A quarta edição da Copa Intercontinental, disputada em 1963, foi a primeira em que brasileiros e italianos mediram forças. Os representantes dessas grandes escolas de futebol eram o Milan, primeiro clube da Itália a ganhar a Copa dos Campeões, e o Santos de Pelé, bicampeão da Libertadores. No San Siro, os rubro-negros abriram 4 a 2 de vantagem, mas o alvinegro praiano devolveu o placar no Maracanã, forçando um terceiro jogo para apontar o campeão, também no Rio de Janeiro.
Antes de se enfrentarem na Copa Intercontinental, os dois times tiveram verdadeiras provas de fogo em suas respectivas competições continentais. O Santos despachou o Botafogo de Amarildo na semifinal e enfrentou o Boca Juniors na decisão. O Peixe foi superior nos 180 minutos, vencendo por 3 a 2 no Brasil e por 2 a 1 na Bombonera, confirmando o segundo título consecutivo da Libertadores.
Do outro lado do oceano Atlântico, o Milan enfrentou o Benfica, então bicampeão europeu. Os encarnados buscavam o terceiro título sob a batuta do craque Eusébio. Em partida única, no mítico estádio de Wembley, o camisa 10 deu a vantagem para os portugueses, mas o Diavolo conseguiu a virada no segundo tempo com dois gols do brasileiro José Altafini, o Mazzola.
Em 16 de outubro, as equipes travaram o primeiro duelo do Mundial Interclubes, que terminou com vitória rossonera. A partida reuniu craques dos dois lados: afinal, além de campeões continentais, eram times acostumados a ceder jogadores às suas seleções. O Santos, por exemplo, tinha Gilmar, Mauro, Mengálvio, Pepe, Coutinho e Pelé, que estavam no elenco campeão do planeta, em 1962.
Por sua vez, o Milan tinha seis jogadores que defendiam a Squadra Azzurra: Giovanni Trapattoni, Cesare Maldini, Mario David, Gianni Rivera, Bruno Mora e Altafini. José havia defendido tanto o Brasil, em 1958, quanto a Itália, em 1962, e faz parte do seleto grupo de jogadores que defenderam mais de um país em Copas do Mundo. Altafini tinha a companhia de outros dois brasileiros campeões mundiais: Dino Sani e o recém-chegado Amarildo, que trocou o Botafogo pelo Milan após a eliminação na semifinal da Libertadores de 1963.
No San Siro, o Diavolo começou a todo vapor diante de quase 52 mil espectadores e abriu 2 a 0 com 15 minutos jogados. Um chute de fora da área, de Trapattoni, e uma cabeçada forte de Amarildo deram a vantagem para os milanistas no primeiro tempo. Contando com uma má atuação da equipe brasileira, os rubro-negros dominavam a partida e criavam as melhores chances. A verdade é que se não fossem as boas defesas de Gilmar, o placar seria ainda pior para o time do técnico Lula.
No início da etapa complementar, os santistas esboçaram uma reação, quando Pelé reacendeu os ânimos do Peixe e diminuiu a diferença. Mas, na sequência, Amarildo e Mora foram às redes e transformaram o placar em goleada. Na reta final da partida, o Rei converteu uma cobrança de pênalti que diminuiu a vantagem para 4 a 2. Minutos depois, contudo, sofreu uma lesão que o tiraria do jogo de volta.
Quase um mês depois, as duas equipes se preparavam para o jogo de volta no Brasil. O Santos costumava mandar suas partidas no Pacaembu, mas naquela ocasião o presidente santista, Athié Jorge Cury, optou por disputar o confronto no Maracanã, mesmo palco da final da Libertadores. Naquele tempo, o alvinegro praiano era o time a ser batido, e por conta dos inúmeros espetáculos dentro de campo, tinha caído nas graças da torcida carioca.
O elenco do Milan desembarcou no Rio de Janeiro com a confiança em alta e um cenário bastante favorável. Além da vantagem de dois gols, enfrentaria o Santos desfalcado de Pelé, Zito e Calvet. Lula estava sem suas estrelas, por isso teve que escalar Almir Pernambuquinho, Ismael – improvisado na lateral direita – e Haroldo, enquanto o argentino Luis Carniglia pode contar com os mesmos onze que haviam triunfado na Lombardia. Ex-atacante do Boca Juniors, o técnico sabia como era jogar no Brasil. E o Maraca recebeu mais de 132 mil torcedores em suas arquibancadas.
Quando a bola começou a rolar, o alvinegro praiano nitidamente sentia a ausência dos desfalques. Foi facilmente dominado pelo Milan, que abriu 1 a 0 com Altafini e ampliou com Mora, em um lance de apagão total da defesa santista. O placar parecia definido quando as equipes foram para o vestiário, afinal o Milan seria campeão mesmo se sofresse dois gols no segundo tempo. O que parecia improvável, já que os visitantes aplicavam muito bem o catenaccio.
Improvável, mas não impossível. Tanto é que o Peixe reverteu o placar. “Estávamos perdendo por 2 a 0 no Rio e só restavam 45 minutos. O Lula fez uma preleção curta no intervalo, mas começou a cair um temporal. Nós aproveitamos o campo alagado, com meu chute forte, e fizemos os quatro gols, principalmente em batidas de fora da área. Foi uma chuva divina”, relembrou Pepe numa matéria exibida pela ESPN Brasil. A virada alvinegra naquela noite forçava a decisão em um terceiro jogo, disputado no dia 16 de novembro, dois dias depois da vitória santista.
O terceiro e último capítulo da decisão foi marcado pelas polêmicas. A começar pelo clima que antecedeu ao jogo. O Milan ameaçava não ir a campo se o árbitro Juan Brozzi apitasse novamente: os milanistas alegaram que o argentino havia favorecido o Santos no segundo jogo. A federação decidiu escalar Brozzi e alertou os italianos que em caso de renúncia, o time brasileiro venceria por WO. O Diavolo, então, acabou voltando ao campo do Maracanã.
A partida foi marcada por reclamações, nervosismo dos dois lados e por um grande número de faltas, o que atrapalhou a fluidez do jogo em vários momentos. Sem Pelé em campo, o lance capital da partida foi protagonizado por Almir, seu substituto. Justo o polêmico Pernambuquinho, que passara pela Itália entre 1962 e 1963, sem sucesso algum por Fiorentina e Genoa. O mesmo jogador que confessou, anos depois, que teria atuado dopado por um estimulante conhecido como “bolinha”.
Almir também garantia que Nicolau Moran, vice-presidente do Santos, lhe afirmou que o árbitro Brozzi não iria coibir a violência santista. O próprio camisa 10 brasileiro começou entrando forte em Amarildo: ele havia nutrido uma raiva incomum do rossonero, por conta de supostos comentários que diminuíam Pelé, seu ídolo. Os mexericos não correspondiam à realidade, como mostram as fotos entre os dois bicampeões mundiais, mas Almir não queria saber. O pernambucano também tirou o goleiro Luigi Balzarini do jogo ao lhe dar um chute na cabeça, numa dividida, e ainda cavou a penalidade que mudou o rumo da decisão.
“Lima fez um cruzamento alto. Eu estava mais ou menos ali pela marca do pênalti. Ia chegar um pouco atrasado na bola, mas tinha de tentar, tinha de acreditar em mim. Vi quando Maldini, desesperado, levantou o pé, tentando cortar o lançamento. Eu tinha de dar tudo ali naquele lance: meter a cabeça para levar um pontapé de Maldini, correr o risco de uma contusão grave, ficar cego, até mesmo morrer, porque o italiano vinha com vontade. Agora era ele ou eu. Meti a cabeça. Maldini enfiou o pé, eu rolei de dor pelo chão. O argentino não conversou: pênalti”, descreve Almir, no livro Eu e o Futebol.
O lance gerou um enorme tumulto em campo, que durou quase 10 minutos. Além dos jogadores, do árbitro e das comissões técnicas, repórteres e até policiais acabaram tomando o gramado. Na briga, Maldini deu uma voadora num santista e acabou sendo expulso, o que causou inúmeras reclamações do lado milanista, a ponto de fazer Carniglia querer retirar seus jogadores do campo. Contudo, os dirigentes do Diavolo o fizeram mudar de ideia.
O pênalti, porém, ainda seria cobrado. E, da marca da cal, Dalmo estufou as redes, marcando o primeiro e único gol daquela partida. A partida prosseguiu e, nos últimos instantes do segundo tempo, um desentendimento entre Amarildo e Ismael resultou na expulsão do santista, que deu uma cabeçada no adversário.
No fim das contas, o gol de Dalmo deu o troféu à equipe brasileira, já que o 1 a 0 não saiu do placar. O alvinegro praiano derrotou o time mais forte da Itália à época e se sagrou bicampeão da Copa Intercontinental, no Maracanã. O Milan voltaria a disputar a competição – e vencê-la – em 1969. A esta altura, o árbitro Juan Brozzi já estava aposentado e cuidava da luxuosa loja de flores e artigos para jardinagem que abriu em Buenos Aires pouco após o Mundial.
Milan 4-2 Santos (jogo 1)
Milan: Ghezzi; David, Trebbi, Pelagalli, Maldini; Trapattoni, Rivera, Lodetti; Mora, Altafini, Amarildo. Técnico: Luis Carniglia.
Santos: Gilmar; Lima, Haroldo, Calvet, Geraldino; Zito, Mengálvio; Dorval, Coutinho, Pelé, Pepe. Técnico: Lula.
Gols: Trapattoni (3′), Amarildo (15′ e 67′) e Mora (82′); Pelé (55′ e 84′)
Local e data: estádio San Siro, em Milão (Itália), em 16 de outubro de 1963
Árbitro: Alfred Haberfellner (Áustria)
Santos 4-2 Milan (jogo 2)
Santos: Gilmar; Ismael, Mauro, Haroldo, Dalmo; Lima, Mengálvio; Dorval, Coutinho, Almir, Pepe. Técnico: Lula.
Milan: Ghezzi; David, Trebbi, Pelagalli, Maldini; Trapattoni, Rivera, Lodetti; Mora, Altafini, Amarildo. Técnico: Luis Carniglia.
Gols: Pepe (50′ e 68′), Almir (54′) e Lima (65′); Altafini (12′) e Mora (17′)
Local e data: Maracanã, no Rio de Janeiro (Brasil), em 14 de novembro de 1963
Árbitro: Juan Brozzi (Argentina)
Santos 1-0 Milan (jogo 3)
Santos: Gilmar; Ismael, Mauro, Haroldo, Dalmo; Lima, Mengálvio; Dorval, Coutinho, Almir, Pepe. Técnico: Lula.
Milan: Balzarini (Barluzzi); Benítez, Trebbi, Pelagalli, Maldini; Trapattoni, Lodetti, Fortunato; Mora, Altafini, Amarildo. Técnico: Luis Carniglia.
Gol: Dalmo (31′)
Expulsões: Ismael; Maldini.
Local e data: Maracanã, no Rio de Janeiro (Brasil), em 16 de novembro de 1963
Árbitro: Juan Brozzi (Argentina)