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O scudetto da Sardenha

No dia 12 de abril de 1970, há pouco mais de 40 anos, o Cagliari se sagrava como a primeira e, até hoje, única equipe de uma região insular a ser campeã da Itália. O feito da equipe treinada por Manlio Scopigno e comandada por Luigi Riva é ainda maior se considerarmos o título da Serie A chegou após apenas cinco anos da estreia rossoblù na elite do futebol italiano.

Na temporada anterior, os sardos já haviam surpreendido ao conseguir o segundo lugar, ficando logo atrás da Fiorentina, graças a boa dupla de ataque formada por Riva, que se tornava um temível atacante, e Roberto Boninsegna. Até então, era apenas a segunda vez na história que um clube de fora da região norte da Itália vencia o título, já que a Roma tinha conseguido o feito antes, em 1942. O fato levou o capitão Gigi Riva a declarar que foi uma grande resposta a sociedade italiana, que acreditava que só existiam “agricultores e bandidos” na ilha.

Curiosamente, existe alguma ligação do título cagliaritano com a Inter de Angelo Moratti e Giacinto Facchetti, que dominava o futebol italiano na década de 60. Moratti havia vendido o clube para o empresário Ivanoe Fraizzoli e, torcedor cagliaritano que era, ajudou o clube financeiramente com verba da Saras, empresa de propriedade da família e especializada na extração de petróleo, que fica localizada na Sardenha. Além disso, o ex-presidente da Beneamata ajudou em uma negociação que seria tão fundamental ao título sardo quanto Gigi Riva: Roberto Boninsegna, atacante da equipe rossoblù nos últimos anos foi para a Inter, que envolveu o ala tornante Angelo Domenghini e o centroavante Sergio Gori na negociação.

Dentro de campo, o Cagliari já começou voando na competição: quatro vitórias em cinco partidas, contando sempre com os gols e atuações de Riva e Domenghini. Dentre estas vitórias, a mais comemorada foi certamente a vitória fora de casa contra a Fiorentina de Amarildo e Mario Maraschi. O gol de Riva, cobrando pênalti, foi essencial para que o time assumisse a liderança e ultrapassasse a concorrente direta na disputa pelo título. Nos jogos seguintes, mais drama para os rossoblù: um empate em casa contra a forte Inter de Heriberto Herrera (sem qualquer ligação com o histórico Helenio Herrera) e uma partida vencida no San Paolo sobre o Napoli de José Altafini e Dino Zoff graças a doppietta de um Riva com febre de 40 graus.

Depois de um período de ouro, o Cagliari atravessou um período pobre. A vitória contra a Roma de Helenio Herrera foi a última partida boa daquele ano de 1969, que começava a ficar preocupante graças a um empate ruim contra a Juventus em casa, no estádio Amsicora. O Cagliari se apequenara contra uma Juve que estava mal na tabela e levou o empate nos minutos finais graças ao gol de Antonello Cuccureddu – ironicamente, o único sardo em campo. Sem Riva para a partida contra o Verona, os rossoblù ficaram no empate e só reencontraram a vitória jogando mal mas passando pelo bom Bologna, graças ao solitário gol de seu capitão. A visita a Palermo, na rodada seguinte, marcou a primeira derrota do time na temporada e ainda valeu a suspensão do técnico Scopigno até o fim do campeonato, por ofender um bandeirinha.

Com a suspensão de seu treinador, o Cagliari tentou buscar forças para superar o mau momento. Essenciais para isto foram o goleiro Enrico Albertosi, os defensores Mario Martirandonna e Giulio Zignoli, além de Pierluigi Cera, Comunardo Niccolai e Giuseppe Tomasini, que seguraram as pontas nos maus momentos e chegaram ao fim da temporada com apenas 11 gols sofridos, alcançando um recorde que não foi batido até hoje, o de defesa menos vazada na história da Serie A. O empate contra o Milan e mais um reencontro com a vitória – após bater o Torino – deram o título de campeão de inverno ao time da Sardenha, que permanecia com três pontos de vantagem sobre Inter, Juventus e Fiorentina.

O título simbólico reanimou a equipe, que trucidou a Sampdoria e depois venceu o Vicenza, com mais uma doppietta de Riva; esta, histórica: um lindo gol de bicicleta entrou para a história do campeonato italiano. Outras duas vitórias tranquilas contra Brescia e Lazio vieram na sequência, antes do empate contra a Fiorentina, em casa, e da derrota para a Inter no San Siro, com gol do ex Boninsegna. A derrota cagliaritana no campeonato colocou a Juventus com reais chances de ultrapassagem, um ponto atrás. Porém, os líderes não perderam mais na temporada e ainda contaram com a ajuda interista mais uma vez, que segurou os bianconeri com um empate antes do confronto direto entre as duas equipes.

Em uma Turim chuvosa, a Juventus saiu na frente graças a um gol contra de Niccolai, mas empatou ainda no primeiro tempo com um gol de cabeça de Riva. No segundo tempo, o Cagliari controlava bem o ritmo do jogo, até que o árbitro Lo Bello assinalou pênalti para a Velha Senhora. Haller bateu e Albertosi defendeu, só que o juiz ordenou nova cobrança, o que levou o goleiro sardo às lágrimas. Na segunda cobrança, Anastasi colocou a Juventus em vantagem. Quando o jogo estava próximo de acabar, Riva sofreu pênalti. Ele mesmo cobrou e, por muito pouco, assinalou mais uma doppietta, a mais importante de sua carreira. O resultado manteve o Cagliari na liderança e afastou a Juve, a cinco rodadas para o fim.

Dali para frente, os sardos só fizeram administrar, contando sempre com Riva e Nenê, enquanto a Juventus tropeçara contra a Fiorentina e praticamente tinha ficado fora da briga pelo título. No dia 12 de abril, a Juventus perdera para a Lazio e o Cagliari precisava apenas vencer o Bari para ficar com o inédito título, aguardado por quase toda a Itália – que nutria grande simpatia pelo futebol apresentado pelos sardos. Os pugliesi brigavam contra um rebaixamento quase certo, mas mesmo assim ergueram uma muralha antes de sua área. Porém, Riva a ultrapassou ainda no primeiro tempo e Gori, em contra-ataque no fim do segundo tempo rebaixaram os biancorossi e confirmaram o título do Cagliari.

Ao término da temporada, Riva foi o segundo colocado no prêmio Bola de Ouro e também sagrou-se artilheiro da Serie A pela terceira vez em sua carreira. Aquele time histórico ainda renderia frutos para a seleção italiana, que iria para a Copa do México com Albertosi, Cera, Niccolai, Domenghini, Gori e Riva em seu grupo. Uma pena que a comemoração de um momento tão importante da história sarda esteja marcada pela desmedida impaciência de um dirigente falastrão e a demissão de um ótimo técnico como Massimiliano Allegri.

Time-base: Albertosi; Martirandonna, Zignoli; Cera, Niccolai, Tomasini (Brugnera); Domenghini, Nenê, Gori, Greatti, Riva.
Técnico: Manlio Scopigno.

Aos que desejarem se aprofundar no assunto e souberem italiano, recomendamos ler o ótimo texto de La Posta del Gufo ou o site dedicado ao título do time. Vale também assistir a um documentário que foi transmitido pela RAI. Parte 1 | Parte 2 | Parte 3 | Parte 4.

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