Jogadores

A queda de Darko Pancev, o goleador que virou piada na Inter

“A Inter foi o maior erro da minha vida, por causa da Itália encerrei a carreira cedo. Em 1991, me queriam Milan, Barcelona, ​​Manchester United, Real Madrid. Fui o mais procurado e acabei na Inter, que praticava um futebol defensivo e me oferecia no máximo duas chances por jogo. A Inter me arruinou”. Esta declaração foi dada à Gazzetta dello Sport, em 2007, por Darko Pancev, ex-atacante que foi de alvo mais cobiçado da Europa a um retumbante fracasso na Inter, a ruína de sua carreira. Pancev passou a ser lembrado mais por conta de seu insucesso na Itália do que pelos feitos realizados, que não foram poucos, em sua terra natal.

As credenciais do goleador

Darko Pancev nasceu em Skopje, na República Socialista da Macedônia – nação que compunha a Iugoslávia –, no dia 7 de setembro de 1965. Cresceu jogando no Vardar, onde começou a jogar bola aos 11 anos, e por lá se profissionalizou em 1983. Não tardou para ele se revelar um dos jogadores mais letais do continente.

Ao todo, marcou 84 gols em 151 partidas e foi o goleador máximo da liga iugoslava na temporada 1983-84, tendo balançado as redes 19 vezes. Chegou a vencer o título nacional em 1987 – o macedônio Vardar, inclusive, disputou a Copa dos Campeões depois –, mas a conquista foi anulada após uma série de imbróglios jurídicos e a taça ficou com o Partizan, da Sérvia.

O sucesso o levou ao Estrela Vermelha, maior equipe de Belgrado, então capital iugoslava. No entanto, Pancev perdeu a temporada 1988-89 inteira devido ao serviço militar, obrigatório também aos atletas. Retornou e viveu o período mais vitorioso da carreira. Em quatro anos, o Cobra, como foi apelidado, conquistou uma Copa da Iugoslávia (1990) e um tricampeonato nacional – de 1990 a 1992, sendo artilheiro em todos os anos.

Naturalmente, Darko era presença constante na seleção da Iugoslávia, que, anos antes de sua dissolução, reunia jogadores de sete repúblicas atualmente independentes – Sérvia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Eslovênia, Montenegro, Macedônia do Norte e Kosovo. Pancev estreou com a camisa azul em 1984, aos 18 anos, e foi presença constante nas convocações até o país e, consequentemente, a seleção deixarem de existir naqueles moldes, em 1992. Antes disso, disputou a Copa do Mundo de 1990 e ainda marcou dois gols na vitória por 4 a 1 sobre os Emirados Árabes Unidos.

Pancev viveu seu auge em 1991. Naquele ano, ajudou o Estrela Vermelha a ganhar a Copa dos Campeões e a Copa Intercontinental. Na final europeia, decidida nos pênaltis contra o Olympique de Marseille, Darko converteu a cobrança que garantiu o título no estádio San Nicola, em Bari. Em dezembro veio o Mundial em Tóquio e o clube de Belgrado venceu o Colo-Colo por 3 a 0, com Pancev dando números finais à peleja. A nível individual, faturou a Chuteira de Ouro (34 gols) e foi o segundo colocado na classificação da Bola de Ouro, ao lado do companheiro Dejan Savicevic e de Lothar Matthäus, da Inter. O francês Jean-Pierre Papin, do OM, levou o prêmio.

Sammer e Pancev foram dois dos principais reforços da Inter em 1992 (imago)

Sonho ou pesadelo?

Pancev vivia um sonho que parecia não ter fim. Grandes clubes da Europa, como Barcelona, Real Madrid e Manchester United, desejavam contratá-lo e batiam à porta do Estrela Vermelha na tentativa de convencer o clube, sufocado pela Guerra Civil Iugoslava. Adriano Galliani, dirigente do Milan à época, considerou entrar na disputa, mas no final preferiu investir em Savicevic. Sinisa Mihajlovic e Vladimir Jugovic, outros ex-companheiros de Estrela Vermelha, também chegavam para jogar a Serie A – respectivamente, por Roma e Sampdoria.

A Inter, presidida por Ernesto Pellegrini, venceu a dura concorrência e anunciou a aquisição do atacante macedônio no verão de 1992, em contrato válido por quatro anos. Os torcedores nerazzurri, empolgados, sonhavam com uma dupla de ataque formada por Pancev e Salvatore Schillaci, artilheiro da Copa do Mundo de 1990, com seis gols. O uruguaio Rubén Sosa, da Lazio, o russo Igor Shalimov, do Foggia, e o alemão Matthias Sammer, do Stuttgart, eram outros reforços de peso fechados pela Beneamata.

Na temporada anterior à chegada do Cobra, a Inter terminara a Serie A em um decepcionante oitavo lugar. Para o novo ano, o treinador Osvaldo Bagnoli, campeão e arquiteto do título do Verona em 1985, substituiu o lendário Luis Suárez, que treinara o time interinamente depois de uma aposta fracassada em Corrado Orrico. O trio alemão formado por Matthäus, Jürgen Klinsmann e Andreas Brehme também deixava o clube nerazzurro, que buscava o começo de um novo ciclo. As circunstâncias pareciam indicar um caminho favorável para Pancev brilhar.

Suas primeiras partidas pela Coppa Italia sugeriram o início de uma história feliz. Contra a Reggiana, Pancev anotou uma tripletta no jogo de ida (4 a 3) e uma doppietta na partida de volta (4 a 2). Então começava a Serie A e, também, o calvário de Pancev. O Cobra, encontrando enormes dificuldades para achar o caminho do gol, desperdiçava chance atrás de chance.

Na segunda rodada do campeonato nacional, a Inter recebeu o Cagliari. Alessandro Bianchi escapou da marcação e cruzou na medida para Pancev, a pouco mais de um metro do gol e sem nenhum adversário em seu encalço em um raio de pelo menos cinco passos. Ele mirou a bola, mas não aproveitou a chance. Apesar do erro, todos consideraram ter sido um lance de azar do novo contratado. Com o desenrolar das semanas, todavia, perceberam que não se tratava meramente de uma questão de sorte.

Além da má fase técnica, Pancev acabou se envolvendo em atritos com Bagnoli, que acabou afastando-o e colocando Schillaci para jogar em seu lugar. Um dos maiores motivos que azedaram a relação entre os dois foi a discordância entre suas respectivas filosofias de jogo. O comandante queria que ele se dedicasse mais, em prol da equipe, mas o atacante queria apenas ser o homem-gol.

“Existem atacantes que correm e jogadores que não correm. Eu era um daqueles atacantes com talento para marcar gols e estava correndo a apenas 30 metros de distância para o gol. A Inter não aceitaria a forma como eu jogo. Fui excluído desde o início, sem saber o porquê. Alguns dos jogadores mais experientes [Walter Zenga, Giuseppe Bergomi e Riccardo Ferri] influenciaram Bagnoli a escalar Schillaci, que jogava com eles na seleção. Totò marcou apenas cinco ou seis gols”, declarou ao inglês The Times, já aposentado.

Era a receita para o fracasso. Como o regulamento da Serie A não permitia que um clube relacionasse mais do que três estrangeiros por partida, Bagnoli acabou preterindo o macedônio: optava por Sosa – escalado no ataque ao lado de Schillaci –, Sammer e Shalimov. E não era exatamente má vontade, pois o técnico parecia disposto a dar oportunidades a Pancev. Chegou a elogiar o atacante, dizendo que ele era oportunista e que merecia sua confiança.

Em meio às rusgas públicas, Bagnoli foi taxativo numa entrevista. “A mentalidade dele tem que mudar se ele quiser um lugar garantido na equipe. Ele deve participar mais e voltar quando necessário. Eu sei que ele pode fazer isso e vou insistir. O Milan conseguiu com [Marco] Van Basten, que agora se movimenta mais e muda de posição com Papin. Não vejo por que isso não deveria acontecer com Pancev”, afirmou o comandante.

Nenhum dos dois parecia disposto a rever seus conceitos e, como resultado, Pancev raramente jogava. Quando ia a campo, não correspondia. Ele tratava uma inglória batalha na tentativa de adaptar-se às fortes e bem organizadas defesas da Serie A. A falta de gols naturalmente teve relação com os poucos minutos em campo, mas é difícil ignorar o fato de que, tivesse ele revisto suas atitudes e feito alguns ajustes, as coisas poderiam ter sido muito diferentes – e melhores – para ele.

Em sua primeira temporada na Itália, somou 12 jogos na Serie A e apenas um gol marcado, quando abriu o placar no duelo que terminou empatado em 2 a 2 contra a Udinese, pela 18ª rodada, depois da pausa de inverno. A Inter ficou em segundo lugar, atrás do campeão Milan. Mas o parecer de Bagnoli a respeito do estilo de jogo não mudava e soava praticamente como um aviso final.

“Eu entendo, ele sempre jogou assim, marcou muitos gols e ganhou muito, mas eu espero mais. Ele deve entender que na Inter ele pode jogar de forma diferente”, disse. O técnico ainda deixou no ar uma insinuação sobre a falta de comprometimento do atacante, que costumaria reclamar de dores musculares quando captava a informação que iria para o banco. “Ele vem da Macedônia, mas eu sou de Bovisa [bairro de Milão] e não sou idiota”, reagiu.

Em desgraça, Pancev tornou-se alvo de um tradicional programa satírico (La Gialappa’s Band), que o comparou ao ex-milanista Egidio Calloni, conhecido por perder gols. Os comediantes deram a Darko o título de “o maior não-artilheiro” do campeonato. Também era alvo constante de piadas de outro programa, o “Mai dire Gol”, famoso por exibir erros e lances cômicos. O Cobra, agora mais famoso por causa do escárnio sofrido do que pelo futebol, passou a ser chamado de “Ramarro” – “lagarto”, em italiano. Chegara com reputação de ser peçonhento como uma serpente, mas se mostrara inofensivo como um simpático calango.

A chegada de Dennis Bergkamp em 1993-94 levou Pancev para um lugar ainda mais distante do princípio da fila de Bagnoli. Enquanto via a deterioração de sua relação com o técnico, o atacante não recebeu mais minutos até a parada de inverno. Sequer era convocado para constar no banco de reservas. “Em nove anos como profissional, joguei com muitos treinadores e experimentei diferentes módulos. Sempre me dei bem, sempre ganhei. Não entendo porque eu não consigo encontrar espaço nos esquemas de Bagnoli”, protestou.

Rendido, foi emprestado ao Lokomotive Leipzig durante os seis meses restantes da temporada. Antes do negócio ser sacramentado, chegou a externar sua insatisfação: “Daqui eu não saio e não vou para um time que é o último na classificação”. Mas saiu. Na Alemanha, ganhou mais oportunidades e voltou a atuar com maior frequência, mas não conseguiu ajudar a evitar o rebaixamento do time; marcou dois gols em 10 partidas. Na Serie A, a Inter não teve motivos para sorrir e ficou apenas na 13ª posição.

Sempre à margem do time, Pancev (à direita) não teve sucesso na Inter (AP)

Da esperança à aposentadoria

Após o breve interlúdio no leste da Alemanha, retornou a Milão disposto a reescrever sua história por lá. A Inter tinha uma mudança em seu comando: Bagnoli, desafeto de Pancev, se aposentara e dera lugar a Ottavio Bianchi, o que serviu de combustível para Pancev renovar os ânimos.

“Esqueci todo o meu passado nerazzurro, estou aqui com muita vontade de deixar claro o quanto valho. Que eu não sou o jogador de raras aparições. Mesmo em Leipzig, na temporada passada, foi um drama. Só marquei dois gols nos últimos dez jogos e também fomos rebaixados. Agora mudei totalmente, com a mentalidade e vontade de dar o máximo até nos treinos. Estou convencido de que estou bem, gosto do treinador Bianchi porque ele fala abertamente. Só peço que me seja dada a oportunidade de jogar três ou quatro jogos seguidos”, disse, esperançoso.

Assim como da primeira vez, o começo foi positivo. Marcou contra Lodigiani e Padova nas duas primeiras fases da Coppa Italia, com a Inter vencendo ambos os confrontos pelo placar de 3 a 0. O macedônio ganhou outra chance como titular contra o Milan, no jogo de ida das oitavas, e passou em branco na vitória por 2 a 1; os nerazzurri seriam eliminados pelo Foggia na etapa seguinte. Na Copa Uefa, também foi titular na partida de volta do primeira estágio do torneio, que marcou a queda dos italianos contra o Aston Villa.

Pancev fez sua reestreia na Serie A como titular na vitória por 2 a 0 contra o Torino, fora de casa. Ficou de fora nas partidas seguintes, mas retornou na quarta rodada e fez um gol no triunfo por 3 a 1, em cima da Fiorentina. Em seguida, atuou no empate sem gols contra a Juventus e, pela sexta rodada, voltou a marcar, mas as circunstâncias não foram das mais felizes: derrota para o Bari, por 2 a 1, no Giuseppe Meazza.

Na sétima rodada, jogando contra o Foggia, fora de casa, sofreu uma lesão muscular que atrapalhou sua sequência em campo. A mesma lesão acabou reaparecendo duas vezes e Pancev culpou o período que ficou praticamente sem atuar. Só foi voltar a ser relacionado na 14ª jornada e não saiu do banco na derrota por 2 a 0 para a Lazio. Ele voltaria a jogar apenas na 17ª, contra o Padova, quando entrou no início da segunda etapa; a partida caminhava para um 0 a 0, mas os biancoscudati anotaram um gol assinado por Massimiliano Rosa a pouco mais de cinco minutos para o fim do jogo.

Suas duas últimas aparições na Serie A foram contra a Roma (derrota por 3 a 1, pela 19ª rodada) e contra a Juventus (0 a 0, pela 22ª); a Inter terminou o campeonato na sexta colocação. Pouco tempo antes de sua última partida vestindo a camisa nerazzurra, Massimo Moratti assumiu como presidente da Inter. Ao término da temporada, Pancev voltou à Alemanha após ser negociado em definitivo com o Fortuna Düsseldorf. Encerrou, portanto, a sua experiência na Itália com 29 partidas e 10 gols – desempenho fomentado pelos tentos contra adversários mais frágeis na copa nacional.

Apesar dos esforços para tentar realinhar a carreira, o atacante jogou pouco no novo clube devido aos problemas físicos, que continuaram a persegui-lo. “Sempre na panturrilha”, reclamava. Em duas temporadas, foi três vezes às redes em 15 partidas, sendo duas na Bundesliga – na 4ª rodada, contra o Hansa Rostock (2 a 2), e na 20ª, contra o Schalke 04 (2 a 0) – e uma na DFB Pokal, abrindo a contagem na vitória por 3 a 1 sobre o Bayern Munique.

Sua última parada como jogador profissional foi no Sion, onde não marcou gols nas cinco partidas disputadas pelo clube suíço. Em 1997, aos 32 anos, anunciou aposentadoria e despediu-se dos gramados. Teve uma breve passagem como diretor esportivo no Vardar, seu primeiro clube e, em 2003, foi eleito o jogador macedônio mais notável dos últimos 50 anos. Em 2017, recebeu de Michel Platini a Chuteira de Ouro que lhe fora negada em 1991; na época, a federação cipriota de futebol inscreveu um jogador desconhecido que teria marcado 40 gols no ano. Décadas depois, descobriu-se que havia algo de errado e, portanto, decidiram premiar quem realmente era merecedor. Pancev, no caso.

Há alguns anos ele é dono de uma cafeteria em Escópia, capital de seu país. Se chama Devetka, que significa “nove” em macedônio, em referência ao número que ele utilizava nos áureos tempos de Vardar e Estrela Vermelha. O mesmo 9 que utilizou nas seis partidas em que defendeu a seleção da Macedônia do Norte. A equipe nacional rubra estreou em 1993, num amistoso contra a Eslovênia, e Pancev não só esteve em campo como marcou um dos gols na vitória por 4 a 1.

Excetuando a maior parte da torcida nerazzurra, a história de Darko pode despertar empatia em quem não a conhece. Em uma pesquisa feita pelo jornal Gazzetta dello Sport, Pancev, ainda que ídolo nacional da Macedônia do Norte, foi eleito o segundo pior estrangeiro da história da Inter, ficando atrás apenas do brasileiro Vampeta. Afinal, trata-se da vertiginosa queda técnica de um dos atacantes mais prolíficos da Europa, considerado Cobra por uns e Lagarto por outros.

Darko Pancev
Nascimento: 7 de setembro de 1965, em Escópia, Macedônia do Norte (antiga Iugoslávia)
Posição: centroavante
Clubes: Vardar (1983-88), Estrela Vermelha (1988-92), Inter (1992-94 e 1994-95), Lokomotive Leipzig (1994), Fortuna Düsseldorf (1995-96) e Sion (1996-97)
Títulos: Campeonato Iugoslavo (1990, 1991 e 1992), Copa da Iugoslávia (1990), Copa dos Campeões (1991) e Copa Intercontinental (1991)
Seleção iugoslava: 27 jogos e 17 gols
Seleção macedônia: 6 jogos e 1 gol

Compartilhe!

Deixe um comentário