminarem o forte Shakhtar Donetsk de Mircea Lucescu, Darijo Srna, Fernandinho, Douglas Costa, Willian, Jádson e Luiz Adriano para enfrentarem a Velha Senhora nas oitavas.
Como o Allianz Stadium estava em construção, a Juve mandava seus jogos no Olímpico de Turim. Foi lá que, no dia 11 de março de 2010, uma Velha Senhora que mesclava medalhões (Gianluigi Buffon, Fabio Cannavaro, Fabio Grosso, Mauro Camoranesi, Alessandro Del Piero e David Trezeguet) e apostas (Giorgio Chiellini, Claudio Marchisio, Antonio Candreva, Felipe Melo, Diego e Amauri) bateu o Fulham de Roy Hodgson, Mark Schwarzer, Brede Hangeland, Zoltán Gera, Damien Duff, Clint Dempsey e Bobby Zamora.
Com 25 minutos, os defensores Nicola Legrottaglie e Jonathan Zebina já haviam feito 2 a 0 para os italianos. Dickson Etuhu diminuiu, mas Hasan Salihamidzic faria 3 a 1 ainda na primeira etapa. O jogo terminou assim, com vantagem sólida para a Juventus avançar de fase. Afinal, poderia perder em Londres por até um gol de diferença. Sete dias depois, em Craven Cottage, não foi bem o que aconteceu.
Diante de cerca de 23,5 mil torcedores, Felipe Melo foi o melhor jogador juventino no primeiro tempo e, no segundo, o goleiro Antonio Chimenti foi o destaque. Só essas informações bastariam para inferir que a noite não foi das melhores para a Velha Senhora. Apesar disso, a partida começou bem para os visitantes: aos 2 minutos, Diego recebeu dentro da área e foi desarmado; a bola caiu nos pés de Trezeguet, que bateu colocado e levou o placar agregado a 4 a 1. Ou seja, a equipe italiana precisaria sofrer quatro gols para ser eliminada.
Só que aquela Juventus passava longe de ser confiável e, rapidamente, o cenário foi se modificando. Aos 9 minutos, Paul Konchesky cruzou na medida para Zamora que dominou no peito e marcou um belo gol. Cannavaro ficou reclamando de um possível empurrão, mas nada foi assinalado pelo árbitro Björn Kuipers.
Tendo Candreva e Diego na armação de jogadas, a Juve respondeu com um chute forte de fora da área do brasileiro, que foi defendido por Schwarzer. O camisa 28 era a peça mais ativa da equipe italiana após o gol, enquanto o Fulham abusava da bola aérea. Quando trabalhou a bola pelo chão, contudo, o time inglês feriu gravemente o adversário: aos 27 minutos, Simon Davies tentou encontrar Gera com passe em profundidade e Cannavaro derrubou o húngaro, que ia em direção à meta. Kuipers não teve dúvidas e expulsou o zagueiro. O cartão vermelho obrigou Zaccheroni a sacar Candreva para colocar Zdenek Grygera, armando os bianconeri num 4-4-1.
A superioridade numérica deu moral ao Fulham, que quase virou o jogo na cobrança de falta: Zamora cobrou bem e Chimenti fez uma excelente defesa. Dominantes, os londrinos acertaram duas bolas na trave em sequência: Davies levantou na área e carimbou o travessão, enquanto Etuhu, após escanteio, quase anotou de cabeça.
Aos 39, o gol da virada dos Lily Whites saiu de uma jogadaça: Konchesky achou bola longa para Zamora, que levantou para a passagem de Davies. O galês passou rasteiro para Gera, sozinho, completar para as redes. Em Craven Cottage, o clima no estádio era de euforia: a torcida sentia que era possível fazer mais dois tentos naquela Juventus desatenta e com um homem a menos, que se debatia no intuito de segurar a vantagem no confronto.
No intervalo, Zaccheroni não fez qualquer alteração tática ou comportamental na sua equipe e a Juventus voltou ao campo do mesmo jeito que terminou o primeiro tempo: assustada. O Fulham percebeu que a adversária continuava grogue e partiu para cima. Logo aos 49, Duff tentou cruzar bola na área e a pelota acertou em cheio o braço de Diego. Gera converteu o pênalti com tranquilidade e igualou o placar do jogo de ida.
A partida caminhava para a prorrogação e a Juventus só pensava em segurar o resultado e tentar a sorte na prorrogação ou nos pênaltis. Afinal, um gol para tranquilizar a situação parecia muito distante: o time de Turim não conseguia sequer encaixar um contragolpe e Zaccheroni ainda optou por tirar Camoranesi, que corria risco de receber o segundo cartão amarelo, e dar espaço a Paolo De Ceglie, mudando a formação para um 3-4-1-1.
Numa segunda etapa de ataque contra defesa, o Fulham criava chance atrás de chance, dando trabalho a Chimenti. A entrada do norte-americano Dempsey fez o time da casa crescer ainda mais no confronto e foi graças a ele que, aos 83 minutos, os londrinos viraram o jogo: o camisa 23 recebeu na entrada da área e tentou cruzar para Zamora, mas acabou encobrindo Chimenti.
A improvável goleada que já havia se desenhado levou a Juventus ao descontrole. E coube a Zebina, um notório “fio desencapado”, enterrar de vez qualquer oportunidade dos bianconeri: encerrando a desastrosa noite da Vecchia Signora, o francês chutou Duff enquanto o irlandês protegia a bola próximo à linha lateral e foi expulso diretamente. A Juve, então, terminou o duelo com nove jogadores em campo, humilhada pelo contestado Hodgson e seus comandados.
O triunfo por 4 a 1 deu moral demais para o Fulham, que foi avançando na Liga Europa ao passo que se consolidou no meio da tabela na Premier League. Os Cottagers eliminaram os alemães Wolfsburg e Hamburgo até chegarem à final, perdida na prorrogação para o Atlético de Madrid de Diego Forlán, por 2 a 1.
A Juventus, por sua vez, afundou depois de uma das piores partidas de sua história. A derrota para o Fulham foi o retrato de uma temporada decepcionante, que terminou com a equipe amargando a sétima posição na Serie A – a pior desde 1998-99.
Como a Velha Senhora ficou fora das competições europeias e a crise ameaçava se aprofundar, a família Agnelli sentiu que precisava voltar a ter presença forte na Juventus, o que aconteceu a partir de maio de 2010, quando Andrea assumiu a presidência. O sétimo posto se repetiu em 2010-11, mas a chave virou depois disso. Com Giuseppe Marotta na direção de futebol e Antonio Conte como técnico, a era mais vitoriosa da história do clube teria início em 2011.
Fulham 4-1 Juventus
Fulham: Schwarzer; Kelly (Dempsey), Hughes, Hangeland, Konchesky; Duff, Baird, Etuhu, Davies; Gera (Riise); Zamora. Técnico: Roy Hodgson.
Juventus: Chimenti; Salihamidzic, Zebina, Cannavaro, Grosso (Del Piero); Felipe Melo, Sissoko; Camoranesi (De Ceglie), Diego, Candreva (Grygera); Trezeguet. Técnico: Alberto Zaccheroni.
Gols: Zamora (9′), Gera (39′ e 49′) e Dempsey (83′); Trezeguet (2′)
Cartões vermelhos: Cannavaro e Zebina
Árbitro: Björn Kuipers (Holanda)
Local e data: estádio Craven Cottage, Londres (Inglaterra), em 18 de março de 2010