Perguntas muito comuns para as pessoas que já eram nascidas em 11 de setembro de 2001 são as seguintes: onde você estava ou o que estava fazendo quando soube que os Estados Unidos estavam sendo alvo de um ataque terrorista de grandes proporções? Na Itália, várias vão responder que estavam se preparando para assistir a partidas dos seus times pela Liga dos Campeões – e que viram esses jogos, porque eles aconteceram. Não se fala muito desse assunto, que é um esqueleto no armário da Uefa, mas o fato é que, contrariando quaisquer recomendações de empatia e segurança dos nossos tempos, a entidade permitiu que parte da primeira rodada da Champions League fosse realizada, com Roma e Lazio indo a campo.
Se você tem conhecimento do que ocorreu naquele 11 de setembro, siga para o próximo parágrafo – aqui, vamos contar o que houve, para quem eventualmente não souber. Resumidamente, terroristas do grupo fundamentalista islâmico Al-Qaeda, liderados por Osama bin Laden e Khalid Sheikh Mohammed, sequestraram quatro aviões em pleno voo. Dois deles foram lançados contra as Torres Gêmeas do World Trade Center, símbolo do poder econômico norte-americano, em Nova York, que vieram abaixo pouco após os impactos; outro foi atirado no Pentágono, ícone do poder militar do país, na Virgínia. A quarta aeronave teria como destino provável o Capitólio, parlamento estadunidense, mas foi projetada ao solo pelos sequestradores numa área rural da Pensilvânia, durante um motim de passageiros. Naquele episódio que chocou o planeta e mudou o curso da história, morreram quase 3 mil pessoas, de cerca de 70 países diferentes, e se feriram pelo menos 6,2 mil.
Era uma situação nova no mundo: um ataque terrorista de tais proporções nunca havia sido registrado e o horror jamais tinha se materializado em transmissão ao vivo para centenas de países. Nenhum grupo assumiu a autoria do ato de imediato – o próprio Bin Laden negou seu envolvimento até 2004, quando os Estados Unidos já tinham disparado uma resposta sangrenta e aprofundado conflitos, levando a cabo as invasões ao Iraque e ao Afeganistão. Além do choque causado pela tragédia, uma sensação de pânico se espalhou pelo globo, já que ninguém poderia prever o que ia ocorrer em seguida. A bolsa de valores de Nova York ficou fechada por quase uma semana, assim como o espaço aéreo do país e diversos pontos turísticos. A insegurança fez com que cancelamentos e evacuações ocorressem também em outras partes do planeta. E a Uefa? O que faria com sua principal competição?
Horas de incerteza
Na Europa Central, após o desmoronamento da segunda torre do World Trade Center, a noite já estava próxima – eram 10h28 em Nova York e 16h28 em Roma. A Uefa, então, passou a entrar em contato com as federações dos países que sediariam partidas da primeira rodada da Liga dos Campeões, mas sem uma resposta definitiva. Gerhard Aigner, secretário-geral da mais alta autoridade do futebol europeu, tentou dialogar com chefes de governo da União Europeia e com Joseph Blatter, presidente da Fifa. No fim das contas, só passou a responsabilidade adiante: eventuais adiamentos de jogos dependeriam das autoridades de segurança de cada nação.
Lavar as mãos não era novidade para a Uefa e, portanto, a decisão não surpreendia. A mesma entidade, 16 anos antes, em 1985, atuou para levar adiante uma final de Copa dos Campeões num estádio em que 39 pessoas morreram pisoteadas antes de a bola rolar – e sem comunicar o ocorrido às delegações de Juventus e Liverpool, que disputaram um troféu sem saber que estavam desonrando os mortos na Tragédia de Heysel. O primeiro título da Juventus na competição foi tristemente comemorado e, posteriormente, dedicado aos falecidos (32 deles, italianos).
A Juventus, a propósito, treinava em Portugal, onde enfrentaria o Porto no dia seguinte. Durante os últimos ajustes para a partida, um tenso Alessandro Del Piero chegou a chamar a atenção dos companheiros, distraídos pelas imagens de Nova York. Mas era impossível focar em futebol e o destino tratou de mostrar isso horas depois.
A delegação italiana estava hospedada no Porto Palácio Hotel, que é vizinho a um prédio de nome World Trade Center. No fim da tarde, sob o ecoar do alarme, foi dada, pelo sistema de som da propriedade, a ordem de evacuação do edifício. A polícia recebera uma denúncia de bomba plantada na edificação homônima àquela norte-americana. Segundo o jornal La Repubblica, o primeiro a descer foi justamente Del Piero, com as malas prontas. Depois de muita espera, o último a sair foi o cartola Graziano Galletti, que só deixou seu quarto após a chegada dos bombeiros – ele achava que se tratava de uma brincadeira de Luciano Moggi. Nessa, Lucky Luciano era inocente: o trote foi de outro engraçadinho, já que não havia qualquer explosivo no local.
O tempo passava e, na Itália, ninguém decidia o que fazer com o duelo entre Roma e Real Madrid – o único do dia em solo italiano. Enquanto isso, às 18 horas, no horário da Europa Central, a bola rolou para o embate entre Lokomotiv Moscou e Anderlecht, pelo mesmo grupo em que estavam giallorossi e blancos, o A. Franco Carraro, presidente da FIGC, escreveu para a Uefa, advogando pelo adiamento. Franco Sensi, proprietário da agremiação romana, informou às autoridades locais que preferia que sua equipe não entrasse em campo.
Por outro lado, Gianni Petrucci, máximo dirigente do CONI, o Comitê Olímpico Italiano, responsável pelo estádio Olímpico, se colocou ao lado da polícia romana, temerosa de graves incidentes na capital em caso de adiamento da partida e evacuação da praça esportiva, que já recebia algum público – as forças de segurança não acreditavam que outros atentados poderiam ocorrer. Em paralelo, pelas ruas da Cidade Eterna, cambistas tentavam vender ingressos a preço de custo, na busca por amortizar potenciais prejuízos. A rival da Roma também estava apreensiva: em Istambul, a delegação da Lazio aguardava a decisão das autoridades turcas para saber se o duelo com o Galatasaray, válido pelo Grupo D, seria realizado.
No fim das contas, aqueles que pleitearam pela realização do jogo na capital italiana foram os vitoriosos da jornada. A bola rolaria, com minuto de silêncio em homenagem às vítimas dos atentados, e mais de 70 mil presentes nas arquibancadas, o que levava a crer que estes não tinham medo de novos ataques, como tantos espalhados pelo planeta. A maciça ocupação do Olímpico não tinha relação apenas com a importância da partida – estreia da Roma, recém-campeã da Serie A, na fase moderna da Champions League, eliminando 18 anos de ausência do maior torneio europeu de clubes, e logo em duelo inédito contra o Real Madrid, vencedor de La Liga. É que, para conseguirem os ingressos, muitos torcedores chegaram a passar cerca de 10 horas em filas. Assim, a arena era quase toda giallorossa, com poucos ultras madrilenhos fazendo figuração.
Em Istambul, a decisão foi a mesma tomada em Roma. Galatasaray e Lazio entraram em campo, mas diante de menos de um baixo número baixo para os padrões de paixão futebolística vigentes na Turquia. Apenas 14 mil compareceram ao estádio Ali Sami Yen – pouco mais de 60% da capacidade da praça esportiva, que tinha bandeiras em sua fachada estendidas a meio mastro, em sinal de luto.
Às 20h45, no horário da Europa Central, antes de os jogos começarem, foi prestado um minuto de silêncio em respeito às vítimas. Num Olímpico pulsante, os presentes cantaram o hino italiano e aplaudiram os mortos. No Ali Sami Yen, o momento foi vaiado pelos presentes – tal manifestação de deferência aos falecidos não integra os ensinamentos da Suna, ou seja, as tradições do profeta Maomé e, portanto, não é bem aceita pelos sunitas, que são maioria na Turquia.
A bola rola no Olímpico
Embora, consternado pela tragédia, Carlo Zampa, então locutor da Roma, tenha apresentado a escalação giallorossa de forma sóbria, bem distante da habitual e exagerada exaltação, o clima no Olímpico era o de uma noite qualquer. A torcida cantou “Roma Roma”, de Antonello Venditti, a cappella, porque o sistema de som do estádio não a tocou, como sempre. E seguiu adiante com outras canções, enquanto os jogadores vibravam com cortes e demais jogadas. Não parecia que o mundo havia mudado horas antes – das normas de segurança aeroportuária à ebulição de vários sangrentos conflitos pelo mundo, passando pelo vigilantismo e pela islamofobia. Todos pareciam anestesiados pelo primeiro duelo oficial entre os giallorossi, ausentes da competição por 18 anos, e o Real Madrid.
Não era qualquer Real Madrid, aliás. Eram os galácticos de Vicente del Bosque, com Iker Casillas, Fernando Hierro, Roberto Carlos, Claude Makélélé, Luís Figo, Raúl e coadjuvantes como Guti e o brasileiro Flávio Conceição. Um time que deveria ter o recém-contratado Zinédine Zidane, adquirido junto à Juventus pela quantia recorde de 150 bilhões de velhas liras – equivalente à 76 milhões de euros. Porém, o craque francês cumpria suspensão de cinco partidas, recebida ainda na temporada anterior, por conta de uma cabeçada em Jochen Kientz, do Hamburgo. Pois é, aquela testada sobre Marco Materazzi, na final da Copa do Mundo de 2006, não foi a primeira.
A Roma, por outro lado, também era fortíssima. Treinada por Fabio Capello, a detentora do scudetto contava com Walter Samuel, Vincent Candela, Antonio Cassano, Vincenzo Montella, Gabriel Batistuta, Abel Balbo, obviamente Francesco Totti e muitos brasileiros – Cafu, Antônio Carlos, Marcos Assunção, Emerson e Lima. Apesar disso, os giallorossi não haviam começado bem a temporada 2001-02. Tinham batido a Fiorentina na Supercopa Italiana, mas empatado nas duas primeiras rodadas da Serie A, com Verona e Udinese. O Real Madrid vinha ainda pior: também ganhara a Supercopa da Espanha, superando o Zaragoza, porém somava uma derrota para o Valencia e um empate com o Málaga.
No início, a Roma tinha o domínio das ações, buscando jogo quase sempre através de Totti e dos constantes avanços de Cafu – pela direita, o brasileiro tentava explorar os espaços nas costas do compatriota Roberto Carlos. Porém, tanto Montella quanto Batistuta pareciam isolados do duelo devido ao modelo de futebol proposto por Capello, com muitas bolas longas e cruzamentos. Aliás, foi numa pelota alçada à área por Assunção que Totti, de cabeça, quase abriu o placar.
Com o passar do tempo, a Roma passou a ser dominada pelas trocas de passes de um Real Madrid escalado num 4-4-2 clássico, mas de mobilidade pelas pontas – Figo e Steve McManaman alternavam os lados – e no ataque, onde Raúl e Guti buscavam confundir a defesa giallorossa. Aos 30 minutos, aliás, uma jogada envolvente entre os dois espanhóis quase levou ao primeiro gol: Raúl recebeu do colega, driblou o arqueiro Ivan Pelizzoli e teve seu chute cortado por Antônio Carlos quase em cima da linha. Perto do intervalo, foi a vez de Guti desperdiçar chance inacreditável, após roubar a bola de Candela no meio-campo, partir sozinho rumo à baliza adversária e arrematar para fora.
Capello voltou do intervalo com Lima no lugar de Montella, no intuito de tentar equilibrar os duelos no meio-campo. Porém, com cinco minutos de bola rolando, sua estratégia foi por água abaixo. Antônio Carlos cometeu falta sobre Raúl na intermediária e Figo cobrou com perfeição, abrindo o placar. O português comemorou o gol normalmente, como se aquela noite fosse outra qualquer.
O próprio lusitano voltaria a ter um arremate bem defendido por Pelizzoli pouco depois e, aos 63, serviu de garçom ao cruzar na medida para Guti, sozinho na área, cabecear para as redes e ampliar para o Real Madrid. Se a celebração de Figo parecia fora do tom, a do espanhol foi ainda mais efusiva, com direito a camisa colocada na cabeça.
Àquela altura, Capello já havia tentado recompor o ataque com a entrada de Cassano no lugar de Marcos Assunção. Aos 73, Totti encontrou um lindo passe para a ultrapassagem de Jonathan Zebina, que terminou derrubado na área por Aitor Karanka. Deixando Casillas paralisado, o camisa 10 converteu a penalidade marcada por Graham Poll e reabriu a partida.
Empolgada pelo tento, a Roma partiu para cima e, de imediato, Cassano perdeu uma chance na pequena área. Depois, Casillas efetuou uma ótima intervenção em cobrança de falta de Batistuta e Abel Balbo, que substituíra Cafu, acertou o travessão aos 85 minutos. Do outro lado, Roberto Carlos encontrou Raúl com cruzamento na medida e o 3 a 1 só não saiu porque Pelizzoli efetuou defesaça na conclusão do espanhol. A última oportunidade do jogo seria da equipe italiana e, novamente, o arqueiro merengue levaria a melhor no duelo com Batigol: no mano a mano, usou o peito para defender a cavadinha do argentino, já nos acréscimos, e garantiu o triunfo dos visitantes.
Coisas turcas
Em italiano, a expressão “cose turche” – ou “coisas turcas”, em português –, com o perdão do seu peso pejorativo, é utilizada para descrever situações inimagináveis, que escandalizam a moral e o senso comum. Bom, jogar futebol horas depois de um atentado terrorista que vitimou milhares de pessoas de dezenas de países diferentes certamente se encaixaria nessa acepção. Em Istambul, maior cidade da Turquia, Galatasaray e Lazio duelavam simultaneamente a Roma e Real Madrid.
O Galatasaray vivia o seu melhor momento em nível internacional, com boas participações nos torneios europeus e os títulos da Copa Uefa e da Supercopa Uefa de 2000, conquistados sobre Liverpool e Real Madrid, respectivamente. O time de 2001-02 era treinado por Mircea Lucescu e tinha nomes como Faryd Mondragón, Bülent Korkmaz, Ümit Davala, Hasan Sas e o brasileiro Capone.
A Lazio, por sua vez, se aproximava do ocaso de sua era dourada e apresentava problemas financeiros. Sob o comando de Dino Zoff, ainda contava com muitos craques e bons jogadores, como Angelo Peruzzi, Alessandro Nesta, Giuseppe Favalli, Fernando Couto, Jaap Stam, César, Diego Simeone, Stefano Fiore, Dejan Stankovic, Claudio López e Hernán Crespo, mas isso estava perto de acabar – já ao final daquela temporada, várias peças importantes deixariam Formello.
Apesar de os dois times terem jogadores expressivos, a partida não foi boa e careceu de técnica. O primeiro tempo foi maçante, repleto de erros de passes, balões e pouquíssima criatividade. As melhores chances surgiram em chutes de fora da área, como o de Stam, desviado em escanteio por Mondragón, e o de Suat Kaya, que assustou Peruzzi.
Logo no retorno do intervalo, a Lazio teve uma chance inacreditável de passar à frente do placar quando uma bola espirrada ficou à feição de Gaizka Mendieta, cara a cara com Mondragón. Porém, o espanhol desperdiçou a oportunidade ao arrematar sobre o arqueiro colombiano – dando um indício do fracasso que experimentaria na equipe romana. Stankovic substituiu o meia e rapidamente puxou um bom contragolpe, deixando Crespo em condições de finalizar. Entretanto, o argentino deu azar e carimbou o pé da trave. Os dois voltariam a dialogar, dessa vez pelo flanco direito e, novamente, Valdanito acertou o poste.
A Lazio seria punida na reta final da peleja – quando Stam, amarelado, até escapou de ser expulso pela insistência em faltas duras. Aos 79 minutos, Sergen Yalçin puxou contra-ataque, ganhando de Nesta, e, no momento em que o beque holandês tentou dobrar a marcação, ajeitou para Ümit Karan. Tranquilo, o atacante só bateu na saída de Peruzzi e definiu o placar, para o delírio da torcida turca, que não parou de cantar durante o jogo.
A noite também terminou em festa para Ümit Davala: o meia se despedia do Galatasaray e rumava ao Milan, onde se reuniria com o técnico Fatih Terim. O jogador foi homenageado ao apito final e deixou o gramado com um chapelão amarelo e vermelho, dado por torcedores. Uma cena bem insólita num dia lembrado para sempre pelas imagens de aviões se chocando com as Torres Gêmeas, de muito fogo e fumaça sobre Manhattan e de pessoas se atirando pelas janelas do World Trade Center antes de seu desabamento.
As reações ao absurdo
Logo após o fim das partidas, surgiram as primeiras declarações públicas de pessoas do mundo do esporte que estava contrariada pela sua realização num dia como aquele, ainda que muita gente ainda não tivesse a exata noção do quanto a vida em sociedade mudaria dali em diante. Capello afirmou que a delegação da Roma havia passado a tarde em frente à televisão e que isso pode ter atrapalhado – embora tenha descartado álibis para a derrota. Totti, por sua vez, disse que “tinha certeza” de que não haveria jogo. Já o presidente Sensi declarou que “uma tragédia dessas merecia levar à interrupção no futebol”. Em seguida, anunciou a contratação de Christian Panucci, mostrando que talvez nem ele mesmo tivesse tanta fé em suas próprias palavras.
Algumas avaliações mais duras sobre a insensibilidade da Uefa partiram de colunistas de jornais, como La Repubblica, Gazzetta dello Sport e l’Unità – este último, inclusive, relembrou a Tragédia de Heysel em suas páginas. Ex-atletas também repudiaram a entidade e defenderam que todos os jogos tinham que ter sido adiados. Para o ex-zagueiro, técnico e comentarista Aldo Agroppi, a decisão de manter os jogos foi “absurda e incompreensível”.
Luigi Riva, maior artilheiro da seleção italiana e, então, seu chefe de delegação, foi mais enfático. “Este é um evento com implicações globais e não deve ser encarado com um minuto de silêncio. Isso ocorre quando se respeita o luto de um treinador, de um ex-jogador. Agora, isso é uma outra coisa. Infelizmente muito mais séria”, criticou.
Azeglio Vicini, ex-volante e técnico da Nazionale na Copa do Mundo de 1990, tentou entender o lado da Uefa, mas não deixou de repudiar a decisão. “Compreendo as preocupações com a ordem pública, as dificuldades organizacionais. Porém, estamos confrontados com um fato de gravidade assustadora. Acontecimentos do tipo merecem um sinal forte e, frente a atos desumanos, temos que reagir. Um minuto de silêncio é muito pouco. Era melhor não ter havido nenhum jogo”, disse.
Debaixo de críticas, a Uefa decidiu adiar todas as partidas do dia seguinte, 12 de setembro, para a semana posterior. E acabou desagradando algumas pessoas. Como, por exemplo, Umberto Agnelli, proprietário da Juventus, que reclamou de falta de isonomia. “O melhor teria sido não ter havido jogos nem terça nem ontem [afirmou numa entrevista na quinta, 13]. Mas, como alguns times entraram em campo naquela noite, o certo seria que os outros fizessem o mesmo também na subsequente”, analisou.
No fim das contas, o futebol só parou mesmo por alguns dias: as rodadas dos campeonatos nacionais ocorreram normalmente no sábado e no domingo, por exemplo. A propósito, a Juventus do reclamão Agnelli se sagraria campeã da Serie A após um encerramento de tirar o fôlego, com ultrapassagem sobre a Inter na derradeira rodada – aplacando, assim, a decepção pela queda na segunda fase de grupos da Champions League.
Vice-campeã italiana em 2001-02, a Roma chegou a avançar à mesma fase da Champions League em que a Juve caiu, onde empatou duas vezes com o Galatasaray. A Loba se despediria do torneio abraçada com os turcos devido à desvantagem no confronto direto com o Liverpool. Já a Lazio foi lanterna de sua chave e caiu no primeiro estágio da competição continental, além de ter sido sexta colocada na Serie A.
Naquele 11 de setembro, as duas equipes italianas que entraram em campo perderam, mas derrotada mesmo foi a humanidade, como efeito dos atentados terroristas e da falta de sensibilidade de entidades como a Uefa. Somente uma pessoa pode terminar aquele dia realmente aliviada por causa do futebol. E era um torcedor da… Roma.
O norte-americano Anthony Zomparelli, filho de imigrantes italianos, trabalhava como consultor da Marsh & McLennan, uma empresa de corretagem de seguros, sediada no 100º andar da torre norte do World Trade Center – a primeira a ser atacada. Como queria muito ver a estreia da Roma na Champions League e jogos da equipe não eram transmitidos frequentemente nos Estados Unidos, ele havia inventado para o chefe que estava doente. Ficou em casa e, portanto, escapou da morte: a aeronave sequestrada atingiu exatamente as salas da companhia, que perdeu 291 funcionários naquela terça. Dez eram amigos dele.
Em entrevista ao canal oficial da equipe italiana, Zomparelli relembrou aquele dia, que tinha tudo para ser mágico, mas terminou trágico. Entre as lembranças, uma frase do pai, que lhe transmitiu o amor pela Roma. “Se eu fosse torcedor de outro time, você não estaria aqui”, afirmou o patriarca.
No ano seguinte, a Roma foi a Nova York para fazer amistosos e enfrentaria justamente o Real Madrid. Coincidentemente, um amigo do pai de Zomparelli foi contratado para ser motorista particular de alguns atletas da delegação giallorossa e, quando teve a oportunidade, contou a inacreditável história para eles. Prontamente, Anthony foi convidado a conhecê-los e se encontrou com Capello, Batistuta, Samuel, Emerson e Damiano Tommasi. Totti ficou de fora daquela turnê, mas o torcedor pode abraçá-lo mais tarde, em 2012, numa visita à Itália.
Divisor de águas da humanidade e dia gravado na mente de várias gerações, o 11 de setembro de 2001 foi abrangente ao ponto de ter um capítulo relacionado ao futebol italiano. Neste caso, ratificando que o esporte mais popular do mundo pode extrair, numa mesma situação, o pior e o melhor das pessoas.
Roma 1-2 Real Madrid
Roma: Pelizzoli; Zebina, Samuel, Antônio Carlos; Cafu (Balbo), Emerson, Marcos Assunção (Cassano), Candela; Totti; Montella (Lima), Batistuta. Técnico: Fabio Capello.
Real Madrid: Casillas; Salgado, Hierro, Karanka, Roberto Carlos; Figo, Makélélé, Flávio Conceição, McManaman; Raúl, Guti (Campo). Técnico: Vicente del Bosque.
Gols: Totti (73’); Figo (50’) e Guti (63’)
Árbitro: Graham Poll (Inglaterra)
Local e data: estádio Olímpico, Roma (Itália), em 11 de setembro de 2001
Galatasaray 1-0 Lazio
Galatasaray: Mondragón; Capone (Pérez), Korkmaz, Asik, Ünsal; Davala, Penbe, Kaya (Göktan), Sas; Erden (Yalçin), Karan. Técnico: Mircea Lucescu.
Lazio: Peruzzi; Stam, Nesta, Fernando Couto; Pancaro (Inzaghi), Fiore, Simeone, Mendieta (Stankovic), Favalli (César); López, Crespo. Técnico: Dino Zoff.
Gol: Karan (79’)
Árbitro: Ryszard Wójcik (Polônia)
Local e data: estádio Ali Sami Yen, Istambul (Turquia), em 11 de setembro de 2001