A genética nos mostra que a herança vai muito além do patrimônio da família. No futebol italiano, o sobrenome de várias famílias persiste até os dias de hoje: Antonelli, por exemplo, é relativamente comum na Lombardia e nos gramados. Roberto Antonelli, destaque do Milan nos anos 1970 e 1980, é pai de Luca Antonelli, também ex-jogador rossonero. Ambos compartilham passagens em épocas dramáticas do Diavolo, mas as semelhanças nas trajetórias de pai e filho não vão muito além disso.
Embora Roberto tenha se consagrado como ponta-direita, Luca optou pela defesa, até invertendo o lado, pois foi lateral-esquerdo – provavelmente, portanto, marcou bastante o pai em peladas. Nascido em Monza, onde seu pai encerrou a carreira, o pequeno Antonelli deu os seus primeiros passos no futebol na academia de juniores dos brianzoli, como meia. Um ano depois, se transferiu para o Milan. Nos juvenis rossoneri, Franco Baresi enxergou potencial nele para atuar na linha defensiva.
“Quando percebi que ele seria um grande jogador? Eu já estava treinando e acompanhando seu progresso nas categorias de base do Monza”, comentou Roberto, seu pai, em conversa com a revista Forza Milan. “O técnico Angelo Massola estava convencido de seu potencial. Então, em 2004, ele chegou ao Milan, onde foi treinado por Franco Baresi. Aliás, foi ele quem o adaptou como defensor, pois antes Luca era um ala ofensivo. Enfim, não é mérito meu se ele decidiu ser jogador de futebol ou se tornou bom nisso”, completou.
Em novembro de 2006, na Coppa Italia, o sobrenome Antonelli voltou a ser narrado em jogos do Diavolo. Sua estreia na Serie A ocorreu um mês depois. Vale destacar que o jovem lombardo fez parte do grupo do Milan que foi campeão europeu, apesar de não ter jogado – Luca ficou no banco em duas partidas da fase de grupos.
Antonelli foi cedido ao Bari na temporada seguinte, e se destacou em pouco tempo na segunda divisão – a ponto de outro clube, o Parma, se interessar e contar com seus serviços por empréstimo para o restante da Serie A 2007-08. Luca não jogou muito na campanha que resultou no descenso dos crociati, mas foi comprado em copropriedade e permaneceu na Emília-Romanha para a disputa da categoria inferior. Os ducali retornaram de imediato à elite e a diretoria adquiriu o restante de seus direitos adquirido logo depois.
Jogando como ala pela esquerda do 3-5-2 de Francesco Guidolin, Antonelli ajudou o Parma a permanecer na elite em 2009-10. E, apesar de não ter sido titular absoluto na campanha, o atleta de 23 anos entrou na lista de Cesare Prandelli, que havia sido escolhido para renovar a seleção italiana após o vexame na Copa do Mundo de 2010, sob o comando de Marcello Lippi.
O novo técnico da Itália incluiu Luca na lista de convocados da Squadra Azzurra para os jogos contra Estônia e Ilhas Faroe, em setembro de 2010, válidos pelas Eliminatórias da Euro 2012. Porém, apesar das chances que recebeu nessas duas partidas, não teve sequência na seleção. Não que estivesse mal pelo seu clube. Pelo contrário: meses depois, consolidado como titular do Parma, Antonelli chamou a atenção do Genoa, que o adquiriu por um montante em dinheiro mais a cessão de Raffaelle Palladino e Francesco Modesto aos emilianos.
A transação representava, para a família Antonelli, uma volta ao passado – afinal, Roberto defendera o clube entre 1982 e 1984. Luca, no entanto, teria uma passagem mais longeva: quatro anos, distribuídos em três temporadas inteiras e mais duas incompletas, com 109 jogos realizados, oito tentos anotados e 11 passes para gol.

Luca chegou a ser capitão do Genoa e, pelo clube da Ligúria, viveu os melhores momentos da carreira (Getty)
Em seus primeiros 18 meses de Genoa, o lateral-esquerdo pouco conseguiu atuar, devido a uma sequência de lesões musculares. Numa das raras vezes em que entrou em campo nesse período, o lombardo esteve presente na goleada sofrida para o Siena, na reta final da Serie A 2011-12 – uma partida que entrou para a história por ter despertado a revolta dos ultras. Sinalizadores foram atirados ao gramado do Luigi Ferraris e chegaram a haver exigências para que os jogadores tirassem as camisas, sob a acusação de “serem indignos de usarem as cores” do clube. O time da Ligúria escapou do rebaixamento por muito pouco.
Antonelli, a propósito, ocupou o flanco do time genovês em uma fase sem grandes aspirações dos grifoni, quando a maior preocupação se limitava à fuga do rebaixamento. Porém, firmado no onze inicial a partir de 2012-13, somava boas atuações individuais e voltou a ser chamado por Prandelli para representar a seleção italiana: em 2013, disputou uma sequência de amistosos contra Malta e Brasil. No ano seguinte, após a eliminação da Itália na Copa de 2014 e o pedido de demissão de Prandelli, voltou a ser convocado por Antonio Conte e, em setembro de 2016, encerrou sua trajetória na Nazionale aos 29.
Para ter sido convocado algumas vezes entre 2014 e 2016, Luca precisou mostrar serviço. Nesse período, aliás, viveu a melhor fase da carreira: na condição de capitão do Genoa, então treinado por Gian Piero Gasperini, fez um ótimo primeiro turno na Serie A 2014-15, com direito a gols em três partidas seguidas e tento decisivo em vitória sobre o Milan. Ao fim daquela campanha, os grifoni ficariam na sexta colocação e só não disputariam a Liga Europa porque, devido a pendências financeiras, não recebeu licença por parte da Uefa.
Antonelli, contudo, não permaneceu até o fim da campanha. No último dia da janela de inverno, em fevereiro de 2015, concretizou o retorno ao Milan, após os rossoneri desembolsar 4,5 milhões de euros. Curiosamente, Luca terminou a temporada numa posição inferior à do antigo clube: o Diavolo, então treinado por Filippo Inzaghi, foi apenas 10º colocado.

Repetindo o pai, Luca atuou por Genoa e Milan: nos rossoneri, começou bem, mas depois foi vitimado por lesões (Getty)
Em 2015-16, Luca teve o seu último ano como titular na carreira. Era uma época de vacas magras em San Siro e Antonelli foi o escolhido do técnico Sinisa Mihajlovic para ocupar a lateral esquerda, na tentativa de fazer o time deixar a má fase para trás. Apesar da derrota para a Juventus, em fevereiro, ele anotou o único gol do Diavolo e arrancou lágrimas do pai. “Fiquei emocionado com o gol do meu filho contra a Juventus, pena que não acabou bem. Luca é um profissional sério, além de um menino excepcional. Espero que ele possa ficar no Milan por muito tempo”, declarou Roberto, na época.
Antonelli até permaneceu em Milanello por pouco mais de dois anos. Ao longo da temporada 2015-16, ele aumentou a média de roubadas de bola e interceptações em relação aos números apresentados no Genoa e, segundo o site WhoScored, teve o melhor desempenho do elenco rossonero na primeira metade daquela Serie A. Na época, o Bleacher Report classificou a contratação como uma ótima oportunidade de mercado aproveitada pelo Diavolo.
Luca seguiu como titular mesmo depois da demissão de Mihajlovic e da chegada de Cristian Brocchi, que levou o Milan ao sétimo lugar da Serie A e ao vice da Coppa Italia. Na gestão de Vincenzo Montella, porém, se viu assolado por problemas físicos e, como assíduo frequentador do departamento médico, pouco jogou. Somente em 2016-17, foram 123 dias afastado dos gramados em decorrência, principalmente, de lesões musculares. Mesmo assim, ainda recebeu alguns minutos na Supercopa Italiana, conquistada sobre a Juventus.
As dores diminuíram na temporada posterior, mas ele continuou escanteado. A concorrência estabelecida com contratações dos novos investidores do time rossonero, como Ricardo Rodríguez, tirou de Luca a possibilidade de ter lugar cativo no lado esquerdo da zaga do Milan. Em suas duas últimas campanhas pelo Diavolo, somou apenas 22 aparições.
A queda vertiginosa no desempenho físico se refletiu no mercado. Em agosto de 2018, Antonelli foi anunciado pelo Empoli e voltou a ter a luta contra o rebaixamento como realidade imediata. Sem uma participação efetiva do defensor, com apenas 13 aparições na Serie A, os toscanos amargaram o descenso, graças à 18ª posição. Luca permaneceu para disputar a divisão de acesso e, novamente, não teve o impacto reproduzido antes das lesões: atuou somente 14 vezes na campanha que culminou em mais uma temporada na segundona.
Após ser dispensado do Empoli, Antonelli se despediu da Itália rumo à primeira oportunidade no exterior. Ele assinou com o Miami FC, dos Estados Unidos – franquia que tem Paolo Maldini entre os fundadores e Alessandro Nesta na lista de ex-treinadores. Na USL Championship, considerada como a segunda divisão estadunidense, o italiano acumulou 19 aparições na caminhada em que o time da Flórida chegou aos playoffs.
Em novembro de 2022, Antonelli confirmou a aposentadoria aos 35 anos. À Gazzetta dello Sport, afirmou que vai “aproveitar mais a família e os filhos”. O ex-lateral também indicou que tem a pretensão de, em julho de 2023, começar os estudos para ser treinador. É verdade que Luca não espelhou o legado do pai nem concretizou as expectativas sobre seu futebol. Porém, as regulares passagens do filho da arte por Milan e Genoa, que lhe renderam experiências na seleção italiana, o deixam em posição privilegiada no mundo da bola – e, certamente, orgulharam seu genitor.
Luca Antonelli
Nascimento: 11 de fevereiro de 1987, em Monza, Itália
Posição: lateral-esquerdo
Clubes: Milan (2006-07 e 2015-18), Bari (2007-08), Parma (2008-11), Genoa (2011-15), Empoli (2018-20) e Miami FC (2021-22)
Títulos: Champions League (2007) e Supercopa Italiana (2016)
Seleção italiana: 13 jogos