Na transição entre as décadas de 1980 e 1990, o futebol italiano teve alguns dos momentos mais célebres da dominância que exerceu no cenário europeu. A Velha Bota colocou clubes na final da Copa Uefa três vezes seguidas: após o título do Napoli, em 1989, ainda hospedou os jogos de ida e volta da decisão do torneio, sempre com times diferentes. Primeiro, a Juventus superou a Fiorentina; na sequência, a Inter triunfou sobre a Roma.
A rivalidade entre Inter e Roma chegou ao ápice no início do anos 2000, quando as duas equipes foram as grandes concorrentes ao scudetto. No entanto, a decisão da Copa Uefa de 1990-91 foi um dos momentos que mais apimentaram a inimizade entre as torcidas. Afinal, os nerazzurri, autênticos estraga-prazeres, impediram que os romanistas conquistassem o seu primeiro título continental e, de quebra, levaram uma taça inédita para Milão.
A trajetória da Inter
A Inter chegou à quinta temporada da gestão do técnico Giovanni Trapattoni com um trio de alemães embalado pelo título mundial e com Lothar Matthäus, o mais importante deles, agraciado com a Bola de Ouro. Para honrar o nível do treinador, de seu camisa 10 e de jogadores como Andreas Brehme, Jürgen Klinsmann, Walter Zenga e Giuseppe Bergomi, a Beneamata se preparou para competir tanto pelo scudetto quanto pela conquista da Copa Uefa.
Na Serie A os nerazzurri perderam fôlego na reta decisiva e ficaram em terceiro, cinco pontos atrás da Sampdoria. No torneio continental, o caminho foi oposto: as maiores dificuldades enfrentadas pela Inter ocorreram nas primeiras etapas da competição. A equipe estreou na fase de 32 avos de final e passou por grandes emoções enfrentando o Rapid Vienna. A Beneamata levou a virada e perdeu o jogo inaugural, na Áustria, por 2 a 1, e precisou da prorrogação na volta para avançar, graças ao 3 a 1 firmado por Klinsmann.
Na fase seguinte, a Inter encarou o Aston Villa, então vice-campeão inglês, e sofreu um duro revés em Birmingham: 2 a 0 com autoridade. Jogando diante de sua torcida, a equipe italiana reverteu o placar numa atuação histórica. Klinsmann precisou de apenas seis minutos para reacender as esperanças dos nerazzurri e, na segunda etapa, Nicola Berti e Alessandro Bianchi marcaram os gols que resultaram no 3 a 0 e na classificação.
Dali até a final, a Inter manteve um padrão: empatou seus jogos fora de casa e venceu aqueles realizados em Milão, sempre sem ser vazada. Conduzida por Matthäus, a Beneamata eliminou Partizan nas oitavas (3 a 0 e 1 a 1), Atalanta nas quartas (0 a 0 e 2 a 0) e Sporting nas semifinais (0 a 0 e 2 a 0). Os nerazzurri chegavam à decisão com a Roma na condição de favoritos devido à força de seu elenco e, principalmente, de seu setor ofensivo. Seu camisa 10, dono da Bola de Ouro, tinha cinco gols, enquanto Berti e Klinsmann acumulavam três, cada.
A trajetória da Roma
A Roma nunca teve vida fácil e isso não seria diferente em 1990-91. No primeiro ano da gestão do técnico Ottavio Bianchi, que faturara o scudetto e a Copa Uefa pelo Napoli, a agremiação teve de lidar com fatos graves, como o doping de Angelo Peruzzi e Andrea Carnevale, e a morte do presidente Dino Viola – o que levaria o clube a trocar de proprietário, com a aquisição por parte do contestado Giuseppe Ciarrapico. O ambiente atribulado contribuiu para que a equipe ficasse apenas na 9ª posição da Serie A e se dedicasse aos torneios eliminatórios. Além de finalistas na Europa, os giallorossi seriam campeões da Coppa Italia.
Ainda que a Inter chegasse como favorita à decisão, a Roma tinha um bom elenco, que contava com os também campeões mundiais Thomas Berthold e Rudi Völler, além de nomes como Aldair, Sebastiano Nela e Giuseppe Giannini. Os giallorossi ainda tinham um trunfo: estavam invictos na competição.
O caminho da Roma na Copa Uefa começou no Olímpico. E, logo no primeiro minuto no torneio, Carnevale garantiu a vitória caseira sobre o Benfica, que fora segundo colocado do Campeonato Português e faturaria o título luso daquela temporada. Na volta, os capitolinos ganharam outra vez pelo placar mínimo e se classificaram para encararem o Valencia. Os vice-campeões espanhóis também foram despachados com certa facilidade: empate por 1 a 1 no Mestalla e triunfo por 2 a 1 na Cidade Eterna.
Nas oitavas de final a Roma enfrentou outro vice-campeão nacional: o Bordeaux, da França. Entretanto, a Loba não tomou conhecimento do time de Bixente Lizarazu, Didier Deschamps e Wim Kieft, e avançou graças a um agregado de 7 a 0 – com quatro de Völler. Os giallorossi voltaram a encarar um segundo colocado em seu país nas quartas e, outra vez, foram avassaladores. Tal qual na fase anterior, Völler marcou quatro tentos (da mesma forma, com uma tripletta num confronto e outro gol no outro) e os capitolinos eliminaram o Anderlecht: 3 a 0 na ida e 3 a 2 na volta, sendo vazada apenas nos derradeiros minutos, quando já estava relaxada.
Depois de enfrentar tantos vices, a Roma teve de derrotar um campeão nas semifinais. O Brondby, que faturaria outro título dinamarquês em 1991, ofereceu as maiores dificuldades para os giallorossi. Após empate sem gols na Escandinávia, o jogo da volta foi cheio de emoção, com estádio lotado e bela festa da torcida romanista. O time da casa saiu na frente aos 33 minutos, com Ruggiero Rizzitelli, e na segunda etapa, Nela, marcou contra, ao tentar cortar um cruzamento de carrinho – deixando a Loba em maus lençóis. Mas a equipe italiana tinha Völler, o artilheiro da competição, e o dever de acreditar. Aos 88, quando os auriazuis já pareciam donos da vaga, o “alemão voador” guardou o seu 10º tento na Copa Uefa e devolveu os capitolinos a uma decisão europeia após 17 anos.
A decisão
A primeira partida da final ocorreu no estádio Giuseppe Meazza, em Milão, no dia 8 de maio de 1991, diante de quase 69 mil presentes. Nos 15 minutos iniciais, os donos da casa tomaram a iniciativa e tiveram mais posse de bola, enquanto os visitantes picotavam o jogo com muitas faltas e tentavam explorar os contra-ataques. Nessa toada, Klinsmann e Brehme arriscaram arremates, mas não levaram perigo ao goleiro Giovanni Cervone.
Aos 28 minutos, a Inter criou a primeira chance perigosa da partida, até então. Em falta cobrada rápida no meio campo, Matthäus recebeu e efetuou um lindo lançamento para Berti, que tentou encobrir Cervone com um cabeceio e acabou ganhando o escanteio, por conta da bela defesa do arqueiro. Na sequência, Völler descolou uma jogada individual, na única estocada romanista digna de nota na etapa inicial. O alemão recebeu na entrada da área, pelo lado esquerdo, puxou a bola para a perna direita, deixando três marcadores para trás, e finalizou para a intervenção precisa de Zenga.
Embora tenha passado 61% do tempo com a bola nos primeiros 45 minutos, a Inter raramente conseguiu superar a defesa da Roma, bem montada por Bianchi – especialista no tema. Após o intervalo, os nerazzurri investiram nas jogadas pelos lados e finalmente obtiveram resultado. Aos 58, Aldo Serena recebeu na direita e cruzou rasteiro para Berti, que foi derrubado dentro da área por Antonio Comi. Na cobrança do pênalti, Matthäus soltou um canhão no canto superior direito de Cervone, sem oferecer chances para o goleiro, e abriu o placar.
A Roma se abriu um pouco mais e, aos 60 minutos, Völler ficou com a bola após escanteio, cruzando-a de forma rasteira para a entrada da área. Giannini fez lindo corta luz e Manuel Gerolin chegou finalizando: a bola desviou na zaga e passou muito perto da meta defendida por Zenga. Entretanto, não demorou muito e os donos da casa ampliaram o marcador. Aos 67, Klinsmann fez boa jogada pelo lado esquerdo, girou em cima do brasileiro Aldair e passou por Antonio Tempestilli. Dentro da área, tocou cruzado, tirando de Cervone e deixando na medida para que Berti aproveitasse suas costumeiras infiltrações e só escorasse para o gol aberto.
A Roma tentava chegar através de lançamentos longos, mas não tinha êxito em sua busca. A Inter é que chegou perto do terceiro gol, embalada por Matthäus e Klinsmann. Inclusive, após uma bela e rápida tabela entre os dois, o camisa 10 chutou rasteiro, no canto esquerdo de Cervone, e a pelota passou zunindo, rente à trave. A equipe de Trapattoni comandava todas as ações e ainda teve mais duas ótimas oportunidades de ampliar, com Berti, e uma outra com Fausto Pizzi, que entrara no segundo tempo – no rebote, Klinsmann ainda cabeceou para fora. Muito nervosos, os giallorossi ainda tentaram descontar na base do “abafa”, após os 85 minutos, mas não tiveram eficácia.
Para dar a volta por cima, duas semanas depois, a Roma precisava que os alemães Matthäus e Klinsmann não repetissem a atuação de gala de San Siro. Além disso, os giallorossi teriam que fazer um jogo quase perfeito e contar com o apoio de sua fanática torcida para reverter a vantagem de 2 a 0 construída pelos nerazzurri. Um ingrediente não faltou: quase 71 mil pessoas lotaram o Olímpico no dia 22 de maio de 1991.
Empurrada pelos torcedores, a Roma mostrou uma postura completamente diferente à da partida anterior logo aos 5 minutos. Rizzitelli aproveitou um balão de Tempestilli, dominou a bola com um toque que deixou Bergomi e Antonio Paganin para trás, e acertou em cheio a trave de Zenga. Os donos da casa, ao contrário do jogo de ida, tiveram maior posse da pelota e comandaram as ações na parte inicial enquanto os visitantes se defendiam muito bem e buscavam os contra-ataques – além de gastarem o tempo quando achavam necessário.
O time de Trapattoni, contudo, não se furtava a incomodar e estava à espreita, na expectativa de conseguir uma bola para matar o confronto. E quase conseguiu aos 14 minutos, após uma rápida cobrança de lateral. A defesa romanista afastou mal e a bola sobrou para Klinsmann, que emendou de cabeça e por pouco não ampliou o placar agregado para a equipe nerazzurra.
Com poucos espaços e muita competitividade em campo, a Inter começou a ter mais a bola e a arriscar mais finalizações de fora da área. Aos 26 minutos, o capitão Bergomi chutou forte da intermediária: Cervone, bem posicionado, espalmou para escanteio. Pouco depois, com a defesa da Roma bem postada, foi a vez de Brehme experimentar e mandar para fora.
Zenga só fez a primeira defesa aos 41 minutos – antes disso, Stefano Desideri e Fabrizio Di Mauro finalizaram para fora. Perto do descanso, Völler recebeu na entrada da área, cortou a marcação e chutou rasteiro, mas o goleiro da Inter estava bem posicionado e defendeu o arremate. O lance acabou animando a Roma, que ainda arriscou mais três vezes antes do intervalo, sendo duas vezes com Desideri e uma com Nela. Pela Beneamata, num contragolpe, Matthäus também assustou Cervone.
Na segunda etapa, a Roma se expôs um pouco, ao passo que a Inter recuou e se dedicou mais aos contra-ataques. Logo aos 49 minutos, após rápida cobrança de falta, Bianchi arrancou e tocou para Klinsmann, que finalizou da entrada da área e fez Cervone trabalhar. Aos 60, pouco depois de substituir Tempestilli, Fausto Salsano criou jogada perigosa: chutou cruzado e, no rebote de Zenga, tanto Giannini quanto Rizzitelli tentaram empurrar para o gol. No fim das contas, viram a bola ser afastada para escanteio.
A Loba não parou e Bianchi ainda orientou Aldair e Berthold a aparecerem no ataque, no intuito de oferecer mais alternativas aos passadores. Em lances consecutivos, aos 62 e aos 64 minutos, os dois zagueiros levaram perigo à meta de Zenga – sobretudo o brasileiro, com chute de média distância. Pouco depois, a pressão da Roma ainda resultou em boa defesa do arqueiro interista, em cobrança de falta de Giannini, e numa oportunidade desperdiçada por Rizzitelli, que girou e finalizou para fora.
O jogo ia caminhando para o fim e a Roma martelava, mas sem levar muito perigo – ao longo dos minutos seguintes, Zenga mal sujou o uniforme em novas tentativas de Aldair, Di Mauro, Rizzitelli e Völler. Até que, aos 81, a insistência dos donos da casa foi premiada. O “alemão voador” recebeu na direita e cruzou na área, Roberto Muzzi desviou de cabeça e Rizzitelli surgiu para, de canhota, chutar no contrapé do aqueiro interista, inaugurando o placar. A torcida giallorossa se inflamou, naturalmente, e começar a cantar mais alto para empurrar a sua equipe.
No embalo da festa que vinha das arquibancadas, a Roma teve uma grande chance de fazer o segundo logo aos 83, numa falta lateral. Salsano cruzou na área e Rizzitelli, de cabeça, por pouco não empatou. No entanto, a reação parou por ali. A Inter teve competência em esfriar o jogo e alguns torcedores romanistas até ajudaram os adversários – como quando arremessaram objetos ao gramado e chegaram até a acertar Matthäus. Depois que os atletas da casa mediaram a situação, os giallorossi tentaram marcar mais um gol sempre através de bolas alçadas, mas o tempo era curto. Em meio a algumas vaias e o entusiasmo do público visitante, o árbitro Joël Quiniou apontou para o centro do campo.
Em pleno Olímpico, a Inter conquistava a primeira Copa Uefa de sua história e dava início a um percurso que, em seis anos, culminaria em três taças e no recorde da competição no quesito. Depois de quase três décadas, os nerazzurri celebravam novamente um troféu continental e, dessa forma, se despediam em grande estilo do técnico Trapattoni, que voltaria a comandar a Juventus na temporada seguinte. Por sua vez, a Roma via uma grande chance esvair por entre os seus dedo. Impedida de alcançar o tão sonhado título europeu, a equipe não voltou a disputar uma finalíssima internacional desde então.
Inter 2-0 Roma (ida)
Inter: Zenga; Paganin (Baresi), Bergomi, Ferri; Bianchi, Battistini, Berti, Brehme; Matthäus; Serena (Pizzi), Klinsmann. Técnico: Giovanni Trapattoni.
Roma: Cervone; Berthold, Comi (Muzzi), Aldair (Carboni), Tempestilli, Nela; Gerolin, Di Mauro; Giannini; Rizzitelli, Völler. Técnico: Ottavio Bianchi.
Gols: Matthäus (55’) e Berti (67’)
Árbitro: Alexey Spirin (Rússia)
Local e data: estádio Giuseppe Meazza, Milão (Itália), em 8 de maio de 1991
Roma 1-0 Inter (volta)
Roma: Cervone; Berthold, Aldair, Tempestilli (Salsano), Nela; Desideri (Muzzi), Gerolin, Di Mauro; Giannini; Rizzitelli, Völler. Técnico: Ottavio Bianchi.
Inter: Zenga; Paganin, Bergomi, Ferri; Bianchi, Battistini, Berti, Brehme; Matthäus, Pizzi (Mandorlini); Klinsmann. Técnico: Giovanni Trapattoni.
Gol: Rizzitelli (81’)
Árbitro: Joël Quiniou (França)
Local e data: estádio Olímpico, Roma (Itália), em 22 de maio de 1991