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Em Natal, a Itália perdeu para o Uruguai e, mordida, foi eliminada da Copa de 2014

“Se a Itália não se classificar, será um fracasso”, decretou o capitão Gianluigi Buffon na entrevista coletiva que antecedeu a partida contra o Uruguai, em Natal, pela derradeira rodada da fase de grupos da Copa do Mundo de 2014, disputada no Brasil. Na Arena das Dunas, portanto, a Nazionale fracassou: perdeu por 1 a 0 para a Celeste e foi eliminada no primeiro estágio de um Mundial pela segunda vez consecutiva, o que não ocorria havia 48 anos, quando caiu nos torneios de 1962 e 1966. Marcado pela mordida de Luis Suárez em Giorgio Chiellini, o jogo ainda é lembrado por ter sido o último dos azzurri no torneio em bastante tempo, já que a tetracampeã não conseguiu vaga para as edições de 2018 e 2022.

O trabalho do técnico Cesare Prandelli, que havia começado após a eliminação na fase de grupos do Mundial de 2010, era considerado bom. O treinador tinha conseguido fazer a Itália praticar futebol propositivo e dado espaço a jovens, além de ter sido capaz de obter resultados no processo: o vice-campeonato da Euro 2012 e o terceiro lugar da Copa das Confederações, no ano seguinte.

Nos compromissos oficiais, a seleção rendia bastante e somara apenas duas derrotas em todo o trabalho de Prandelli: contra a Espanha, na decisão continental, e o Brasil, na fase de grupos da Copa das Confederações. Porém, àquela altura, a Nazionale não vencia desde setembro de 2013 e empatara seus dois amistosos preparatórios para o Mundial, contra Irlanda e Luxemburgo – o jogo contra o Fluminense, não reconhecido pela Fifa, não entra na conta. Como o técnico tinha crédito e algumas experiências foram feitas nessas partidas, o alarme não foi acionado.

A rigorosa expulsão de Marchisio atrapalhou a Itália, que jogava pelo empate com o Uruguai (Getty)

Em sua estreia pela Copa do Mundo de 2014, a Itália bateu a Inglaterra por 2 a 1. Na ocasião, teve uma atuação consistente e não sofreu com o clima equatorial de Manaus, lidando bem com o calor da noite amazônica. Porém, tudo mudaria nas viagens ao Nordeste do Brasil, nos jogos disputados às 13 horas. Em Recife, derrota para a Costa Rica, que avançou às oitavas com o resultado. Em Natal, muito sofrimento com o Uruguai, que precisava vencer o confronto direto para se classificar para o mata-mata – à Nazionale, bastava o empate.

Contra o Uruguai, Prandelli teve de lidar com o desfalque de Daniele De Rossi e, por isso, decidiu abandonar o 4-1-4-1 para tornar a utilizar o 3-5-2 baseado na Juventus de Antonio Conte, que usara em várias outras ocasiões. Até então reserva, Leonardo Bonucci entrou na defesa, à frente de Buffon e ao lado de Andrea Barzagli e Chiellini, parceiros de Velha Senhora. Era a maneira encontrada pelo treinador para limitar Suárez e Edinson Cavani.

Além de Bonucci, que debutava em Mundiais, Mattia De Sciglio estreou na ala esquerda – a direita era de Matteo Darmian. Andrea Pirlo, Claudio Marchisio e Marco Verratti faziam boa trinca de meio-campo e, no papel, eram bem superiores ao bloco composto por Álvaro González, Egidio Arévalo Ríos, Cristian Rodríguez e Nicolás lodeiro. No ataque, Mario Balotelli e Ciro Immobile deveriam infernizar a potente zaga uruguaia, que tinha José María Giménez e Diego Godín no centro, além de Martín Cáceres e Álvaro Pereira nas laterais. Na baliza, o inseguro Fernando Muslera.

Chiellini ficou revoltado pela ausência de punição a Suárez (AFP/Getty)

No primeiro tempo, tudo correu relativamente bem para a Itália. Pirlo e Verratti trocavam de posições no intuito de levar a marcação uruguaia à confusão. Também promoviam um ritmo de jogo mais cadenciado, devido ao calor e às necessidades dos azzurri. Porém, Balotelli não vinha bem em campo: o camisa 9 tentava ocupar os mesmos espaços buscados por Immobile, o que limitava as ações ofensivas da Nazionale. Quando os dois se desgrudaram, o atacante do Milan preferiu tentar um chute do meio da rua ao invés de efetuar um passe nas costas da zaga adversária, para onde se deslocava Ciruzzo – em ascensão na época e já acertado com o Borussia Dortmund, após um ano estrepitoso pelo Torino.

Assim como contra a Costa Rica, a Itália teve a bola contra o Uruguai, mas não agrediu o suficiente. O primeiro tempo foi aceitável e, embora nenhuma chance clara de gol tivesse sido criada, a Nazionale ia alcançando seu objetivo sem sustos, tentando poupar forças. Entretanto, a derrocada azzurra começou a se desenhar ainda na etapa inicial, quando o mormaço diminuiu e o sol começou a sair de trás das nuvens – o que aumentaria, progressivamente, o desgaste físico italiano.

A chegada do sol coincidiu com as estripulias do esquentado Balotelli. Na casa dos 22 minutos, o atacante saltou desgovernado e, imprudente, deu uma joelhada na cabeça de Pereira. O cartão amarelo aplicado pelo árbitro mexicano Marco Rodríguez suspendia o azzurro de um eventual jogo de oitavas de final e, principalmente, teve um efeito imediato no camisa 9: ele reagia às provocações dos uruguaios e corria o risco de ser expulso. Entendendo que ter um homem a menos seria prejudicial ao time, Prandelli sacou o centroavante no intervalo e reforçou o meio-campo com Marco Parolo.

Logo após a arbitragem deixar a mordida de Suárez passar, Godín ganhou da defesa italiana e marcou o gol uruguaio (Getty)

A alteração de Prandelli teve um quê de premonição. Afinal, quis o destino que a Itália tivesse Marchisio expulso aos 59 minutos, por uma entrada descomposta na canela de Arévalo Ríos, mas sem tanta intensidade – até passível dessa punição após orientações mais recentes aos árbitros, mas não naquela época. Foi o segundo (e último) cartão vermelho de toda a carreira do Principino, que jamais foi um jogador violento.

Até aquele momento, a partida era muito equilibrada – e favorável à Itália, que jogava pelo empate. Buffon havia feito duas grandes defesas, contra Suárez e Rodríguez. Após a expulsão, salvou a Nazionale novamente contra o atacante do Liverpool. Pensando na experiência, então, Prandelli optou por sacar Immobile e Verratti, promovendo as entradas de Antonio Cassano e Thiago Motta, que beiravam os 32 anos. O resultado? Menos velocidade nos contragolpes.

A Itália era pressionada pelo Uruguai e, aos 79 minutos, um lance entrou para a história do futebol. Dentro da área azzurra, Suárez mordeu Chiellini e fingiu ter levado uma cotovelada. Com os dois no chão, Rodríguez parou o jogo e não se convenceu pela argumentação do zagueiro italiano, que apelava pela expulsão do adversário: desesperado, o camisa 3 mostrava a marca da mordida em seu ombro, mas nada mudou a avaliação do trio de arbitragem, que não viu o que ocorreu. O mais irônico de tudo é que o mexicano tinha o apelido de Chiquidrácula, devido a sua semelhança com o personagem homônimo de um seriado infantil de seu país.

Caminhos diferentes: a eliminação maculou grande trabalho e Prandelli decidiu entregar seu cargo (Getty)

Desconcentrada por conta do erro de arbitragem e incrédula pela deslealdade de Suárez, a Itália sucumbiu logo depois, aos 81 minutos. Após cobrança de escanteio, Godín aproveitou a desorganização da zaga adversária e subiu mais alto do que quatro jogadores azzurri: a bola tocou nas suas costas e entrou, sem chances de defesa para Buffon. O gol acabou com os italianos sob o ponto de vista anímico. Fisicamente, os europeus já estavam nas cordas. Mal conseguiam correr e até atletas que entraram no segundo tempo estavam exaustos.

No final das contas, usando as imagens das câmeras de televisão, a Fifa abriu investigação para apurar a conduta de Suárez. Acabou lhe impondo uma multa de 100 mil francos suíços e uma suspensão superior à do italiano Marco Tassotti, que pegou gancho de oito jogos por cotovelada sobre Luis Enrique, da Espanha, na Copa de 1994: o atacante ficaria de fora de nove partidas pelo Uruguai, que foi eliminado pela Colômbia nas oitavas do Mundial. Acertado com o Barcelona, o charrua ainda precisou ficar afastado dos campos de futebol por mais quatro meses. Luisito, afinal, era reincidente: já mordera Otman Bakkal, em seus tempos de Ajax, e Branislav Ivanovic, quando defendia o Liverpool.

A suspensão não aplacou as dores da Itália – apesar da generosidade de Chiellini, que perdoou o uruguaio e afirmou torcer para que a sua suspensão fosse diminuída, o que não ocorreu. Os azzurri sabiam que, apesar dos erros da arbitragem, as suas responsabilidades não podiam ser anuladas. Principalmente os erros cometidos na partida contra a Costa Rica, tecnicamente inferior.

A queda precoce naquela Copa mexeu com a cúpula do esporte nacional. Giancarlo Abete, presidente da Federação Italiana de Futebol – FIGC, entregou seu cargo imediatamente após a derrota para o Uruguai. Prandelli, na mesma entrevista coletiva, seguiu o exemplo do chefe, ainda que a entidade não aprovasse o seu desejo e, através do demissionário cartola, tenha pedido que reconsiderasse a sua decisão. Afinal, o trabalho, apesar da fortuita eliminação em solo brasileiro, era sólido e proveitoso. O lombardo não mudou de ideia. Ao menos, deixou fincadas as raízes para a mudança de mentalidade no modo de desenvolver atletas e uma filosofia de jogo na Nazionale. O título da Euro 2020 teve, sem dúvidas, a sua influência.

Itália 0-1 Uruguai

Itália: Buffon; Barzagli, Bonucci, Chiellini; Darmian, Marchisio, Pirlo, Verratti (Thiago Motta), De Sciglio; Balotelli (Parolo), Immobile (Cassano). Técnico: Cesare Prandelli.
Uruguai: Muslera; Cáceres, Godín, Giménez, Álvaro Pereira (Stuani); González, Arévalo Ríos, Lodeiro (Maxi Pereira), Rodríguez (Ramírez); Suárez, Cavani. Técnico: Óscar Tabárez.
Gol: Godín (81′)
Cartão vermelho: Marchisio
Árbitro: Marco Rodríguez (México)
Local e data: Arena das Dunas, Natal (Brasil), em 24 de junho de 2014

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