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Diego Forlán teve passagem sofrível pela Inter e viveu pior momento da carreira na Itália

Entre a década de 1980 do século passado e os primeiros anos do atual milênio, a Itália era o principal destino de jogadores no futebol europeu – na fase final de sua hegemonia, dividiu o posto com Espanha e Inglaterra. A crise que se abateu sobre o país contaminou o campeonato, que começou a se ver atrás de seus concorrentes. Em 2011, numa das tentativas que os maiores clubes italianos fizeram para retomar espaço na Europa, a Inter contratou Diego Forlán.

Experiente, o uruguaio vinha de passagem fantástica pelo Atlético de Madrid e havia sido eleito como o craque da Copa do Mundo anterior, realizada em 2010. Sua estadia na Velha Bota, contudo, foi um fracasso retumbante. O atacante permaneceu apenas uma temporada em Milão e deixou o clube gratuitamente.

Diego é daqueles que nasceram com o futebol no sangue. Seu avô materno, Juan Carlos Corazzo, foi meia do Independiente e técnico do Uruguai em quatro ocasiões. Do outro lado da família, seu pai, o zagueiro Pablo Forlán, disputou dois Mundiais pela Celeste, em 1966 e 1974, e fez carreira por Peñarol e São Paulo. O jovem Diego começou na base carbonera e passou também pela do Danubio, mas foi pelo time do avô que se profissionalizou. Depois de três anos nos juvenis do Rey de Copas, o atacante estreou aos 18 anos.

O time do Independiente não era tão competitivo, mas Forlán se destacou nos quatro anos em que permaneceu em Avellaneda. Os 40 gols marcados em 91 jogos – metade deles em 2000-01 – chamaram a atenção do futebol inglês. O Manchester United deu um chapéu no Middlesbrough e contratou o uruguaio, que ganhara o apelido de Cachavacha pela semelhança com uma malvada bruxa de um desenho animado argentino. Na Inglaterra, porém, Diego não se habitou a colocar suas magias em prática: fora gols decisivos contra Liverpool e Chelsea e um lance curioso após um golaço diante do Southampton, o atacante não decolou.

Foi na Espanha que Forlán viveu os seus melhores momentos. Em 2004, quando já tinha participação em Copa do Mundo e Copa América no currículo, Cachavacha acertou com o Villarreal e colocou sua carreira nos trilhos. Na fase mais gloriosa que o Submarino Amarelo já teve, Diego emplacou artilharia de La Liga e Chuteira de Ouro em 2004-05, ano em que a equipe foi terceira colocada no Espanhol e se classificou à Champions League. Na competição europeia, a parceria com Juan Román Riquelme rendeu frutos e o time foi semifinalista, eliminando a Inter em sua trajetória.

Em 2007, Forlán passou ao Atlético de Madrid e se manteve em evidência. Nos quatro anos em que atuou pelos colchoneros, sempre contribuiu para que a equipe se classificasse a torneios continentais. Em 2009, foi o Pichichi de La Liga, ao marcar 32 gols na competição, enquanto no ano seguinte se tornou o grande destaque da conquista da Liga Europa por parte da formação de Quique Sánchez Flores.

No único ano em que defendeu a Inter, Forlán não foi nem sombra do jogador dos tempos de Villarreal e Atlético de Madrid (Reuters)

Diego marcou sete tentos naquela Europa League – seis, se desconsiderarmos os playoffs; cinco deles no mata-mata. O uruguaio eliminou o Galatasaray nos acréscimos da fase 16 avos de final e, na prorrogação das semifinais, deixou o Liverpool comendo poeira. Na decisão, ante o Fulham, voltou a comparecer às redes no tempo extra e marcou os dois do título colchonero.

Após o triunfo na final de Hamburgo, Cachavacha foi defender a seleção uruguaia em uma campanha histórica na Copa do Mundo de 2010, disputada na África do Sul. A Celeste, que também contava com Edinson Cavani e Luis Suárez, teve em seu camisa 10 um jogador cerebral, capaz de criar as principais oportunidades de gol do time – e de conclui-las.

Atuando mais recuado do que de costume, Forlán deu uma assistência e anotou três tentos de fora da área – o mais bonito deles, na fase de grupos, contra os anfitriões. No total, Diego marcou cinco vezes e conduziu o Uruguai ao quarto lugar. A melhor colocação charrua em 40 anos e a artilharia do Mundial renderam ao atacante o prêmio de craque da competição.

Na temporada seguinte, o sul-americano teve seu pior desempenho em solo espanhol: balançou as redes apenas 10 vezes em 42 partidas. Ainda assim, comemorou o título da Supercopa Uefa, deixando a Inter com o vice-campeonato. Em julho de 2011, Forlán pode comemorar seu único título com o Uruguai: a Copa América realizada na Argentina. Nela, Diego só fez dois gols, mas ambos ocorreram na final, contra o Paraguai.

Este era o currículo de Diego Forlán quando a Inter decidiu pagar 5 milhões de euros para tirar o jogador do Atleti, um ano antes de seu vínculo expirar. Cachavacha até iniciara a temporada 2011-12 sob as ordens de Diego Simeone, novo técnico colchonero, mas mudou de endereço depois que Samuel Eto’o cedeu a uma robusta proposta do Anzhi Makhachkala e resolveu jogar na Rússia. Ambas as transferências ocorreram no final da janela, em agosto.

A contratação do antigo algoz foi feita tão às pressas que a diretoria nerazzurra se atrapalhou e não notou que Forlán já havia atuado pelo Atlético de Madrid na fase preliminar da Europa League – o que o impedia de atuar em competições da Uefa por outro clube até janeiro. A Beneamata ainda inscreveu o uruguaio em sua lista para a Liga dos Campeões, mas foi informada do erro grosseiro pela organização: o jogador estava inelegível. Assim, a Inter ficou com apenas 24 atletas regularizados para o torneio continental e sem um substituto à altura para Eto’o. Diego Milito, perseguido por lesões, Giampaolo Pazzini, Mauro Zárate e os jovens Luc Castaignos e Samuele Longo eram os nomes à disposição de Gian Piero Gasperini.

A contratação de Forlán pela Inter foi tão equivocada que o atacante sequer pode atuar pela Champions League por vários meses (Getty)

O ano interista começava como um pesadelo – que metaforizava a passagem do seu novo camisa 9 por San Siro. Assim como Forlán, Gasperini caíra de paraquedas em Milão. Se, de um lado, Massimo Moratti não contava com a saída de Eto’o, de outro também esperava pela permanência de Leonardo no comando. Quando o brasileiro deixou Milão, os nerazzurri buscaram Marcelo Bielsa, Fabio Capello e André Villas-Boas. Gasp foi o plano D. Não tinha como dar certo.

Bastaram cinco partidas – sem vitórias e com derrotas para Palermo, Novara e Trabzonspor – para que o treinador fosse demitido. Diego atuou em três delas e em todas executou funções diferentes: foi ponta pela esquerda do 3-4-3 ante os palermitanos e o destro contra os novareses, além de ter atuado ao lado de Milito no 3-5-2, num 0-0 com a Roma. Na estreia, frente os sicilianos, Forlán marcou. Foi o autor do último tento, já nos acréscimos, na derrota por 4 a 3.

A chegada de Claudio Ranieri ao comando da Inter não melhorou a situação para o uruguaio. Forlán começou a gestão do novo comandante como titular, mas isso durou apenas dois jogos: em outubro, ele se lesionou durante um compromisso com a seleção e ficou dois meses parado. Voltou aos poucos, mas sem espaço entre os onze. O treinador romano optara por um 4-4-2 defensivo e alternava formações com Milito e Pazzini no ataque a escolhas mais cautelosas, com Wesley Sneijder mais avançado, posicionado ao lado do argentino. Não bastasse o pequeno espaço, uma nova lesão, em janeiro de 2012, deixou El Cacha de molho por mais quatro rodadas.

Ainda sob o comando de Ranieri, Forlán chegou a ter sua melhor exibição com a camisa nerazzurra. Ela aconteceu numa partida horrenda da Inter, que flertou com uma clamorosa derrota caseira para o Catania. A equipe siciliana abriu 2 a 0 em San Siro e ficou muito perto de ampliar sua vantagem contra a equipe mandante, então sétima colocada da Serie A. O uruguaio, que teve boas chances no primeiro tempo, chamou a responsabilidade na etapa complementar e achou um gol numa jogada individual – contou, também, com falha do goleiro Juan Pablo Carrizo. Nove minutos depois, El Cacha encontrou Milito, que empatou.

Forlán salvou a pele de Ranieri, que não conseguia mais entregar os resultados do início da gestão. A equipe, que antes jogava mal e pontuava, preservou apenas as exibições pavorosas. No intuito de retomar o rendimento dos meses anteriores, o técnico retribuiu o “favor” do uruguaio e o escalou como titular nos dois jogos seguintes, contra Chievo e Olympique de Marseille.

A eliminação dos nerazzurri para os franceses, nas oitavas de final da Liga dos Campeões, deixou a gestão Ranieri por um fio: uma derrota para a Juventus, duas semanas depois, selou o seu destino. O Derby d’Italia foi uma das quatro únicas partidas que o camisa 9 jogou por inteiro em sua passagem pela Inter – as outras foram as já citadas contra Palermo e Catania, e a ida das oitavas contra o OM.

O atacante chegou à Inter para substituir o goleador Eto’o, mas balançou as redes apenas duas vezes (AFP/Getty)

Sob o comando de Andrea Stramaccioni, a Inter passou a jogar de forma mais ofensiva, mas Forlán continuou a atuar fora de posição. Nas vestes de ponta canhoto, o uruguaio contribuiu com duas assistências – uma no 5 a 4 contra o Genoa e outra no 2 a 2 diante do Cagliari –, ao passo em que não rendeu como ala avançado pelo lado oposto, contra a Fiorentina.

A partida em Florença, válida pela 34ª rodada da Serie A, foi a última de Cachavacha pelo clube. Uma entorse no tornozelo o afastou da reta final da competição e definiu que a temporada do atacante se encerraria com apenas 20 jogos e 1159 minutos em campo, com dois gols marcados e três passes decisivos para os colegas. Diego não teve números tão inexpressivos nem mesmo em Manchester.

Forlán não queria ter deixado a Inter como uma decepção para os torcedores do clube, mas foi o que aconteceu. Aos 33 anos, o uruguaio não estava mais nos planos da diretoria e acabou rescindindo o contrato de forma consensual, um ano antes de o vínculo acabar. Livre no mercado, Diego seguiu os passos do pai e atuou no Brasil: trocou a Inter pelo Inter. Pelo Colorado, reencontrou o bom futebol e ganhou o Campeonato Gaúcho de 2013, do qual foi artilheiro. No Brasileirão, contudo, a equipe porto-alegrense não fez grandes campanhas no biênio em que El Cacha lá esteve.

Na parte final da carreira, Diego ainda defendeu o Uruguai na Copa das Confederações e na Copa do Mundo, ambas disputadas em solo brasileiro. Forlán foi o primeiro jogador da Celeste a alcançar 100 partidas pela seleção e, ainda hoje, é um dos 10 que mais vezes a defenderam, com 112 aparições. Também é o seu terceiro maior goleador, com 36 bolas nas redes.

O atacante ainda realizou o sonho de atuar profissionalmente pelo Peñarol, em sua única passagem por um time de seu país. Pelos carboneros, repetiu o feito do pai e foi campeão uruguaio, em 2016. Diego também teve aventuras em três diferentes países da Ásia: morou um biênio no Japão, quando defendeu o Cerezo Osaka, e ficou alguns meses na Índia e em Hong Kong, quando vestiu as camisas de Mumbai City e Kitchee, respectivamente.

Um ano depois de realizar sua derradeira partida como profissional, Forlán anunciou sua aposentadoria, aos 40 anos, e deu início a uma curta e infrutífera trajetória como técnico. Ainda que a carreira do craque tenha sido gloriosa, seu lugar na lista dos piores reforços recentes da Inter é inquestionável. A Beneamata está acostumada com operações negativas de mercado, mas raras tiveram um coeficiente de infelicidade tão alto quanto a do uruguaio.

Diego Forlán Corazzo
Nascimento: 19 de maio de 1979, em Montevidéu, Uruguai
Posição: atacante
Clubes como jogador: Independiente (1997-2002), Manchester United (2002-04), Villarreal (2004-07), Atlético de Madrid (2007-11), Inter (2011-12), Internacional (2012-14), Cerezo Osaka (2014-15), Peñarol (2015-16), Mumbai City (2016) e Kitchee (2018)
Títulos como jogador: Premier League (2003), Community Shield (2003), FA Cup (2004), Copa Intertoto (2004), Liga Europa (2010), Supercopa Uefa (2010), Copa América (2011), Campeonato Gaúcho (2013), Campeonato Uruguaio (2016) e Premier League de Hong Kong (2018)
Clubes como treinador: Peñarol (2020) e Atenas (2021)
Seleção uruguaia: 112 jogos e 36 gols

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