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Ida de Vlahovic para a Juventus joga luz sobre dificuldades nas renovações de contratos na Itália

No início de outubro de 2021, o presidente da Fiorentina, Rocco Commisso, assinou uma nota, publicada no site oficial do clube, para anunciar que o atacante Dusan Vlahovic não renovaria seu contrato com a Viola. Segundo o cartola ítalo-americano, a agremiação fez o possível para convencer o artilheiro sérvio a permanecer em Florença para além de 2023, quando expirava seu vínculo com os gigliati, mas as negociações não foram adiante.

“A proposta de renovação não foi aceita”, iniciou Commisso no comunicado. “[…] Como vocês sabem, a Fiorentina fez uma grande proposta ao jogador, uma renovação de contrato que o faria o jogador mais bem pago da história do clube. Nossa proposta foi melhorada em várias ocasiões ao longo do tempo para atender às demandas tanto de Dusan quanto das pessoas do seu entorno, mas, apesar dos nossos melhores esforços, a proposta de renovação não foi aceita”, escreveu.

Quase quatro meses depois, Vlahovic foi oficializado como novo jogador da Juventus no dia de seu aniversário de 22 anos, 28 de janeiro. Ele assinou contrato até 30 de junho de 2026, escolheu o número 7 para sua camisa e, segundo a imprensa italiana, custou cerca de 80 milhões de euros, incluindo bônus, aos cofres da Vecchia Signora. Foi a transação mais cara realizada na janela de janeiro na Itália.

Como era de se esperar, uma parte da torcida violeta não aprovou a mudança de Dusan, que seguiu os passos de Roberto Baggio, Federico Bernadeschi e Federico Chiesa ao sair de Florença e ir direto para a rival Juve. “Respeito não se conquista com os gols. Vlahovic gobbo de merda!”, lia-se em uma faixa da Curva Fiesole – torcida organizada da Fiorentina –, em Florença, dias antes de a negociação ser concluída. “Gobbo” significa “corcunda”, um termo utilizado de modo pejorativo para se referir a juventinos.

A Curva Fiesole também criticou o presidente Commisso. Porém, o dirigente soltou outra declaração, um dia após o encerramento da janela de transferências, e acusou o sérvio e sua comitiva de tentarem prejudicar a Fiorentina financeiramente. “Nossos homens foram várias vezes à Inglaterra para negociar com vários clubes, mas, toda vez que vinha uma oferta, os procuradores e o rapaz [Vlahovic] recusavam. Eles tinham a intenção de deixar o contrato terminar e arruinar a Fiorentina, como está ocorrendo frequentemente agora. Eles queriam se tornar ricos às nossas custas”, afirmou Commisso, ao site da Viola.

Impasse na renovação de Vlahovic com a Fiorentina deixou a diretoria violeta irritada; Juve, então, aproveitou a oportunidade (Arquivo/Juventus)

Ao romper o silêncio com essa entrevista, o mandatário da Fiorentina citou um assunto que está deixando dirigentes e torcedores preocupados desde o início da pandemia de covid-19: jogadores que optam por não renovar contrato após pedir um alto salário aos clubes aos quais estão vinculados.

As finanças das agremiações do mundo inteiro foram afetadas bruscamente devido à ausência de público nos estádios desde que o coronavírus se alastrou pelo mundo – um estudo anual intitulado Annual Review of Football Finance, da Deloitte, por exemplo, mostrou que a Serie A teve a maior queda de receitas (-18%) entre as cinco grandes ligas europeias durante a temporada 2019-20. Com isso, os clubes tiveram que colocar o pé no freio, de modo a travar muitas negociações de renovação de contrato de jogadores.

Ao comentar a transferência de Vlahovic à Juventus, o diretor esportivo da Fiorentina, Daniele Pradè, argumentou que os clubes estão virando reféns de empresários e jogadores. “Todo mundo sabia muito bem qual era a situação com Vlahovic e era impossível dizer não a essa proposta”, explicou, em entrevista coletiva. “Entendemos a amargura dos torcedores, mas existem algumas situações que vão além de todos nós. Os clubes estão perto de se tornar prisioneiros de agentes e jogadores. Não podíamos dizer não a isso [negócio com a Juventus] porque corríamos o risco de perdê-lo de graça. Este é o futebol moderno e só podemos esperar que as coisas mudem”, observou.

Situações como a de Vlahovic têm se tornado uma constante no futebol europeu desde 2020. Jogador de destaque e sua comitiva pedem um alto salário para renovar contrato, mas boa parte dos clubes opta por não ceder às exigências e, assim, o atleta deixa o time de graça, rumo a uma equipe que aceite pagar o que ele e seu empresário solicitam. Foi o que ocorreu, por exemplo, com Gianluigi Donnarumma e Hakan Çalhanoglu ao fim da temporada passada: o Milan não cedeu às imposições feitas e eles assinaram com Paris Saint-Germain e Inter, respectivamente.

A tendência, agora, é que ocorram mais casos semelhantes aos do goleiro e do meia. Aliás, já aconteceu, uma vez que Lorenzo Insigne, capitão e ídolo do Napoli, não entrou em acordo com a diretoria partenopea e deixará o time azzurro, ao fim da atual temporada, para se juntar ao Toronto, da Major League Soccer. O pré-contrato foi assinado no início de janeiro deste ano.

Kessié é mais um jogador que pode deixar o Milan a custo zero, a exemplo de Donnarumma e Çalhanoglu (AFP/Getty)

Além do atacante baixinho, outros grandes jogadores da elite do futebol italiano podem estar com os dias contados em seus respectivos clubes: Juan Cuadrado, Paulo Dybala, Federico Bernardeschi (Juventus), Ivan Perisic, Marcelo Brozovic (Inter), Franck Kessié, Alessio Romagnoli (Milan), Dries Mertens (Napoli) e Andrea Belotti (Torino).

E não para por aí. Afinal, o dirigente da Roma, Tiago Pinto, concedeu entrevista coletiva um dia após o encerramento do mercado de inverno e afirmou que nem ele nem ninguém pode garantir a permanência de Nicolò Zaniolo, meia promissor dos giallorossi, na temporada que vem. O contrato de camisa 22 romanista se encerra em junho de 2024 e, segundo relatos da mídia esportiva italiana, ele está na mira da Juventus.

Necessário salientar também que os motivos que levam esses e outros jogadores a não renovarem contrato podem ser também o desejo de o clube reduzir custos. Perisic, ala da Inter, e Romagnoli, zagueiro do Milan, são dois exemplos desse caso: ambos têm que aceitar diminuir seus respectivos salários caso queiram ampliar vínculo com as equipes milanesas. A tendência, entretanto, é que eles deixem a dupla de Milão em junho – por isso, a Beneamata já garantiu a contratação do alemão Robin Gosens junto à Atalanta e o Diavolo tem na mira o neerlandês Sven Botman, do Lille, para junho.

Há os casos também de Belotti, que aparentemente deseja seguir caminho diferente do Torino após sete anos defendendo os granata, e Dybala, xodó da torcida juventina, mas cuja renovação segue travada – além de a Juventus haver contratado Vlahovic. Ambos são ídolos e usam a braçadeira de capitão em Turim, um de cada torcida, evidentemente.

Se, por um lado, os clubes colocam na balança o que é mais vantajoso (gastar mais dinheiro com salários ou perder um ativo sem receber dinheiro em troca), por outro, jogadores e agentes elevam ainda mais sua importância no mercado da bola. O desejo romantizado de ver atletas de elite defenderem um mesmo clube por vários anos, sem dores de cabeça oriundas de negociações para renovação contratual, está cada vez mais distante do futebol atual. Agora, é aguardar e conferir as próximas novelas envolvendo atletas, empresários e clubes.

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