A temporada 2003-04 não foi das mais gloriosas tanto para Inter quanto para o Benfica. As duas equipes derraparam em seus principais objetivos e, para piorar, viram seus maiores adversários levantarem taças de muito prestígio naquele ano – os benfiquistas ainda tiveram de enfrentar uma tragédia. No meio de tudo isso, italianos e portugueses se enfrentaram na Copa Uefa e foram protagonistas de um duelo rocambolesco, no qual a Beneamata levou a melhor.
Não estava nos planos de Inter e Benfica um embate pela Copa Uefa. Afinal, as duas equipes começaram a temporada na Champions League e esperavam ter sucesso na principal competição de clubes da Europa. Em especial, os nerazzurri, que haviam sido semifinalistas do torneio em 2002-03 – na ocasião, foram derrotados graças ao gol qualificado pelo Milan, que seria campeão em final italiana com a Juventus.
A equipe treinada por Héctor Cúper se classificou para a Liga dos Campeões graças ao vice na Serie A 2002-03 e foi sorteada no Grupo B, ao lado de Arsenal, Lokomotiv Moscou e Dynamo Kyiv – uma chave bastante acessível. A Inter largou muito bem na competição, com uma histórica vitória por 3 a 0 sobre os Gunners em Highbury – a primeira de um time da Bota no estádio –, mas sofreu para bater os ucranianos em casa, por 2 a 1, na rodada seguinte. Eram os efeitos de um início de temporada muito ruim no Campeonato Italiano, com quatro jogos sem triunfos em seis jornadas e com direito a pesada derrota no Derby della Madonnina (3 a 1). Acumulando desgastes com a diretoria, o técnico argentino terminou demitido.
Sob o comando do interino Corrado Verdelli, a Inter levou incríveis 3 a 0 do Lokomotiv Moscou. Alberto Zaccheroni, que chegou para dirigir a equipe no restante da temporada, não conseguiu fazer melhor: os nerazzurri empataram com os russos e com os ucranianos do Dynamo Kyiv, e ainda viram o Arsenal aplicar-lhes o troco, com correção, graças ao 5 a 1 em pleno Giuseppe Meazza. Por levar a pior no confronto direto com os ferroviários, os italianos foram eliminados na fase de grupos da Champions League e relegados à Copa Uefa.
O Benfica, por sua vez, entrou na Champions League via playoffs, por conta do vice-campeonato na Primeira Liga. O sorteio não lhe reservou o adversário mais acessível: a Lazio, ainda que vivesse forte crise financeira nos últimos dias da gestão de Sergio Cragnotti, ainda tinha um grande elenco. E foi graças a ele que bateu os encarnados na ida (3 a 1) e na volta (1 a 0), garantindo seu lugar na fase de grupos.
Na Copa Uefa, toda disputada em mata-mata, os benfiquistas passaram apertado pela La Louvière, da Bélgica, na primeira fase – 2 a 1 no placar agregado. Na sequência, o time treinado pelo espanhol José Antonio Camacho teve dois duelos contra noruegueses: passou facilmente pelo Molde (5 a 1) e sofreu com o Rosenborg (2 a 2), se classificando apenas por conta do gol qualificado, anotado por Nuno Gomes, ex-Fiorentina, na derrota por 2 a 1 na Escandinávia. Em 25 de janeiro de 2004, entre os compromissos com os nórdicos, o Benfica precisou lidar com a morte do atacante Miklós Fehér, que sofreu uma parada cardíaca em campo, no fim de um jogo com o Vitória de Guimarães, no qual o próprio húngaro havia fornecido a assistência que decidira o triunfo.
O enlutado Benfica que enfrentaria a Inter na quarta fase da Copa Uefa, correspondente às oitavas de final, era um time que só tinha as competições de mata-mata como possibilidades de título – afinal, na Primeira Liga, ocupava a terceira posição, sete pontos atrás do Sporting e 14 atrás do Porto de José Mourinho, que se sagraria vitorioso do certame. O objetivo era repetir o feito dos portistas, que haviam levantado a taça no ano anterior.
A situação da Inter era ainda pior. Zaccheroni não havia melhorado o futebol da equipe, que chegou a ter uma sequência de 11 jogos sem vitórias, com direito a quedas frente a rivais. Pela Serie A, perdeu por 3 a 2 para o Milan e por 4 a 1 para a Roma; nas semifinais da Coppa Italia, foi eliminada nos pênaltis pela Juventus.
Na janela de transferências de inverno, a equipe contratou Dejan Stankovic junto à Lazio e antecipou o retorno de Adriano, cedido ao Parma, na tentativa de dar a volta por cima. Mas a confusão era generalizada: o centroavante Christian Vieri estava em rota de colisão com a diretoria e o presidente Massimo Moratti, cansado de insucessos, chegou a se demitir do cargo, passando-o a Giacinto Facchetti. Em março, às vésperas do duelo com Benfica, a formação goleada pela Roma era apenas a sétima colocada no Italiano. Só o título da Copa Uefa poderia salvar a lavoura, ainda que não houvesse muito otimismo pelos lados da Lombardia – afinal, a passagem para as oitavas só ocorreu por conta do gol qualificado contra o Sochaux, num 2 a 2 no placar agregado.
O jogo de ida entre Benfica e Inter ocorreu em Portugal e terminou empatado em 0 a 0. Os gols não deram as caras no Estádio da Luz, mas isso seria fartamente compensado em San Siro. Na Itália, a rede balançaria sete vezes, numa das partidas mais emocionantes daquela edição da Copa Uefa.
Sem poder contar com Adriano e Stankovic, que já haviam disputado fases anteriores de torneios da Uefa e não podiam ser inscritos na competição, a Inter confiou num ataque com Vieri e Obafemi Martins, enquanto o grego Giorgos Karagounis, raramente utilizado na temporada, era o principal responsável pela criação de jogadas – o argentino Kily González e o francês Sabri Lamouchi o auxiliavam. Do outro lado, Camacho apostava suas fichas em Simão e Zlatko Zahovic, e ainda celebrava o retorno de Nuno Gomes, ausente do jogo de ida.
Por conta do momento negativo da Inter na temporada, a Curva Nord protestava: ficou em silêncio em parte do jogo. Assim, chamava mais atenção a torcida do Benfica, que invadiu o setor destinado aos visitantes e apoiou bastante os jogadores. Com esse incentivo, os encarnados passaram incólumes por uma chance perigosa de Vieri, que saiu cara a cara com o arqueiro José Moreira, e abriram o placar aos 36 minutos, quando Nuno Gomes arriscou de fora da área e mandou no cantinho, superando Francesco Toldo. Na sequência, depois de receber um passe de Armando Sá, o atacante ainda acertou a trave.
Até parecia que a Inter – que, naqueles anos, era reconhecida por entrar em parafuso facilmente – estava atordoada. No entanto, a resposta veio aos 42, depois que Vieri brigou no alto com Ricardo Rocha e a bola sobrou para Martins finalizar entre as pernas de Moreira e balançar as redes. O nigeriano até comemorou, mas o árbitro Alain Sars indicou falta do centroavante italiano sobre o zagueiro português, com muito atraso. Houve muita reclamação e o turco Okan Buruk acabou sendo advertido com o cartão amarelo.
O gol anulado poderia ter sido uma ducha de água fria para os nerazzurri, mas o empate dos mandantes saiu ainda no primeiro tempo, e num lance absolutamente surpreendente. Nos acréscimos, Karagounis recebeu na ponta esquerda, driblou Petit e foi em direção à linha de fundo, onde deixou Moreira e Ricardo Rocha sentados no chão num único corte. Depois da jogadaça, o meia, apelidado de Zorba, o Grego, só rolou para Martins escorar para a baliza desguarnecida.
Apesar do gol marcado logo antes do intervalo, a Inter voltou para o segundo tempo com a mesma falta de criatividade que mostrou no primeiro. Isso só começou a se resolver a partir da entrada de Álvaro Recoba no lugar de Buruk, aos 58. Dois minutos depois, a troca já dava resultado: Karagounis caiu pela direita e centralizou a jogada; Vieri deixou passar e El Chino acertou um chute cruzado, da entrada da área, no cantinho de Moreira. Era a virada nerazzurra.
Aos 64, o Benfica se lançou desesperadamente ao ataque e a Inter engatou um contragolpe mortal, numa troca de passes entre Martins e Recoba, iniciada na intermediária do campo de defesa da Beneamata. Perto da grande área adversária, o uruguaio virou o jogo com precisão para Vieri, que dominou no peito, tirando de Armando Sá, e encheu a canhota para fuzilar a rede adversária. Mas não havia tranquilidade para os italianos: aos 67, Lamouchi e Carlos Gamarra passaram em branco na tentativa de corte e o cruzamento de Simão encontrou Nuno Gomes, que completou para o gol de carrinho.
Não havia dúvidas de que a partida entrara num período de autêntico frenesi. A rápida sucessão de importantes acontecimentos deixou os times nervosos e, aos 70 minutos, foi a vez de o Benfica falhar: Petit errou um passe no meio-campo, armando contragolpe para os nerazzurri, e depois tanto o volante quanto o lateral-direito Miguel erraram botes na tentativa de retomar a posse. Luisão também errou o movimento para barrar a construção dos mandantes, permitindo que Recoba recebesse a bola e só rolasse para Oba Oba marcar o seu segundo no jogo.
Com a vantagem de dois gols no placar, a Inter deixou a bola com o Benfica e tentou se defender – com pouca precisão, no entanto. Aos 76, Tomislav Sokota não tomou conhecimento de Gamarra no pivô e tabelou com o volante Tiago, que bateu no canto para diminuir. Depois, os encarnados até tentaram intensificar a pressão, mas não conseguiram ir além. A propósito, já no apagar das luzes, a melhor chance foi dos italianos. No entanto, Bobo Vieri terminou arrematando por cima da meta de Moreira.
A Inter se classificou para as quartas de final da Copa Uefa graças ao intenso 4 a 3 em San Siro, mas não durou na competição: caiu exatamente na fase posterior, com dupla derrota por 1 a 0 para o Marseille de Didier Drogba. Dali em diante, na verdade, tanto a Beneamata quanto o Benfica colheram pouquíssimas satisfações. Na verdade, pode-se dizer que apenas tiveram prêmios de consolação.
O Benfica até venceu o Porto e ficou com o título da Taça de Portugal, mas esse triunfo não fez cócegas nos Dragões: o time treinado por Mourinho já havia vencido a Primeira Liga e ainda fez história ao se tornar bicampeão da Champions League, batendo o Monaco na decisão.
Para a Inter, só restava a Serie A – e a Beneamata teve que aguentar a conquista do scudetto pelo Milan. A decepção da equipe nerazzurra foi amenizada pela sua arrancada na reta final do campeonato, que resultou na quarta posição e em uma vaga na Champions League: fez 59 pontos, um a mais do que o Parma e três a mais do que a Lazio. Logo após a conclusão da temporada, Zaccheroni pediu demissão e abriu o caminho para Roberto Mancini dar início a um ciclo vitorioso na Lombardia.
Benfica 0-0 Inter
Benfica: Moreira; Miguel, Ricardo Rocha, Luisão, Armando Sá (Cristiano); Petit, Tiago; Geovanni (João Pereira), Zahovic (Manuel Fernandes), Simão; Sokota. Técnico: José Antonio Camacho.
Inter: Toldo; Córdoba, Adani, Cannavaro; Helveg, Farinós (Buruk), C. Zanetti, J. Zanetti; Karagounis; Martins, Recoba (Cruz). Técnico: Alberto Zaccheroni.
Árbitro: Jan Wegereef (Países Baixos)
Local e data: Estádio da Luz, Lisboa (Portugal), em 11 de março de 2004
Inter 4-3 Benfica
Inter: Toldo; Córdoba, Adani, Gamarra; J. Zanetti, Buruk (Recoba), Lamouchi, Kily González; Karagounis (Bréchet); Martins (Almeyda), Vieri. Técnico: Alberto Zaccheroni.
Benfica: Moreira; Miguel, Ricardo Rocha, Luisão, Armando Sá; Petit (Geovanni); João Pereira (Manuel Fernandes), Zahovic (Sokota), Tiago, Simão; Nuno Gomes. Técnico: José Antonio Camacho.
Gols: Martins (45+1′ e 70′), Recoba (60′) e Vieri (64′); Nuno Gomes (36′ e 67′) e Tiago (76′)
Árbitro: Alain Sars (França)
Local e data: estádio Giuseppe Meazza, Milão (Itália), em 25 de março de 2004