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Do ataque de ansiedade à Itália: o espanhol Bojan Krkic ‘flopou’ na Roma e no Milan

Visto como um dos grandes diamantes de La Masia – a famosa categoria de base do Barcelona –, Bojan Krkic dividiu vestiário com jogadores que revolucionariam o futebol. Atacante muito promissor, ficou à sombra de Lionel Messi, Xavi, Andrés Iniesta e companhia num Barça que encantou o mundo. Sem espaço para crescimento no time blaugrana, o espanhol arrumou as malas e tentou deslanchar na Itália. Porém, após sofrer com ataques de ansiedade, teve duas passagens apagadas por Roma e Milan, dando início a um declínio técnico que culminaria em aposentadoria precoce.

Natural de Linyola, cidade localizada na Catalunha, Bojan Krkic cresceu respirando futebol. Afinal, seu pai jogou bola profissionalmente na década de 1980, até as vésperas de seu nascimento, em 1990. O sérvio batizou o bebê com seu próprio nome, acrescentando o Pérez do sobrenome de sua esposa espanhola. Com apenas 4 anos de idade, o jovem Bojan já demonstrava intimidade com a redonda e atuava pelo time de Bellpuig, uma cidade situada na mesma província em que havia nascido.

Quatro anos depois, Bojan foi fisgado pelo Barcelona graças à avaliação de uma pessoa bem familiar. Após pendurar as chuteiras, o pai de Krkic virou olheiro do Barça e, em 1999, indicou a contratação do filho ao clube. Seria o início de um domínio do sérvio-espanhol na base culé.

O jovem marcou simplesmente 961 gols durante sete anos nas categorias inferiores do Barça e defendeu todas as seleções de base da Espanha, sendo campeão mundial sub-17, em 2007, com direito ao tento decisivo do título diante da Inglaterra. Como de praxe, foi criado um hype imenso sobre o garoto, a ponto de ele ser rotulado como “novo Messi”.

Na temporada 2006-07, o promissor jogador se tornou um dos destaques e o principal artilheiro do Barcelona B. Ele completou 17 anos e, duas semanas depois, em abril de 2007, integrou a equipe profissional do Barça. Balançou as redes logo em seu primeiro jogo pelo time principal, no amistoso contra o Al Ahly, do Egito.

Uma vez que Bojan possui ascendência sérvia graças à nacionalidade de seu pai, ele foi convidado a defender o país balcânico. No entanto, a promessa do Barcelona optou pela Espanha. Após se destacar pelas seleções de base, recebeu sua primeira convocação para o selecionado principal em fevereiro de 2008, no amistoso diante da França, mas, como o próprio Krkic revelaria anos mais tarde, ele não entrou em campo naquela partida devido à ansiedade. Ele também perdeu a Euro 2008 por causa do mesmo problema, e não seria chamado por Vicente Del Bosque para representar a Fúria na Copa das Confederações.

Transferência para a Itália marcou o início do precoce declínio de Bojan (Getty)

Antes dos 18, o atacante era considerado o grande destaque da geração e tinha praticamente tudo aos seus pés. A instantaneidade como as coisas aconteceram, porém, desenvolveu um problema que se tornaria um fardo para Bojan nos anos seguintes: a ansiedade. Em entrevista ao jornal The Guardian, em 2018, o jogador revelou que a doença o fez perder a Eurocopa 2008, que teve a Espanha como campeã, e criticou o fato de o ambiente futebolístico não ser aberto a discutir problemas psiquiátricos, como o que o acometeu.

“Tudo aconteceu muito rapidamente”, contou Bojan. “Em termos de futebol, foi tudo bem, mas não pessoalmente. Eu tinha que viver com isso e as pessoas dizem que a minha carreira não tinha sido como esperado. Quando eu surgi, era o ‘novo Messi’. Bem, sim, se você me comparar com Messi… Mas que carreira você esperava? E há muitas coisas que as pessoas não sabem. Eu não fui para a Eurocopa [2008] por problemas de ansiedade, me disseram que eu precisava de férias. Eu fui convocado para a Espanha contra a França, minha estreia na seleção, e foi dito que eu tive gastroenterite quando eu tive, na verdade, um ataque de ansiedade. Mas ninguém quer falar sobre isso. O futebol não está interessado”.

Quando terminou a primeira temporada completa pelo Barça, em 2007-08, Bojan alcançou vários recordes: o jogador mais jovem a marcar um gol em uma partida de La Liga; o atleta mais novo a estrear pela seleção espanhola; e o segundo mais moço a anotar um tento em um jogo de Liga dos Campeões. Somando todas as competições, ele terminou a temporada com 48 aparições, 12 bolas nas redes e seis assistências.

“Aos 17 anos, minha vida mudou completamente. Eu fui para o Mundial Sub-17 em julho e ninguém me conhecia; quando eu voltei, eu não podia mais andar na rua. Alguns dias depois, eu fiz a minha estreia contra o Osasuna, três ou quatro dias depois eu joguei a Champions League, então eu marquei contra o Villarreal e a Espanha me convocou [em fevereiro de 2008]. E estava tudo bem, mas minha cabeça encheu e houve um momento que meu corpo disse ‘pare'”, relatou Bojan.

Entre 2009 e 2011, o Barcelona ganhou todos os títulos possíveis e reinou na Europa, fazendo os comandados de Pep Guardiola integrarem o panteão dos grandes esquadrões da história do futebol. Bojan sempre foi reserva; as estrelas ofensivas daquele período – Messi, Samuel Eto’o, Thierry Henry, Pedro, Zlatan Ibrahimovic e David Villa – estavam em outro patamar em relação ao prata da casa recém-revelado, que nunca conseguiu evoluir como esperado. Apesar de tudo, o camisa 11 se tornou, em novembro de 2009, o jogador mais jovem na história do clube blaugrana a atingir 100 partidas oficiais pelos culés.

Com pouco tempo de jogo e enorme concorrência, Krkic não viajou à África do Sul para a disputa da Copa do Mundo de 2010. Aliás, a única partida que ele realizou pela seleção espanhola foi em setembro de 2008, na goleada por 4 a 0 sobre a Armênia, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2010. À época, tornou-se o segundo jogador mais jovem a estrear pela Fúria, atrás apenas de Ángel Zubieta. Para a temporada 2010-11, ele assumiu o número 9 no Barça, além de haver renovado contrato com a agremiação até junho de 2015. A ampliação do vínculo fez sua cláusula rescisória saltar de 80 para 100 milhões de euros.

Bojan passou uma temporada na Roma e naufragou juntamente à equipe treinada por Luis Enrique (Getty)

Bojan, contudo, não permaneceu no Barça até o fim de seu novo vínculo. Isso porque, em julho de 2011, os culés fecharam com Alexis Sánchez e liberaram o espanhol para acertar com a Roma. O negócio custou 12 milhões de euros à equipe da capital, e o Barcelona incluiu no contrato uma cláusula de opção de recompra ao fim da temporada 2011-12 no valor de 17 milhões de euros ou obrigação de recompra em 2012-13 por 13 milhões de euros. Os giallorossi, por outro lado, poderiam bloquear a compra desembolsando mais 28 milhões de euros, concluindo a transação em 40 milhões de euros. Negócio complexo.

Além de Bojan, Thomas DiBenedetto, empresário norte-americano de origem italiana que havia acabado de adquirir a Roma, levou uma barca de jogadores à Cidade Eterna no verão europeu de 2012. O pacote de reforços incluía Maarten Stekelenburg, Gabriel Heinze, Simon Kjaer, Fernando Gago, Miralem Pjanic, Erik Lamela, Pablo Daniel Osvaldo e Fabio Borini.

Apesar das contratações na janela de transferências, a temporada romanista começou da pior forma. Os italianos foram eliminados da Liga Europa ainda na fase de playoffs e, para piorar, caíram para o modesto Slovan Bratislava, da Eslováquia: após derrota por 1 a 0 fora de casa, os capitolinos levaram o empate no Olímpico no final. Com o número 14 às costas, Bojan disputou ambos os jogos e não conseguiu ajudar seus novos companheiros a evitarem o vexame continental.

O atacante chegou à Roma a pedido do então novo técnico giallorosso, Luis Enrique, que comandava o Barcelona B antes de chegar a Trigoria. Porém, embora fosse um velho conhecido do treinador, Krkic não conseguiu corresponder às expectativas e fracassou na capital. Reserva na maior parte da temporada, entrou em campo 37 vezes, mandou sete bolas para as redes e forneceu uma assistência. Destaques para os gols anotados na derrota para o Milan (3 a 2) e na goleada sobre a Inter (4 a 0).

Bojan também foi expulso por “espalmar”, na linha do gol, a finalização de Matija Nastasic, nos minutos finais da derrota para a Fiorentina, por 3 a 0, em Florença, pela 14ª rodada da Serie A. Ao ir para o vestiário após receber o cartão vermelho, o atacante teve um momento de fúria e atirou a camisa branca, do segundo uniforme da Roma, no chão, pegando-a de volta logo em seguida, antes de descer as escadas do Artemio Franchi.

A Roma terminou a Serie A 2011-12 na sétima posição, Luis Enrique deixou o comando da equipe e, sem espaço com o novo técnico giallorosso, Zdenek Zeman, Bojan não permaneceu na Cidade Eterna. No dia do seu aniversário de 22 anos, Krkic foi à sede do Milan ao lado de seu então empresário, Giuseppe Riso, e anunciou que estava se juntando aos rossoneri. Contratado por empréstimo de uma temporada, o espanhol encontrou um time órfão de Ibrahimovic, vendido ao Paris Saint-Germain em um pacote com o zagueiro Thiago Silva, e em evidente decadência técnica e financeira. Um cenário propício para tudo dar errado. E foi o que aconteceu.

A passagem de Bojan pelo Milan foi ainda mais negativa do que aquela pela Roma (Getty)

No time de Massimiliano Allegri, Bojan atuou em várias posições do setor ofensivo – atacante referência, trequartista, ponta-esquerda e ponta-direita –, mas não conseguiu entregar boas atuações em sequência. Não ajudou em nada o desempenho oscilante da equipe, que se classificou à Liga dos Campeões no sufoco. O camisa 22 concluiu a temporada com 27 jogos, três gols (contra Chievo, Roma e Siena) e duas assistências.

O Milan optou por não comprá-lo e, assim, o jogador retornou ao Barcelona, que o cedeu por empréstimo ao Ajax, em julho de 2013. Em Amsterdã, o atacante ganhou a Supercopa da Holanda e a Eredivisie, entrou em campo mais vezes, balançou as redes e serviu de garçom com mais frequência do que em sua passagem pelo futebol italiano. Mas não o suficiente para convencer o clube neerlandês a adquiri-lo ao fim de 2013-14.

Posteriormente à aventura nos Países Baixos, Bojan tentou se reencontrar na Premier League: fechou com o Stoke City, cujo técnico, Mark Hughes, apreciava seu futebol. Após um início oscilante, emplacou no onze inicial e até ajudou sua nova equipe a vencer o Arsenal, marcando um dos gols da vitória por 3 a 2 sobre os Gunners. No entanto, deu azar ao romper o ligamento cruzado do joelho esquerdo, em janeiro de 2015, durante a partida contra o Rochdale, pela Copa da Inglaterra. Com a lesão, perdeu o restante da época. Retornaria na temporada seguinte e recuperaria a titularidade, mas deixaria os Potters em janeiro de 2017, para se transferir ao Mainz 05.

Bojan também não convenceu na Bundesliga e durou pouco tempo na Alemanha. Ainda em 2017, voltou à Espanha para defender o Alavés, por empréstimo. Não deu certo e retornou ao Stoke para jogar a temporada 2018-19. Sem espaço, rescindiu com os ingleses, arrumou as malas e desembarcou no Canadá, onde assinaria com o Montréal Impact. Foi campeão canadense ao ajudar o time a derrotar o Toronto FC nos pênaltis, com direito a uma cobrança convertida na decisão.

Mas, após um biênio no Canadá, não renovou com o Montréal Impact e, aos 30 anos, em agosto de 2021, concordou em defender o Vissel Kobe, do Japão. Inclusive, ele estreou pela equipe japonesa entrando na vaga de Iniesta, seu ex-companheiro nos tempos de Barcelona. A experiência no Japão durou duas temporadas, até que o jogador pegar todo mundo de surpresa ao anunciar, em março de 2023, que estava pendurando as chuteiras, aos 32.

O garoto que fez mais de 900 gols nas categorias de base do Barcelona e quebrou vários recordes no início da carreira não conseguiu se transformar em um craque, como todos imaginavam. Tampouco deixou saudades nas torcidas de Roma e Milan. Mas marcou um golaço ao abrir o jogo e admitir que sofre com ansiedade. Ao tomar tal decisão, Krkic se mostrou um adulto consciente de que pode ser referência para outros jogadores que também sofrem com problemas psiquiátricos.

Bojan Krkic Pérez
Nascimento: 28 de agosto de 1990, em Linyola, Espanha
Posição: atacante
Clubes: Barcelona (2006-11), Roma (2011-12), Milan (2012-13), Ajax (2013-14), Stoke City (2014-17 e 2018-19), Mainz (2017), Alavés (2017-18), Montréal Impact (2019-21) e Vissel Kobe (2021-23)
Títulos: Europeu Sub-17 (2007), Europeu Sub-21 (2011), La Liga (2009, 2010 e 2011), Copa do Rei (2009), Liga dos Campeões (2009 e 2011), Supercopa da Espanha (2009 e 2010), Supercopa Europeia (2009), Mundial de Clubes da Fifa (2009), Supercopa da Holanda (2013), Eredivisie (2014) e Campeonato Canadense (2019)
Seleção espanhola: 1 jogo

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