Entre 1988 e 1991, a Inter viveu momentos especiais em sua história. No início desse período, a equipe ainda passava por uma reconstrução, que resultaria em títulos e quebra de recordes. Para que o projeto engrenasse, o time amadureceu a partir de lições aprendidas com os fracassos, como a eliminação nas oitavas de final da Copa Uefa de 1988-89, para o Bayern de Munique.
O projeto da Inter, então presidida por Ernesto Pellegrini, começou em 1986, quando o técnico Giovanni Trapattoni, vitorioso por Milan e Juventus, aceitou o desafio de treinar os nerazzurri. Após faturar seu sexto scudetto em uma década de Velha Senhora, o comandante teria a missão de levar a Beneamata de volta ao topo, já que atravessava um jejum de quatro anos sem títulos e de seis sem comemorar o campeonato nacional.
As duas primeiras temporadas não foram de colheita. Acostumado a uma carreira vencedora, Trapattoni não conseguiu conquistar nada e o seu trabalho passou a ser questionado pela imprensa e, sobretudo, pelos torcedores. A pressão se tornou maior por conta do sucesso do Milan de Silvio Berlusconi, Arrigo Sacchi e dos holandeses Frank Rijkaard, Ruud Gullit e Marco van Basten.
Na tentativa de se opor ao rival, no verão de 1988 a Inter foi ao Bayern de Munique buscar o lateral-esquerdo Andreas Brehme e o multifuncional Lothar Matthäus. Também bateu à porta da Fiorentina para garantir Ramón Díaz e Nicola Berti. Esses quatro reforços se juntaram a um elenco que já contava com o goleiro Walter Zenga, os defensores Giuseppe Baresi, Giuseppe Bergomi e Riccardo Ferri, o meia Gianfranco Matteoli e o centroavante Aldo Serena.
Os resultados da formação dessa grande esquadra não demoraram a surgir, já que a Inter conquistou o scudetto com recorde de pontos marcados na história da competição logo em 1988-89. Mas, antes de a defesa eficiente e o ataque preciso se destacarem, a precoce eliminação na Copa Uefa, em dezembro de 1988, gerou frustração na torcida e demandou um trabalho de recuperação psicológica por parte de Trapattoni.
Após conquistar a vaga na Copa Uefa devido ao quinto lugar na temporada 1987-88, a Inter tinha a expectativa de fazer uma boa campanha internacional, devido aos investimentos realizados. Nas duas primeiras fases da competição, os nerazzurri eliminaram dois times suecos: o Brage, por um placar agregado de 4 a 2, e o Malmö, por 2 a 1. Nas oitavas, o adversário seria o Bayern de Munique, antigo clube de Brehme e Matthäus.
Os alemães haviam obtido a vaga na Copa Uefa após terem sido vice-campeões nacionais, ficando atrás do Werder Bremen. Mesmo que houvessem perdido dois grandes nomes do elenco para a Inter, os Roten entravam na temporada com o objetivo de voltarem a vencer a Bundesliga – o que ocorreu – e de fazerem bonito em cenário internacional – o que, em menor medida, também aconteceu. Antes de encarar os italianos, o time treinado por Jupp Heynckes passou por Légia Varsóvia, da Polônia, e Dunajská Streda, da Checoslováquia.
O jogo de ida
A primeira partida da terceira fase, correspondente às oitavas de final, ocorreu no dia 23 de novembro de 1988 em Munique, na Alemanha. O jogo, que acontecia sob clima gelado, após uma nevasca se abater sobre a cidade, começou favorável aos italianos, que explorou passes em profundidade para Serena e forçou o goleiro Raimond Aumann a sair de sua baliza para interceptar duas jogadas.
O Bayern de Munique respondeu com boa trama de passes e a infiltração de Roland Wohlfarth nas costas da defesa italiana, que levantou os braços pedindo impedimento. Mas o árbitro marcou tiro de meta após o camisa 9 chutar, para fora cara a cara com o goleiro. No fim das contas, o primeiro tempo foi bastante equilibrado e sem muitas chances claras. As duas equipes fechavam muito bem suas áreas e, diante disso, as alternativas encontradas foram as finalizações de longa distância, o que não tirou o zero do placar.
O segundo tempo, ao contrário do primeiro, começou movimentado. Após cobrança de falta no campo de ataque, a bola foi tocada para trás e Stefan Reuter chegou batendo. A finalização ainda bateu na forquilha esquerda de Zenga antes de sair pela linha de fundo. O Bayern controlava a posse, enquanto a Inter aguardava marcando em bloco baixo, fechando muito bem a sua área e explorando as transições quando lhe era oportuno. E foi assim que a equipe de Trapattoni abriu o placar.
Após bloquear um chute na entrada da grande área, a Inter tabelou pelo lado esquerdo, até que Brehme lançou Serena na corrida pelo meio. O lançamento ainda desviou na alta linha de marcação do Bayern no meio-campo e sobrou na frente. O centroavante conseguiu dominar a bola, avançou para a área e tocou, com toda calma, por cima de Aumann, abrindo o placar para os visitantes aos 60 minutos de jogo.
Em seguida, o Bayern quase empatou após conseguir penetrar na defesa bem postada da Inter. Roland Grahammer, que não havia afastado o lançamento de Brehme, avançou pelo meio e tocou para frente, Wohlfarth fez a meia-lua e a bola bateu na canela de um jogador italiano enganando Bergomi que estava marcando Jürgen Wegmann. A bola sobrou na frente e o atacante, que já tinha se desgarrado da marcação, chutou na saída de Zenga. O goleirão ainda tocou na bola, o que foi fundamental, pois o zagueiro nerazzurro se recuperou e cortou a pelota quase em cima da linha.
O segundo da Inter saiu 10 minutos depois do primeiro, e novamente em contra-ataque. O jovem Berti interceptou um passe na altura de sua intermediária e avançou o campo quase todo, vencendo os adversários na corrida e marcando um golaço na saída do arqueiro. Grahammer ainda tentou parar o camisa 8 da Beneamata com um carrinho, mas não obteve sucesso. Foi um dos tentos mais bonitos do histórico meia pelos nerazzurri.
O gol de Berti decretou a vitória para os italianos. O time alemão girou a bola de um lado para o outro, mas não conseguiu levar perigo – e, no final, quase sofreu com a lei do ex quando Brehme arrematou de primeira, mas para fora. A Inter conquistou uma boa vantagem para a partida de volta. Mas uma surpresa esperava os nerazzurri em San Siro.
O jogo de volta
No dia 7 de dezembro, um Giuseppe Meazza lotado, com cerca de 75 mil presentes, esperava fazer a festa junto com os jogadores da Inter. Os torcedores até atearam fogo em uma das arquibancadas do estádio, indicando que o clima seria quente – em resposta à gélida noite de Munique.
A partida começou sem grandes chances e o placar só foi inaugurado aos 33 minutos da primeira etapa, pelos alemães. O Bayern cobrou escanteio curto e, após desvio no cruzamento, Zenga conseguiu defender no canto direito, de forma excepcional. Só que a bola sobrou para Wohlfarth empurrar para o gol. Para a Inter, a situação piorou em seguida, quando Brehme se lesionou e teve de dar lugar ao jovem Pasquale Domenico Rocco, de apenas 18 anos.
Segundos após a troca, a Inter se viu em apuros novamente. A defesa nerazzurra, que tivera um excelente desempenho no primeiro jogo, estava sofrendo muito com a boa movimentação da equipe da Baviera e em bolas alçadas. O Bayern de Munique ampliou aos 37 minutos, após troca de passes no meio de campo, inversão de jogada e cruzamento para o meio da área, onde Klaus Augenthaler, que dera início à ação, apareceu para subir mais do que a zaga e cabecear forte, no canto direito de Zenga.
Na prática, o duelo estava igualado. Mas, na verdade, a Inter havia sofrido o duro golpe de ter desperdiçado a ótima vantagem em apenas 37 minutos. Com pouca imaginação, viu a defesa do Bayern vencer quase todos os duelos e também passou a sofrer nos contra-ataques. Num deles, puxado com muita velocidade por Reuter, Johnny Ekström recebeu e deu um passe nas costas da zaga interista, onde Wegmann apareceu para bater na saída de Zenga e fazer 3 a 0 aos 40.
Era um baile alemão. Mas, nos acréscimos do primeiro tempo, a Inter encontrou forças para reagir. A equipe mandante conseguiu diminuir após insistir bastante pelo lado esquerdo e ver um passe rasteiro de Berti encontrar Serena dentro da pequena área, livre para estufar as redes e dar um pouco de esperança aos torcedores.
O segundo tempo foi praticamente todo da Inter, que continuou em cima, pois a vantagem ainda era do Bayern de Munique, devido ao critério do gol qualificado. Assim, a Beneamata chegou a levar perigo em bolas paradas, mas Aumann estava inspiradíssimo e operou diversos milagres em cabeçadas da equipe de Milão. Houve muita reclamação de pênalti por parte dos nerazzurri, que pediram um toque de mão de Olaf Thon.
A Inter foi empilhando chances, mas parava em Aumann e na falta de pontaria. Já nos acréscimos, Berti fez uma grande jogada e deixou Dario Morello, que entrou no lugar de Matteoli, em condições de marcar, mas o garoto chutou para fora.
Com isso, a belíssima recuperação alemã estava concretizada: por ter feito um gol a mais como visitante, o Bayern de Munique avançou na Copa Uefa. E só caiu nas semifinais, quando Diego Maradona e Careca deram um show para colocar o Napoli no caminho do título. No fim das contas, os Roten e a própria Inter também festejariam a conquista de troféus naquela temporada – o da Bundesliga e o da Serie A, respectivamente. Felicidade repartida.
Bayern de Munique 0-2 Inter
Bayern de Munique: Aumann; Nachtweih, Grahammer, Augenthaler, Pflüger; Reuter (Ekström), Thon, Dorfner, Kögl; Wegmann; Wohlfarth. Técnico: Jupp Heynckes.
Inter: Zenga; Bergomi; Baresi, Verdelli, Ferri, Brehme; Bianchi, Matteoli, Matthäus, Berti; Serena. Técnico: Giovanni Trapattoni.
Gols: Serena (60′) e Berti (70’)
Árbitro: Alexis Ponnet (França)
Local e data: Olympiastadion, Munique, em 23 de novembro de 1988
Inter 1-3 Bayern de Munique
Inter: Zenga; Bergomi; Baresi, Verdelli, Ferri, Brehme (Rocco); Bianchi, Matteoli, Matthäus, Berti (Morello); Serena. Técnico: Giovanni Trapattoni.
Bayern de Munique: Aumann; Nachtweih, Grahammer, Augenthaler, Pflüger; Reuter, Thon (Eck), Dorfner, Ekström; Wegmann (Kögl), Wohlfarth. Técnico: Jupp Heynckes.
Gols: Serena (45+1’); Wohlfarth (33’), Augenthaler (37′) e Wegmann (41′)
Árbitro: Bruno Galler (Suíça)
Local e data: estádio Giuseppe Meazza, Milão, em 7 de dezembro de 1988