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Pupilo de Nils Liedholm, Giorgio Morini se consolidou na Roma e foi do céu ao inferno no Milan

Dentro de campo, a regularidade de Giorgio Morini fez com que ele fosse um dos bruxinhos de Nils Liedholm, um dos maiores técnicos da história do futebol italiano: por Varese, Roma ou Milan, o versátil jogador quebrava o galho do comandante sueco onde quer que fosse escalado. A confiabilidade foi uma das marcas registradas do volante até o fim de sua carreira, quando o próprio manchou sua trajetória esportiva ao se envolver diretamente no Totonero, um dos mais famosos escândalos de manipulação de resultados do Belpaese.

Nascido em 1947 na cidade de Carrara, na Toscana, Morini começou sua carreira ao norte da Itália. Mais exatamente na Inter, por onde atuou nas categorias de base e até se profissionalizou, porém, sem jamais estrear entre os adultos. Seu debute nos gramados se daria apenas aos 21 anos, com a camisa do Varese, também da Lombardia.

Durante boa parte da década de 1960, o Varese foi um time ioiô: não conseguia passar mais de dois anos na Serie A. Em 1968-69, caiu para a segunda divisão, numa temporada em que Morini foi utilizado somente duas vezes, somando todas as competições. Na época seguinte, com a contratação de Liedholm, que era um técnico em início de carreira, a situação seria bem diferente para Giorgio e os próprios biancorossi.

De cara, Liedholm percebeu que Morini era o que os italianos definem como um jolly. Ou seja, um curinga, capaz de desempenhar diversas funções em campo. O toscano era volante de origem e também atuava com frequência como zagueiro, mas jogava mesmo onde fosse necessário – na carreira, chegou a ser utilizado como ala pela direita e até como meia mais solto. O dinamismo, a dedicação e o apurado senso de posicionamento eram as suas qualidades mais valiosas.

Em 1969-70, Giorgio assumiu o posto de titular absoluto de um Varese que contava com jovens talentos, como o goleiro Pietro Carmignani e os atacantes Ariedo Braida e Roberto Bettega, além do volante Riccardo Sogliano, já mais experiente. Comandados por Liedholm, os bosini ficaram com o título da Serie B – o primeiro da carreira de Morini – e, além do retorno à elite, fizeram uma surpreendente campanha na Coppa Italia, a qual concluíram num honroso quarto lugar.

Morini chegou à capital através de Herrera, mas foi com Liedholm que desenvolveu real sinergia (Arquivo/AS Roma)

Sem Bettega, que retornou à Juventus para se consolidar como um dos maiores nomes da história bianconera, o Varese garantiu a permanência na elite com uma campanha muito curiosa na Serie A 1970-71 – um caminho plausível apenas porque as vitórias valiam dois pontos na época. O time de Liedholm empatou metade dos seus compromissos (16) e, incrivelmente, sequer foi o líder neste quesito: Roma, com 18, e Fiorentina, com 19, obtiveram o mesmo resultado mais vezes. A disputa foi tão renhida que os biancorossi escaparam do descenso por um pontinho e, mesmo assim, terminaram o certame na oitava colocação.

Aquele Varese só foi capaz de se livrar do jejum de vitórias em plena 18ª rodada da Serie A, depois de somar incríveis 13 empates até ali, sendo 12 nas 15 jornadas do primeiro turno. Os bosini obtiveram apenas cinco triunfos e, curiosamente, Morini foi decisivo no mais importante deles. No 2 a 1 em San Siro, contra o Milan, o volante marcou um gol e sofreu um pênalti.

As limitações do Varese eram evidentes e foram desnudadas de uma vez após a saída de Liedholm. Em 1971-72, o time teve uma campanha ainda mais pobre e terminou a Serie A na lanterna, com apenas uma vitória. Com isso, Morini deixou a Lombardia e se mudou para a capital, onde defenderia as cores da Roma. A transferência, aliás, foi imediata: na semana seguinte ao rebaixamento dos bosini, Giorgio foi agregado ao elenco giallorosso que disputaria – e venceria – a Copa Anglo-Italiana.

Morini foi contratado pela Roma a pedido do técnico Helenio Herrera, que já conhecia o volante italiano desde seus tempos de Inter. A propósito, contar com peças que tinham a resistência física do incansável Giorgio era um fator considerado essencial pelo franco-argentino para a montagem de seus times. Entretanto, a primeira temporada completa do meio-campista na Cidade Eterna não foi das melhores em termos coletivos.

O versátil toscano foi titular absoluto da Roma, mas a equipe não decolou e Herrera nem chegou a concluir a temporada à frente do elenco. Os giallorossi obtiveram o modesto 11º lugar no campeonato e só não correram risco de rebaixamento na última rodada porque Vicenza e Atalanta, abaixo na tabela, se enfrentavam em confronto direto na saideira do certame. Ainda assim, a Loba terminou a campanha com os mesmos pontos da Dea, condenada à Serie B pelo saldo de gols, critério de desempate vigente na época.

Na temporada seguinte, após um começo de trabalho negativo do técnico Manlio Scopigno, Morini viria a se reencontrar com Liedholm, seu treinador na época de Varese, que comandou os giallorossi a partir da sétima rodada da Serie A. O sueco acertou a equipe, que passou a ter Giorgio quase como intocável no centro do campo, e o campeonato se encerrou com um tranquilo oitavo lugar. Entretanto, a Lazio, sua maior rival, ganhou o scudetto pela primeira vez.

Na Roma, Morini roubava bolas para que Cordova e De Sisti pensassem o jogo (AS Roma Ultras)

Em 1974-75, a Roma chegou a dar a impressão de que decepcionaria: nas cinco primeiras rodadas, acumulou três derrotas e dois empates. No entanto, a equipe de Liedholm deu a volta por cima e terminou a Serie A no terceiro lugar, com direito a duas carimbadas no scudetto da Lazio, graças às vitórias nos dérbis capitolinos. E Morini foi fundamental para que tal desempenho fosse alcançado.

Em sua melhor temporada como jogador, Morini atuou principalmente como volante, recuperando bolas no meio-campo e sendo auxiliar dos pensadores Franco Cordova e Giancarlo De Sisti. Esse trio segurava as pontas e, no ataque, Pierino Prati era o responsável por fazer gols – ao mesmo tempo, os pratas da casa Francesco Rocca, já bastante utilizado, Agostino Di Bartolomei e Bruno Conti amadureciam para atingirem, a posteriori, idolatria no lado giallorosso da capital. Somando Serie A e Coppa Italia, Giorgio atuou em 37 jogos de 40 possíveis, e ainda balançou as redes quatro vezes, sempre em triunfos.

O desempenho ascendente de Morini fez com que, aos 28 anos, ele pudesse estrear na seleção italiana. Na época, o técnico Fulvio Bernardini tentava reformular a Nazionale, que fracassara na Copa do Mundo de 1974, e deu três chances ao volante, que encarou Polônia e Finlândia, em dois empates sem gols pelas Eliminatórias da Euro 1976, e a União Soviética, em derrota por 1 a 0 num amistoso. Os insucessos nessas partidas foram cruciais para que Giorgio não voltasse a ser convocado novamente.

Curiosamente, o volante toscano teve a sua pior temporada na capital logo após a melhor. Em 1975-76, foi afetado por problemas físicos e viu sua utilização cair – somou 29 jogos em todas as competições. A Roma de Liedholm também decaiu e amargou campanhas modestas: foi décima colocada na Serie A e caiu precocemente tanto na Coppa Italia quanto na Copa Uefa.

A diretoria da Roma entendeu que havia chegado a hora de renovar o meio-campo, já que Di Bartolomei retornava de empréstimo exitoso ao Vicenza. Assim, os capitolinos entraram em acordo com o Catanzaro para a cessão de Morini, que preferia se transferir ao Napoli. No fim das contas, foi o Milan que levou a melhor e ficou com o experiente volante, que se despedia da Cidade Eterna após 132 aparições e oito gols marcados.

No Milan, Morini se tornou titular em uma dupla de meias centrais com Fabio Capello, também adquirido naquela temporada. Apesar de ter como missão primordial dar suporte ao camisa 10 Gianni Rivera, o toscano teve um pouco mais de liberdade e marcou sete gols – os seus únicos pelos rossoneri, no ano mais prolífico de toda a sua carreira.

Com ótimo desempenho pela Roma de Liedholm, o toscano chegou à seleção italiana (Arquivo/AS Roma)

Ao longo de um 1976-77 de altos e baixos, o Diavolo teve dois treinadores – Giuseppe Marchioro e Nereo Rocco – e acumulou campanhas irregulares. O Milan foi eliminado de forma contundente pelo Athletic Bilbao, nas oitavas da Copa Uefa, e chegou a brigar para não cair na Serie A, concluída na décima posição. O alívio se deu na Coppa Italia, cujo título foi conquistado num 2 a 0 sobre a arquirrival Inter. Giorgio foi titular na final, mas teve de ser substituído aos 12 minutos, por lesão.

Na temporada seguinte, as costumeiras movimentações do futebol fariam com que os caminhos de Liedholm e Morini se cruzassem mais uma vez, já que o treinador sueco seria – novamente – comandante do Milan, time em que fora ídolo como atleta. Dessa forma, o volante seguiu como titular dos rossoneri, num ano que se mostrou como de transição para o Diavolo.

Depois do quarto lugar na Serie A e de quedas precoces nas copas, o Milan se reorganizou em 1978-79, se baseando na experiência de nomes como Morini, Rivera, Capello, Enrico Albertosi, Aldo Bet e Alberto Bigon, mas também na juventude dos ascendentes Franco Baresi e Fulvio Collovati. Giorgio enfrentou problemas físicos na metade inicial da temporada, mas se recuperou plenamente a partir de fevereiro de 1979 e retomou a titularidade no time, que se sagraria campeão italiano pela décima vez, obtendo o direito de ostentar uma estrela em sua camisa e acima de seu escudo.

Após a conquista do chamado “scudetto da estrela”, o Milan viu Liedholm acertar com a Roma e, principalmente, Rivera se aposentar. E, se em 1978-79 o clube foi ao céu arrancar um corpo celeste de uma constelação, na temporada seguinte acabaria passeando pelo inferno – por causa de um episódio histórico no futebol italiano, que teve Morini como um dos principais envolvidos.

O veterano, que frequentemente era reserva do time comandado por Massimo Giacomini, recuperou o posto entre os titulares em meados da época apenas para protagonizar uma cena dramática. No dia 23 de março de 1980, na 24ª rodada da Serie A, Morini se lesionou no segundo tempo da derrota para o Torino e foi diretamente para os vestiários, onde oficiais da polícia lhe aguardavam para prendê-lo. Também foram detidos, num espaço de poucos minutos, o goleiro Albertosi e o presidente Felice Colombo, que estavam nas tribunas.

A operação policial aconteceu simultaneamente em outros estádios da Itália, e levou à prisão de nove jogadores da Serie A e mais dois da segundona. Era mais uma página do escândalo Totonero, no qual o vendedor de frutas Massimo Cruciani e o dono de restaurante Alvaro Trinca, através do contato com alguns atletas conhecidos, conseguiam manipular resultados para ganharem dinheiro ilegalmente com apostas. Entretanto, o descumprimento de alguns acordos fez com que os criminosos perdessem dinheiro e denunciassem os comparsas, alegando que estavam sendo vítimas de fraude.

No Milan, o volante faturou o “scudetto da estrela”, mas ficou marcado mesmo por participação em escândalo que rebaixou os rossoneri (Guerin Sportivo)

Ficou comprovado que Morini participou do esquema ao entregar 20 milhões de liras, a mando do presidente Colombo, para calar os dois apostadores depois de uma das partidas manipuladas – vitória do Milan sobre a Lazio por 2 a 1, num duelo em que Giorgio não entrou em campo. Inicialmente, a pena do volante foi de 10 meses, mas, após recurso, o gancho foi reduzido para quatro. O dirigente foi banido do futebol e tanto o time rossonero, terceiro colocado, quanto o biancoceleste, 13º, foram punidos com o rebaixamento para a Serie B. No caso dos lombardos, um descenso inédito.

Apesar do recurso e dos quatro meses de punição, aquela partida contra o Torino, na qual Morini recebeu voz de prisão, foi a última de suas 107 pelos rossoneri – e, de certa forma, também seu derradeiro compromisso relevante como jogador. Giorgio ainda teve uma nova chance no Varese, na segundona de 1980-81, mas pouco aportou ao time, que representou em 109 oportunidades.

Caminhando para o fim da carreira, Morini defendeu a Pro Patria entre 1981 e 1983: na primeira temporada, subiu com os tigrotti para a Serie C1 e, na segunda, foi rebaixado. Sem destaque e já marcado pelo escândalo Totonero, o volante ainda atuou pelo Chiasso, da Suíça, e se aposentou em 1985, com quase 38 anos, após uma época como jogador e técnico do amador Mezzomerico, do Piemonte.

Dali em diante, o ex-atleta teve breves reaparições no esporte. Morini voltou ao Milan para dirigir o time sub-19 em 1994-95 e, na sequência, foi o nome escolhido por Silvio Berlusconi para auxiliar o uruguaio Óscar Tabárez – como o Maestro não tinha a licença necessária para treinar equipes da Serie A, Giorgio era o comandante oficial. A experiência, contudo, durou somente 11 rodadas e a demissão da dupla deu espaço para o infrutífero retorno de Arrigo Sacchi aos rossoneri. Bem depois, já em 2007-08, o toscano chegou a ser coordenador da escolinha do Varese.

Ao contrário de outros jogadores que se envolveram no Totonero, como Bruno Giordano, Giuseppe Wilson e Paolo Rossi, Morini preferiu manter certa distância do futebol, apesar das breves experiências supracitadas e de ter trabalhado também como olheiro: para ele, era mais agradável gastar o tempo livre com seu neto e recolher os lucros de uma seguradora que abriu com velhos amigos da época de Roma. Giorgio, inclusive, costuma passar seus veraneios numa casa que adquiriu nas cercanias da Cidade Eterna, onde viveu seus melhores momentos no esporte.

Giorgio Morini
Nascimento: 11 de outubro de 1947, em Carrara, Itália
Posição: volante e zagueiro
Clubes como jogador: Inter (1967-68), Varese (1968-72 e 1980-81), Roma (1972-76), Milan (1976-80), Pro Patria (1981-83), Chiasso (1983-84) e Mezzomerico (1984-85)
Títulos: Serie B (1970), Copa Anglo-Italiana (1972), Coppa Italia (1977) e Serie A (1979)
Clubes como treinador: Mezzomerico (1984-85) e Milan (1994-95)
Seleção italiana: 3 jogos

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