Mercado Serie A

Fracasso da Inter em tratativas por Dybala e Bremer retoma o debate sobre finanças do clube

A temporada 2022-23 nem começou, mas a torcida da Inter já experimentou sentimentos intensos e conflitantes. Em dias, a alegria pelo retorno de Romelu Lukaku e a confiança de que um elenco ainda mais forte seria montado, com as prováveis chegadas de Paulo Dybala e Bremer, deu lugar à raiva por chapéus levados em tratativas que aconteciam havia meses e estavam adiantadas. Como a Beneamata, que tinha acertado informalmente com o argentino e o brasileiro, viu os dois escaparem de suas mãos nos últimos dias? Em resumo, a malfadada situação teve origem nas gestões anteriores do clube.

A década perdida da Inter, na qual a equipe ficou seis anos sem Champions League, ainda gera impacto no clube. Investimentos feitos pela gestão de Massimo Moratti, antes da adoção do Fair Play Financeiro pela Uefa acabaram se convertendo em dívidas por conta da perda de receita oriunda desse insucesso esportivo. O forte elenco que faturou a tríplice coroa, em 2010, envelheceu. E as reposições, feitas no fim da presidência do magnata do petróleo e durante o período de comando do indonésio Erick Thohir, não se mostraram à altura dos objetivos pretendidos.

Sem participar da Liga dos Campeões, a Inter viu o seu passivo aumentar e se aproximar a quase 1 bilhão de euros. O grupo Suning, que administra a agremiação desde 2016, vem tentando recuperar a sua saúde financeira e torná-la sustentável de médio a longo prazo. Para isso, chegou a pegar um empréstimo de 250 milhões com o fundo Oaktree – o que, na prática, representou fazer o refinanciamento de parte das dívidas para aumentar a liquidez da sociedade. Mas, para que a estratégia do presidente Steven Zhang dê certo, a Beneamata deve aliar uma trajetória de sucesso esportivo ao superávit nas contas.

Portanto, os diretores Giuseppe Marotta e Piero Ausilio, responsáveis pelo futebol na Inter, precisam caminhar sobre uma linha tênue. Primeiramente, eles têm que montar times fortes, que possam gerar receita por seu desempenho em campo, proporcionando aumento nas receitas de TV e na bilheteria, devido ao apelo gerado pela produção das equipes, e também através de premiações por títulos conquistados e participações em torneios continentais. A dupla deve, ainda, fazer bons negócios no mercado.

Por isso, a Inter vendeu Achraf Hakimi e Lukaku por quase 200 milhões de euros. Pelo mesmo motivo, a cessão de Milan Skriniar, que giraria em torno de 80 mi, entrou em pauta. E, também por tal razão, a equipe tem buscado muitos jogadores que possam oferecer retorno técnico a custo zero ou low cost – a exemplo de Hakan Çalhanoglu, André Onana, Arturo Vidal, Alexis Sánchez e Dybala.

Nem sempre, porém, tudo corre como o planejado. O baixo custo para fechar com Vidal e Sánchez, por exemplo, foi compensado com altos salários oferecidos aos chilenos. A dupla contribuiu para a conquista de títulos em 2020-21 e 2021-22, mas não entrava nos planos da diretoria para 2022-23, justamente pela necessidade econômica – a Inter tem trabalhado pela diminuição de sua folha salarial. Assim, para realizar determinados movimentos de mercado, a Beneamata precisava se desfazer de algumas peças. O fez com o volante, que recebeu alguns milhões em multa rescisória e rumou ao Flamengo, mas não alcançou um acordo com o atacante até o fechamento deste texto.

Rivais em Turim, Bremer e Dybala poderiam ter sido colegas na Inter. Poderiam… (Getty)

Para complicar o panorama nerazzurro, o retorno de Lukaku, que não estava nos planos, surgiu como uma oportunidade concreta em junho e teve de ser fechado com urgência. O clube tinha até 30 daquele mês para aproveitar uma lei de incentivos fiscais concedida a contratações de profissionais vindos do exterior, que expirava naquela data, para poder abater impostos dos salários do belga, e baratear a sua contratação.

Foi um triplo sacrifício feito pela diretoria. Além de efetuar manobras contábeis para reacomodar o centroavante em Milão, a Inter teve de adiar a conclusão das tratativas com Dybala e Bremer, com os quais tinham acordos apalavrados desde março. A situação do argentino poderia se alterar se Sánchez topasse rescindir o seu contrato; a do brasileiro, se o Paris Saint-Germain se aproximasse dos 80 milhões solicitados por Skriniar – os franceses, porém, jamais ofereceram mais do que 60, considerados inaceitáveis pelos italianos.

O mercado do futebol, porém, pode ser cruel. A rapidez com que certas negociações ocorrem, em oposição à lentidão de outras, tem a capacidade de mover montanhas e gerar reviravoltas em efeito dominó. Foi o que ocorreu nesta semana. O Barcelona se moveu para contratar Robert Lewandowski do Bayern Munique, que pode investir parte do montante acordado pela venda do polonês na aquisição de Matthijs De Ligt, da Juventus. Após recuperar os cerca de 80 milhões de euros gastos para chegar ao zagueiro holandês, a Velha Senhora – que amortizou perdas em seu balanço após negociar Cristiano Ronaldo – ficou com dinheiro de sobra para fazer uma proposta ao Torino por Bremer, o melhor zagueiro da última Serie A, e rivalizar com a Inter.

A equipe de Milão, por sua vez, continuou de mãos atadas. Pelas questões já apresentadas, podia oferecer ao Torino no máximo 30 milhões de euros, mais cinco de bônus e o empréstimo do promissor Cesare Casadei, além de um salário de 3 mi a Bremer. Urbano Cairo, presidente do Toro, queria 50. Como o brasileiro já tinha um acordo com a Inter, havia a disposição de contentá-lo, mas isso até não haver concorrentes. Quando a Juventus surgiu no horizonte com o valor pedido pelos grenás e propôs ao brasileiro o dobro dos honorários que a rival concederia, rapidamente ganhou a disputa. A bem da verdade, sequer existiu contenda a partir do momento em que a Velha Senhora negociou De Ligt e entrou na jogada.

E Dybala? A Roma, através de José Mourinho, já se interessava por La Joya desde que ficou claro que ele não renovaria com a Juventus. A pedida salarial, contudo, impedia o negócio. E dificultava até mesmo os planos da Inter, que estava mais próxima do craque. Como o argentino não encontrava qualquer clube que decidisse pagar o que ele ganhava da Velha Senhora, a Beneamata, que oferecia o melhor contrato, era a favorita a ficar com o seu futebol – a proximidade do jogador com Marotta era outro trunfo.

Mas aí surgiram os nós. A dificuldade nerazzurra de liberar espaço na folha salarial e de diminuir o número de atacantes, através da liberação de Sánchez e/ou da cessão de Joaquín Correa e Edin Dzeko; a inércia nas conversas com o PSG por Skriniar; as arrastadas tratativas com Bremer… Quando os empresários do futebol souberam que as peças se moveriam após a venda de Lewandowski ao Barcelona e que a Inter teria de priorizar uma nova tentativa pelo zagueiro brasileiro, ficou claro que Dybala teria de esperar mais para concretizar a sua chegada em Milão – e, sim, Marotta o informou disso. Foi aí que o argentino, cansado de esperar, deu o aval para seu agente, Jorge Antun, aceitar a proposta (inferior) da Roma. Em segundos, o negócio foi fechado.

Em poucas horas, a Inter viu dois jogadores que elevariam o nível do elenco reforçarem rivais. Os chapéus, obviamente, fizeram com que a diretoria passasse a ser ainda mais fortemente contestada pela torcida. Ao mesmo tempo, praticamente obrigam a agremiação a fechar as portas para a venda de Skriniar: do contrário, a crise de imagem poderia ser ainda mais danosa do que o vermelho no balanço, que pode vir a ser esmaecido com cessões de menor valor. O desfecho negativo nas transações que levariam Dybala e Bremer à Pinetina farão Marotta e Ausilio trabalharem ainda mais, e de cabeça quente, neste verão.

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