Paris e Budapeste foram os palcos em que a Itália de Luciano Spalletti renasceu após uma Eurocopa apática e decepcionante. Depois da vitória sonora sobre os franceses, na última sexta, nesta segunda, 9 de setembro, a Nazionale se isolou na primeira colocação do grupo A2 da Nations League ao vencer Israel, em jogo cheio de testes e realizado na Bozsik Aréna, na Hungria — os israelenses atuam em campo neutro devido à guerra que ocorre em seu território e na Palestina.
Apesar dos dois resultados positivos, essa Squadra Azzurra ainda é uma incógnita e precisa provar que pode ser regular a longo prazo – não por suas peças, mas pela sua direção. Esta Nations League é como um recomeço para Spalletti e seus jogadores; e cada ponto vale como uma Copa do Mundo. Sem exageros, aliás, visto que todos os quadrifinalistas da competição serão cabeças de chave nas eliminatórias europeias para o Mundial de 2026. A Itália precisa, a qualquer custo, estar presente entre as 48 seleções que disputarão o torneio, pois, com um peso histórico tão grande, ficar de fora novamente seria mais um fardo insuportável para essa geração.
Mas o que mudou na Itália pós-Euro, do jogo contra a Suíça (e não só esse) para os dois confrontos desta pausa? O que caiu do céu? Primeiro, a capacidade do treinador de reconhecer seus erros e se adaptar a jogadores talentosos e de características específicas. Assim como a Espanha em 2010, que basicamente reeditou o Barcelona do tiki-taka, se você vai usar a base da Inter, uma das melhores equipes europeias da atualidade, precisa se adaptar à maneira como aqueles atletas atuam.
Com isso, o 4-3-3 claudicante da Euro foi abandonado, e em Paris e Budapeste vimos uma formação baseada no 3-5-1-1 com algumas variações. Spalletti entendeu que o melhor que podia fazer era dar mais liberdade aos seus alas, principalmente Dimarco, cuja capacidade de criação é assustadora, tudo isso com a segurança que Tonali e Ricci oferecem ao meio de campo, diferentemente do envelhecido Jorginho e de Fagioli, que ainda tem uma incipiente atuação como regista.
Contra Israel, a Itália entrou em campo com algumas mudanças em relação ao jogo de sexta. Por opção, no habitual rodízio feito pelo técnico nas datas Fifa, ficaram de fora Di Lorenzo, Cambiaso e Retegui, enquanto Calafiori e Pellegrini, lesionados, desfalcaram a equipe – eles deram deram lugar a Gatti, Bungiorno, Bellanova, Raspadori e Kean.
Essas cinco alterações eram naturais pela diferença técnica entre as equipes, mas afetaram a dinâmica da Itália mais do que o esperado no começo. O início do primeiro tempo foi confuso, especialmente na defesa, tanto na saída de bola quanto na proteção ao gol de Donnarumma. A transição entre a retaguarda e o meio-campo ainda é insegura e depende de lampejos individuais dos jogadores, com o setor mais recuado frequentemente chamando o adversário para perto.
O trio de zaga se desfaz com a bola: Bastoni participa ativamente da criação, enquanto Ricci atua entre os zagueiros. Até os 15 minutos, o jogo era equilibrado, com Israel compensando a diferença técnica com organização no meio-campo coordenado por Peretz, ex-Venezia, e Solomon, emprestado ao Leeds pelo Tottenham. Aos 20, o beque da Inter escapou pela esquerda e cruzou para Dimarco, seu colega de clube, que finalizou mal. Pouco depois, o meia do Torino gerou outra chance ao se antecipar a um atleta israelense, mas o arremate foi precipitado.
A Itália concentrava suas ações pelo lado esquerdo, com pouca participação de Bellanova. Aos 25 minutos, em boa jogada de Dimarco, o ala pela direita recebeu e desperdiçou uma excelente chance ao não defini-la bem. Israel teve seus momentos, aproveitando contra-ataques dados pela Nazionale; o mais perigoso foi aos 31, com um chute de Solomon que passou próximo à baliza de Donnarumma. O primeiro gol italiano saiu aos 39, após um erro de saída de bola de Israel: Dimarco cruzou da esquerda e Frattesi, de peito, marcou. O meia até poderia receber o rótulo de elemento surpresa, não fosse a sua enorme habilidade em penetrar a grande área adversária – característica que faz do camisa 16 o artilheiro da gestão Spalletti, com seis tentos.
Se no primeiro tempo Donnarumma foi pouco exigido, aos 54 minutos ele precisou fazer uma defesa à queima-roupa, em arremate de Yehezkel, após um vacilo da defesa italiana – por sorte, o lance foi anulado por impedimento. Israel, em seu melhor momento na partida, forçou a Itália a pressionar, o que resultou no segundo gol azzurro, aos 62: Raspadori finalizou, e no rebote, Kean marcou, dando sequência a seu bom início de temporada e encerrando um jejum de três anos (ou seis jogos) sem encontrar as redes pela seleção. Após o tento, a Nazionale ajustou a partida com substituições, equilibrando as pontas com as entradas de Cambiaso e Udogie.
No fim, já adentrando os acréscimos, Israel ainda diminuiu o placar para 2 a 1 aos 90, utilizando uma jogada ensaiada que surpreendeu a defesa italiana e terminou no arremate cruzado de Abu Fani. Porém, o gol não impediu a vitória dos azzurri – que, combinada com o triunfo da França sobre a Bélgica, garantiu à Nazionale a liderança do Grupo 2 da Liga A, com seis pontos somados em duas partidas como visitante.
A volta de Tonali, que cumpria suspensão por apostas ilegais, contribuiu muito para a mudança de postura da Itália, mas não foi o único fator que fez a Nazionale deixar de lado a apatia do início da era Spalletti e se tornar um time criativo e equilibrado. O treinador tem mérito em extrair mais da safra talentosa que tem em mãos, principalmente na defesa e no meio-campo, onde se destacam o jogador do Newcastle, Frattesi e Ricci, que substituiu muito bem Barella nesta data Fifa. Porém, contra Israel, ficou evidente que o comandante ainda precisa lapidar aspectos importantes, como limitar contra-ataques e evitar afobamento na saída pelo chão, de modo a fazê-la mais convincente.
Até quando Spalletti renunciará às suas convicções e focará no que é melhor para a seleção? A Federação Italiana de Futebol buscou o responsável pelo avassalador Napoli de 2022-23, mas a teimosia em replicar contextos daquele time com outros intérpretes, durante a Euro, custou caro. Ele calçou mesmo as sandálias da humildade e, portanto, poderemos ver uma evolução consistente desta equipe? Aguardemos os próximos capítulos dessa série instável no dia 10 de outubro, quando a Squadra Azzurra tentará manter a liderança do grupo contra a Bélgica, agora em solo italiano.