Liga dos Campeões

O experimento Ronaldo: custoso até o fim

Se tem cheiro de rotina, tem cara de rotina e parece rotina, rotina é. A eliminação precoce de uma Juventus liderada por Cristiano Ronaldo para um Porto aguerrido e extremamente competente foi mais uma amostra de subsequentes decisões questionáveis de uma diretoria que procura um troféu inédito sem saber muito bem como chegar a esse objetivo. Sabe, contudo, que apostou quase todas as fichas no português para consegui-lo.

Escrevemos algumas vezes sobre como a Juve tem abordado a Champions League desde o ínterim das finais de 2015 e 2017: oficialmente, a diretoria fala em entrar na competição não para ganhar, mas para competir em alto nível. Claro que, do ponto de vista semântico, é isso o que o corpo diretivo precisa fazer: investir para que o time, em campo, continue o trabalho. E já escrevemos também que, de forma prática, a contratação de Cristiano Ronaldo enterra esse discurso.

Depois da partida, Alessandro Del Piero comentou na transmissão da Sky que “precisa acontecer uma reação; algo precisa mudar”. Andrea Pirlo, na entrevista pós-jogo, comentou que “a ideia é de um novo projeto, mais amplo” e que permanece “sereno” no trabalho atual. Desta segunda fala, a palavra-chave parece ser “amplo”.

As discussões que envolvem a Juventus têm muitos centros. O técnico ainda inexperiente é um destes, sobretudo sobre as escolhas durante as partidas. Por que McKennie não começou contra o Porto? Por que entrar com Bernardeschi enquanto Chiesa ainda tinha fôlego? Por que manter linhas altas e sofrer no contra-ataque? A derrota agregada em Turim teve um enredo bastante similar ao do jogo anterior, contra a Lazio: pressão alta logo no início, erro de passe para que o adversário saia na frente e virada condicionada à desvantagem numérica do rival – no caso portista, a expulsão de Taremi; no laziale, a entrada do nulo lateral Patric.

As informações do Understat mostram um comportamento bastante interessante desse estilo de jogo: na Serie A, a Juve é o time com o menor número de gols sofridos esperados (xGA), e tem inícios (até 15 minutos do primeiro tempo) com o menor volume de gols esperados (xG), nos quais permite as maiores chances dos adversários. O confronto ante o Porto foi inteiramente condicionado àquela jogada de Bentancur, que entregou o primeiro tento a Taremi ainda aos 2 minutos no Estádio do Dragão.

Ronaldo e Pirlo: o que não está funcionando na Juventus da dupla? (LaPresse)

Pirlo já disse que não vai abrir mão desta maneira de jogar porque é assim que ele enxerga o jogo. Quando a circulação é eficiente e os jogadores concretizam bem, vitórias contra Crotone e Spezia. Quando a circulação fica comprometida e os atletas falham na frente do gol, empate em Verona e derrota em Nápoles. Quando as repetições de treino são mal executadas contra uma equipe bem posicionada em mata-mata, as chances de avanço diminuem consideravelmente.

Ainda que os minutos finais em Turim tenham sido na tática “suba-para-o-ataque-e-vamos-ver-se-algo-acontece”, a participação de Ronaldo nos jogos contra os portugueses foi melancólica a ponto de mais atrapalhar que ajudar a equipe rumo à classificação agregada. Sim, a equipe não foi tão parceira dele, acionando-o pouco em lances-chave, mas a Juventus só ganhou sobrevida nessas oitavas porque Chiesa assumiu uma responsabilidade inimaginável como um jogador recém-integrado ao elenco e como goleador decisivo mesmo sendo um finalizador irregular. O principal evento de Ronaldo no Allianz Stadium foi virar-se de costas antes mesmo de Sérgio Oliveira bater na bola para classificar o Porto.

O que fica de Cristiano em três eliminatórias pela Juve foram todos os gols nos mata-matas de 2019 e 2020, incluindo uma tripletta para derrubar o Atlético de Madrid. Mas também três eliminações para clubes de folhas muito mais baixas – Ajax, Lyon e Porto. Sequer disputou uma semifinal e, junto com o time, amargou duas quedas ainda nas oitavas de final.

A máquina não para. Ronaldo não vai durar para sempre, e desde o primeiro momento em que a sua chegada a Turim se concretizou, havia a incerteza de renovação futura. Pois trazê-lo do Real Madrid aos 33 anos exigia um planejamento de curto prazo para aproveitá-lo ao máximo. A Juventus escolheu se endividar ao bancar 357 milhões de euros por CR7 num momento que os Agnelli alegavam ser de austeridade. A dissonância entre discurso e prática irritou milhares de trabalhadores da Fiat, gigante automobilística controlada pela família: os operários chegaram a fazer greve em protesto pelo excesso de recursos direcionados ao futebol em contraste ao veto a melhorias salariais e outras demandas.

Houve, claro, mais atritos. As contratações de Bonucci, Rabiot e Ramsey, em paralelo às saídas de João Cancelo e Pjanic para equilibrar as contas com o Fair Play Financeiro, contribuíram para dificultar o processo de construção de alicerce para quem quer que fosse escolhido como técnico do time. Assim como a falha para encontrar definições rápidas e satisfatórias para Higuaín e Khedira.

Será tarde demais para Cristiano ganhar a Champions League pela Juventus? (Insidefoto)

Max Allegri precisou repaginar a equipe durante quatro anos porque sempre houve mudanças na espinha dorsal alvinegra. Eis que a Juventus deu a Maurizio Sarri a equipe montada para Allegri sabendo como o ex-técnico do Napoli pensa o jogo e quais são as suas proposições em campo. Por fim, Pirlo caminha para a mesma situação, querendo estabelecer-se no terreno do adversário com um plantel que não possibilita a execução perfeita dos conceitos necessários para tal, tampouco tem físico para recomposição rápida e eficaz.

O problema da Juventus ainda está longe de um fim, pois o futuro do clube passa pelo próprio Ronaldo, artilheiro da edição atual do campeonato nacional com 20 gols – 12 contra os times da metade inferior da tabela e apenas quatro contra os times da zona europeia, sendo três ante a Roma. Mas essa experiência que levou o clube aos últimos dois scudetti não apresenta sinergia entre ele e o seu entorno – os outros jogadores, o corpo técnico e a cúpula bianconera. Fabio Paratici tem errado na mesma proporção que o antecessor Giuseppe Marotta acertou, enquanto Andrea Agnelli tem pesadelos com Atalantas e Portos chegando mais longe do que o próprio clube na Champions League, sua grande obsessão.

A Serie A ainda está em jogo e a Juve também tem a decisão da Coppa Italia pela frente. Pode ser que o tal projeto “amplo” de Pirlo resida ou comece nesse propósito. Alguns críticos comentaram no início da temporada que a ideia do clube era “perder hoje para ganhar bonito amanhã”. Só que o tempo voa e ganhar bonito amanhã pode ser tarde demais para a união entre Juventus e Ronaldo.

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