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Com queda precoce na Copa do Mundo Feminina de 2023, a Itália repetiu decepção da Euro

A Copa do Mundo de 2019 na França foi fundamental para o renascimento do futebol feminino na Itália. Com a recente profissionalização da Serie A, eram grandes as expectativas para que as azzurre repetissem, no Mundial de 2023, a boa campanha da edição anterior do torneio, quando alcançaram as quartas de final. Passados quatro anos, entretanto, não foi isso que aconteceu. A equipe comandada por Milena Bertolini reprisou o fracasso da última Eurocopa e encerrou a sua participação no certame, realizado na Oceania, ainda na fase de grupos. O desempenho negativo culminou na demissão da técnica, que já vinha sendo contestada, e deve resultar em ampla renovação da seleção.

Pela primeira vez em uma Copa do Mundo, a Nazionale teria um grupo formado por jogadoras profissionais. A mudança de regime contratual das atletas tem sido vista como uma oportunidade para consolidar de vez a Itália no cenário das principais seleções femininas, depois de tantos altos e baixos, mas essa expectativa não se concretizou na Inglaterra, palco da última Euro, e tampouco na Nova Zelândia, um dos países-sede do Mundial – a Austrália é o outro. Enquanto outras equipes nacionais evoluíram e elevaram o nível da modalidade, afastando as desconfianças sobre a qualidade de um torneio global com 32 participantes, as azzurre regrediram.

Para a viagem à Oceania, Bertolini convocou diversas remanescentes da campanha de 2019: Barbara Bonansea, Cristiana Girelli, Manuela Giugliano, Valentina Giacinti e Elena Linari eram as principais peças desse grupo, mas Laura Giuliani, Lisa Boattin, Valentina Cernoia, Elisa Bartoli e Annamaria Serturini também já tinham experiência no Mundial. Elas se juntavam a uma geração mais nova, capitaneada pela meia Arianna Caruso e abrilhantada por Giulia Dragoni, também meio-campista, de apenas 16 anos. A proposta da treinadora continuava a mesma, calcada na valorização da velocidade e da posse de bola.

O Grupo G, porém, não seria um dos mais fáceis da Copa do Mundo. A Suécia, uma das seleções mais tradicionais no futebol feminino, era a franca favorita à liderança. A Squadra Azzurra aparecia como segunda força, mas precisando ter atenção com Argentina e África do Sul, que completavam a chave e brigariam com a Nazionale por uma vaga.

Autora do gol da vitória contra a Argentina, Girelli não foi titular em nenhum jogo da Copa do Mundo (Getty)

As expectativas iniciais de que a Itália apagaria a má impressão da última Euro neste Mundial começaram a se esvair logo no jogo de estreia. Apesar de manterem maior porcentagem de posse de bola (53%), as azzurre encontraram dificuldades de furar a forte defesa argentina graças à morosidade ofensiva que vinha apresentando desde a Euro 2022. Assim, só conseguiram a vitória nos minutos finais, com um gol da veterana Girelli, que saiu do banco aos 83 e marcou aos 87: 1 a 0 magro, mas que deixava a Nazionale na segunda colocação do grupo.

A segunda partida da Itália seria contra a Suécia e era prevista como a mais difícil. O time italiano era o azarão da vez e almejava pelo menos fazer um jogo competitivo, mas os problemas que o trabalho de Bertolini vinha mostrando se intensificaram. A Nazionale até teve um bom começo de confronto, com ritmo elevado, mas construiu mal, quase não finalizou e ainda viu o seu sistema defensivo perecer – sobretudo nas bolas aéreas.

Sem Giacinti e Girelli em campo, a Itália teve suas melhores chances com Sofia Cantore. Mas as suecas abriram o placar aos 38 minutos, com gol de cabeça de Amanda Ilestedt. Depois disso, só deu Suécia: aos 43, Fridolina Rolfö faria o segundo e, nos acréscimos, Stina Blackstenius aproveitaria a bobeira da zaga e anotaria o terceiro.

A humilhação estava sendo construída e Bertolini assistiu passivamente. A Itália voltou dos vestiários sem alterações e, previsivelmente, mal deu tempo de as azzurre buscarem a reação: aos 50, Ilestedt marcou, novamente de cabeça, o quarto gol. Para fechar a goleada, Rebecka Blomqvist driblaria a zaga e a goleira Francesca Durante para fazer o quinto, já nos acréscimos, quando a Nazionale já havia realizado cinco – ineficientes – alterações.

Ao que tudo indica, a atuação de gala das suecas serviu de atenuante para Bertolini, que repetiu os seus erros na última partida das azzurre na fase de grupos: a estrutura da equipe foi mantida e apenas duas peças que atuaram contra as escandinavas foram sacadas; uma delas, Cantore, que deu lugar ao retorno de Giacinti ao onze inicial. Girelli continuou no banco. Giugliano e Bonansea, que vinham rendendo pouco, seguiram no time por conta de sua importância no trabalho da técnica.

Bagunça nas jogadas aéreas foi algo comum para a Itália na Copa e resultou em goleada sueca (Getty)

Em Wellington, capital da Nove Zelândia, a Itália não flertava com um drama: precisava apenas fazer valer a sua superioridade contra a África do Sul e obter ao menos um empate, associado a uma igualdade entre Suécia e Argentina, ou vitória das europeias, o que acabou acontecendo. Mas, diante de um deserto de ideias e de uma miríade de problemas, as italianas viram as sul-africanas marcarem nos acréscimos e garantirem uma das classificações mais épicas da história do Mundial feminino.

Aos 11 minutos, um pênalti bobo facilitou as coisas para a Itália, que resolveu os seus problemas de finalização com a conversão da cobrança por parte de Caruso. As sul-africanas não ficaram atrás e quase empataram aos 20, quando Robyn Moodaly acertou a trave. As Banyana Banyana conseguiriam o empate ainda no primeiro tempo, graças a uma bobeada grotesca da zaga italiana: Benedetta Orsi, uma das poucas mudanças feitas por Bertolini, errou no recuo para a goleira Durante e acabou marcando contra.

No segundo tempo, as Banyana Banyana conseguiram a virada. Thembi Kgatlana – o nome do jogo – driblou todo mundo e deixou Hildah Magaia sozinha na área para balançar as redes. Então, quem precisava buscar a reação eram as italianas. Girelli, que saíra do banco pouco antes do gol da África do Sul, cobrou escanteio e Caruso marcou de cabeça, empatando aos 74. Como a Suécia estava vencendo a Argentina, o empate já garantia a classificação, mas a Itália desperdiçou a chance de matar a partida, quando Girelli finalizou sem força.

O jogo se arrastou e a árbitra chilena María Carvajal decidiu dar 11 minutos de acréscimo. As italianas não conseguiram criar mais nada e tentavam se segurar no empate – o que terminou sendo um erro. Aos 92 minutos, Magaia avançou pelo lado esquerdo e lançou a bola no meio da área, onde Kgatlana apenas empurrou para o fundo da rede, fazendo 3 a 2 e levando a África do Sul pela primeira vez para a fase das oitavas de final em uma Copa do Mundo.

A participação italiana no Mundial da Austrália e da Nova Zelândia se tornou mais uma decepção para a lista de frustrações protagonizadas tanto pela equipe feminina quanto pela masculina. O time criou muito pouco ofensivamente, jamais mostrou a organização característica de Copa de 2019 e ainda emendou falhas grosseiras na zaga. Para piorar, Bertolini seguiu um roteiro bastante comum para eliminados, com enorme teimosia e recusa de enxergar alterações necessárias para calibrar o rendimento das suas comandadas. Faltou sensibilidade na gestão do elenco.

Giacinti foi uma das jogadoras mal utilizadas por Bertolini no Mundial e acabou sendo retrato da má produção ofensiva das azzurre (Getty)

A treinadora já vinha sendo duramente criticada desde o vexame na Euro 2022, quando a Itália segurou a lanterna de um grupo com França, Islândia e Bélgica. Na ocasião, as azzurre foram duramente goleadas pelas francesas e foram eliminadas graças a tropeços contra seleções inferiores – empate com as islandesas e derrota para as belgas. Dali até a Copa, a Nazionale entrou em campo 10 vezes, vencendo quatro delas e jamais convencendo. Os triunfos ocorreram contra Moldávia, Romênia, Coreia do Sul e Colômbia.

Críticos já cobravam a demissão de Bertolini desde o fracasso europeu. A Federação Italiana de Futebol – FIGC refugou e, agora, tem um problema nas mãos. A técnica entregou o cargo com uma carta publicada em redes sociais, mas nenhum dos nomes ventilados para substituí-la parece capaz de comandar a Nazionale feminina rumo a um patamar mais elevado.

Alberico Evani e Attilio Lombardo, assistentes de Roberto Mancini na seleção masculina, teriam declinado o convite da FIGC. Paolo Nicolato, ex-técnico da sub-21 dos homens, e Andrea Stramaccioni, ex-Inter, Udinese, Panathinaikos e Sparta Praga, estão entre os cotados. Entretanto, o favorito é Carmine Gautieri, que vem de fracasso no Sangiugliano, da terceirona, e teve como melhor trabalho na carreira a promoção da Virtus Lanciano à Serie B e a sua manutenção na categoria, há mais de uma década.

Além de a FIGC não dar bons sinais na escolha do comando técnico, vale lembrar que parte das jogadoras mais importantes do elenco italiano já têm idade elevada. Girelli, de 33 anos, e Bonansea, de 33, seguem no grupo? A renovação deve ser feita com calma, e não de forma desastrada, como tentou Bertolini ao longo da própria Copa do Mundo. Se, por um lado, manteve peças de confiança e veteranas que não estavam rendendo o esperado, deu espaço a muitas garotas de pouca experiência na seleção de uma só vez. Até o Mundial, nenhuma entre Durante, Orsi, Dragoni, Cantore, Lucia Di Guglielmo e Chiara Beccari tinha sequer 15 jogos pela Nazionale.

Imersa em dúvidas, a seleção feminina da Itália terá seu próximo compromisso apenas em setembro, na Liga das Nações da Uefa. Lá, as azzurre enfrentarão a Suíça, no dia 22. O Grupo 4 da Liga A, porém, é uma pedreira: além das suíças, as italianas encaram também Suécia e Espanha. A última colocada é rebaixada para a segunda divisão e a penúltima ainda precisa disputar a repescagem para evitar a queda.

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