Nos últimos anos, o futebol feminino ganhou bastante tração na Itália. O movimentou foi impulsionado pela boa campanha da seleção na Copa do Mundo de 2019 e resultou no fortalecimento das equipes praticantes da modalidade no país. Consequentemente, também impactou positivamente no nível dos campeonatos, que contam com as estrelas azzurre e um número crescente de jogadoras oriundas de outras nações.
O cenário feminino italiano é amplamente dominado pela Juventus, que não só conseguiu o título invicto da Serie A Feminina de 2020-21 como o fez com impressionantes 100% de aproveitamento, com 22 vitórias. A Velha Senhora garantiu o tetracampeonato com duas rodadas de antecedência, mostrando a sua hegemonia sobre as 11 outras adversárias na Itália.
Arrasadora, a campanha das bianconere foi construída com goleadas sobre a rebaixada Pink Bari (9 a 1), Florentia (6 a 1), Verona (5 a 0) e Inter (5 a 0). De forma ainda mais surpreendente, atropelou o Milan, vice-campeão, por 4 a 0. Dessa forma, construiu o melhor ataque disparado, com 75 gols, e a melhor defesa – também com folga –, com apenas 10 tentos sofridos. Sufoco, mesmo, só contra o Empoli, no segundo turno: a vitória por 4 a 3 foi conquistada apenas com um pênalti convertido nos acréscimos por Cristiana Girelli, artilheira da competição com 22 bolas nas redes – média de uma por jogo.
Girelli, aliás, é a craque de uma equipe repleta de jogadoras de experiência internacional. A Velha Senhora também cede à seleção italiana a goleira Laura Giuliani, as defensoras Sara Gama, Lisa Boattin e Cecilia Salvai, as meio-campistas Aurora Galli, Valentina Cernoia, Martina Rosucci e Arianna Caruso, além da atacante Barbara Bonansea, que também é pilar do time. A Juve ainda conta com estrelas de outras nacionalidades no elenco, como as suecas Lina Hurtig e Linda Sembrant, a dinamarquesa Sofie Junge Pedersen e a checa Andrea Stasková.
Na conquista do tetra, as “fabulosas” tiveram ainda um toque brasileiro. A atacante Maria Alves marcou três gols e, mais importante, serviu as companheiras em seis ocasiões: só na partida contra o Napoli, que garantiu o título, a camisa 20 forneceu uma assistência para Girelli e outra para Bonansea. Depois do scudetto, Maria acertou com o Palmeiras.
Apesar do domínio doméstico, a equipe feminina da Juventus não se deu bem no âmbito continental. Nessa temporada, deu azar no sorteio e enfrentou logo de cara, nos 16 avos de final da Champions League, o ótimo e tradicional time do Lyon. As bianconere acabaram somando derrotas por 3 a 2 (em casa) e 3 a 0 (fora).
O fim da temporada também significou o encerramento de um ciclo. A treinadora Rita Guarino (ex-atacante que marcou época na seleção azzurra, com 99 partidas e 35 gols) decidiu deixar o cargo após quatro anos vitoriosos, marcados pelo tetracampeonato e ainda por duas Supercopas Italianas e uma Coppa Italia.
Renasce o Milan
A segunda vaga para a Liga dos Campeões ficou com o Milan, que renovou boa parte da equipe para esta temporada. O maior acerto foi a permanência da atacante Valentina Giacinti, que está no clube desde a criação do time feminino, em 2018. Titular da Nazionale e capitã do Diavolo, Giacinti marcou quatro gols contra a Inter, algo que apenas o brasileiro José Altafini tinha conseguido em um Derby della Madonnina, ainda na década de 1960. A centroavante terminou a competição na vice-artilharia, com 18 tentos.
Outras permanências importantes foram as da experiente meio-campista sul-africana Refiloe Jane e a da versátil Valentina Bergamaschi, que também está em Milão desde 2018 e atua pela seleção italiana e joga como ala ou ponta pela direita. As rossonere, porém, foram às compras no mercado.
Entre as contratações, destaca-se a de Natasha Dowie. A inglesa de 32 anos chegou nessa temporada, balançou as redes 12 vezes e formou com Giacinti uma das mais letais duplas do campeonato. O Milan ainda apostou na escocesa Christy Grimshaw, que ganhou importância no elenco, e em duas atletas de peso no cenário internacional: a volante japonesa Yui Hasegawa e a experiente meia-atacante espanhola Verónica Boquete.
A campanha do time treinado pelo artilheiro Maurizio Ganz foi muito boa, de forma geral. Derrotas, mesmo, só as “esperadas” contra a Juventus, e a ocorrida num jogo atípico contra a Fiorentina, já perto do final do campeonato. Na ocasião, o Milan jogou com 10 atletas desde os 14 minutos do primeiro tempo, após a expulsão da veterana goleira eslovaca Mária Korenciova. Na trajetória milanista, salientamos os placares elásticos contra Napoli (4 a 0), Inter (4 a 1) e Bari (6 a 1 fora de casa).
Sassuolo, Fiorentina e Roma
O Sassuolo foi a surpresa do campeonato. Depois de campanhas irregulares, o time de Gianpiero Piovani conseguiu uma ótima terceira colocação e brigou até o fim por uma vaga na Liga dos Campeões, mesmo perdendo a atacante Daniela Sabatino para a Fiorentina.
As neroverde puderam contar com a veterana Valeria Pirone, contratada junto ao Verona, para preencher a vaga. A atacante fez uma de suas melhores temporadas recentes, marcando 10 gols. O destaque, contudo, ficou com um fenômeno de apenas 16 anos. A atacante maltesa Haley Bugeja – que fez 17 no início de maio – balançou as redes 12 vezes e honrou o que se esperava dela. No Mgarr United, de seu país, tinha absurdos 49 tentos em 28 partidas.
Já na capital, a dança das cadeiras reservou à Roma a atacante Paloma Lázaro, que estava na Fiorentina. A escolha da espanhola se mostrou precisa para o comando de ataque das giallorosse, visto que o rodízio entre ela e a francesa Lindsey Thomas funcionou bem. No gol, uma mudança importante: a experiente Rosalia Pipitone ficou na reserva e a romena Camelia Ceasar assumiu a baliza.
Durante a campanha, a equipe de Betty Bavagnoli perdeu pontos bobos contra o Verona (derrota por a 1 a 0) e a Florentia San Gimignano (empate em 1 a 1), mas no geral fez um campeonato consistente. O projeto vem sendo bem executado, embora precise dar um passo adiante se quiser brigar por uma vaga na Liga dos Campeões, assim como o Milan realizou nos últimos anos. Elenco, tem: a lateral-direita Elisa Bartoli, a zagueira Elena Linari, a meio-campista Manuela Giugliano e a atacante Annamaria Serturini fazem parte da seleção italiana, enquanto Andressa Alves é figurinha carimbada na equipe brasileira.
Por sua vez, a Fiorentina confirmou o bom projeto e se manteve entre as principais equipes do país, terminando a competição na quarta colocação – um ponto acima da Roma. Além da já citada veterana Sabatino, o elenco do time toscano conta com Katja Schroffenegger, goleira reserva da seleção italiana, e as dinamarquesas Janni Arnth (defensora) e Frederikke Thogersen (meia).
A Viola já foi potência entre as mulheres e tenta equilibrar forças agora que as outras equipes passaram a investir e organizar seus times. Nesta temporada, o time de Florença também disputou a Liga dos Campeões Feminina. A equipe italiana até passou pelo Slavia Praga, mas caiu nas oitavas de final para o Manchester City, com um placar agregado salgado: 8 a 0.
Rebaixadas e promovidas
No meio da tabela da Serie A Feminina, Empoli, Florentia San Gimignano, Inter e Verona fizeram uma campanha digna e sem sustos: não ameaçaram as concorrentes por título e Champions League ou flertaram com o rebaixamento. O Napoli, por sua vez, evitou o descenso apenas na última rodada.
San Marino Academy e Pink Bari não tiveram melhor sorte e vão disputar a segunda divisão. Nos 22 jogos do campeonato, a Pink Bari venceu apenas um jogo – o primeiro, contra o Napoli. Depois disso, ladeira abaixo: nada menos que 21 derrotas seguidas, com 62 gols contra e apenas 13 a favor.
A San Marino Academy não fez campanha muito melhor, mas poderia ter se salvado na última rodada se tivesse vencido a Fiorentina, já que o Napoli empatou com a Roma. Seria bastante inusitado se um time samarinês se mantivesse numa divisão de elite italiana – ainda que apenas duas atletas do elenco tenham nacionalidade da sereníssima e pequena república encravada nos limites entre Emília-Romanha e Marcas.
Duas equipes sobem e vão disputar a elite do futebol italiano. Uma delas é a Lazio, comandada pela histórica Carolina Morace, que foi campeã da Serie B com alguma folga. A surpreendente Pomigliano, vice-campeã, também foi promovida. Embora tradicionais na modalidade feminina, Brescia e Tavagnacco seguirão na segundona.
Coppa Italia
Na Coppa Italia, tivemos uma surpresa. A final, disputada no sábado (30), consagrou uma inédita campeã: a Roma bateu o Milan nos pênaltis e levantou o primeiro troféu de sua história.
Para chegar lá, as giallorosse conseguiram um feito gigante ao eliminar a Juventus na semifinal. Primeiro, impuseram ao time bianconero sua única derrota para uma equipe italiana na temporada, ao vencer o jogo de ida, em Tre Fontane, por 2 a 1 – Serturini e Thomas marcaram para as donas da casa e Hurtig descontou para as visitantes.
Depois, a Loba fez uma partida de volta ainda mais emocionante: em um jogo completamente insano, a Juventus abriu o placar com Junge Pedersen e ia obtendo a classificação. Na etapa final, a Roma virou com gols de Thomas e Lázaro, aos 77 e aos 82. Quando tudo parecia decidido, a Juventus virou o jogo novamente, com gols de Girelli e Gama, nos acréscimos. Apesar da vitória, o time caiu pelo critério de gols fora de casa.
Do outro lado da chave, o Milan também sofreu. Já nas quartas de final, passou pelo forte Sassuolo, também no critério de gols fora de casa – empates por 1 a 1 e 0 a 0. Na semifinal, sofreu uma derrota por 2 a 1 no Derby della Madonnina, mas a classificação veio no jogo de volta, com um enfático 4 a 2 sobre a Inter. Vero Boquete fez dois no primeiro tempo, Gloria Marinelli diminuiu, mas outros dois gols de Dowie sacramentaram a vaga na final. A jovem dinamarquesa Caroline Moller diminuiu para as nerazzurre, mas não adiantou.
Na partida derradeira, o placar zerado nas duas etapas dava o tom: nervosismo e tensão. Nenhuma das equipes queria errar. O Milan foi mais perigoso, mas parou na goleira Ceasar e na zagueira Linari. Além de comandar a defesa, a italiana, contratada nessa temporada, claramente trouxe uma alma diferente, com mais vibração. Seu “gol” foi tirar uma bola em cima da linha, já na prorrogação.
Nas cobranças de penalidade, Ceasar defendeu as cobranças de Boquete e Grimshaw, enquanto Linda Tucceri Cimini acertou o travessão. Pela Roma, apenas Linari perdeu. O pênalti decisivo foi convertido pelo pé direito da experiente suíça Vanessa Bernauer, no clube desde a fundação, em 2018.
E se o presente sorri para a Juventus e Roma, o futuro também: as duas equipes protagonizaram a final do Campeonato Primavera. A Roma venceu a Juventus com um gol aos 95 e sagrou-se bicampeã da categoria. O nome da autora do tento que garantiu o caneco? Giada Tarantino. Força sonora de quem vai longe, assim como o futebol feminino italiano.