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Gabriel Heinze e sua rispidez não se encaixaram numa Roma em parafuso

Ivo Mauro

A Itália, e especialmente a Serie A, sempre foi considerada um porto seguro para os futebolistas sul-americanos. Brasileiros, argentinos, uruguaios, chilenos e também colombianos fizeram história nos clubes da Velha Bota. Mas há algumas exceções, como Gabriel Heinze. El Gringo, como ficou conhecido devido a seus cabelos loiros, só passou uma temporada no futebol italiano, em 2011-12, mas não deixou grandes lembranças na Roma. Apesar de ter desenvolvido uma carreira respeitável, o defensor ríspido e de temperamento forte sentiu dificuldades numa equipe que jamais conseguiu engrenar.

Heinze nasceu no dia 19 de abril de 1978, em Crespo, uma pequena cidade da Argentina. Assim como muitos de seus compatriotas, Gabriel é descendente de imigrantes: tem origem alemã por parte de pai e italiana pelo lado da mãe, já que seu avô materno deixou a Sicília para viver na América do Sul. Foi revelado pelo Newell’s Old Boys, de Rosário, e se transferiu para o futebol europeu ainda menino. Em 1997, aos 19 anos, acertou com o Valladolid, mas não participou de nenhum jogo oficial em sua primeira temporada pelo time espanhol.

Após ser emprestado ao Sporting, de Portugal, onde pode ganhar algumas chances como profissional, Heinze voltou para o Valladolid e deslanchou. O argentino viveu duas boas temporadas em La Liga, ajudando os blanquivioletas a brigarem por vaga em competições europeias na primeira e a se salvarem do rebaixamento na segunda.

O sucesso na Espanha abriu as portas para que Gabriel se transferisse para o Paris Saint-Germain, que não era tão rico quanto hoje, mas já era um dos maiores clubes da França. No time da capital francesa, El Gringo se consolidou, alternando entre a lateral esquerda e o centro da zaga, e ganhou dois títulos – o da Copa Intertoto e o da copa nacional. Além disso, o PSG também foi vice-campeão da Ligue 1, em 2004.

O PSG foi o clube que Heinze mais representou em sua carreira, com 132 aparições. Nos tempos de França, o defensor recebeu as primeiras convocações para a seleção da Argentina e começou a pavimentar a sua estrada na albiceleste – e também no mais alto nível do futebol europeu. Suas qualidades já haviam ficado evidentes e, no verão de 2004, Sir Alex Ferguson lhe levou ao Manchester United.

Pouco após se transferir para a Inglaterra, Gabriel também ganhou o ouro na Olimpíada de Atenas. Aos 26 anos, foi um dos três atletas acima do limite de idade convocados pelo técnico Marcelo Bielsa, ao lado de Kily González e Roberto Ayala, e atuou em todas as partidas da competição, com um gol marcado ante Sérvia e Montenegro, na fase de grupos. Vale destacar que aquela geração argentina tinha nomes como Nicolás Burdisso, Fabricio Coloccini, Javier Mascherano, Lucho González, Andrés D’Alessandro, Javier Saviola e Carlos Tévez, artilheiro do torneio.

De volta ao Manchester United, Heinze mostrou ser um grande líder, mas nunca se considerou um atleta de qualidade técnica indiscutível. “Eu nunca fui um craque, mas sempre dei o meu melhor: meu trabalho era correr e trabalhar duro. Outros é que deveriam ganhar os jogos com uma jogada. É o conceito de equipe: você não precisa se sentir menosprezado se sua tarefa for mais cansativa e menos chamativa, basta tentar ser o melhor nela”, afirmou à revista Sportweek. Modéstia à parte, Gabriel foi eleito pela torcida dos Red Devils como melhor jogador do clube em 2004-05, sua temporada de estreia.

Já no fim de sua carreira, Heinze passou rapidamente pela Roma (Getty)

No início de seu segundo ano na Inglaterra, o defensor rompeu os ligamentos cruzados do joelho e ficou fora de combate até a Copa do Mundo de 2006 – Heinze, que fora titular nas campanhas dos vice-campeonatos da Argentina na Copa América de 2004 e na Copa das Confederações de 2005, também ocupou o posto no maior torneio de seleções do planeta. No entanto, a séria lesão comprometeu o seu futuro no Manchester United, já que Patrice Evra foi contratado para seu lugar. Em 2006-07, sua última temporada em Old Trafford, El Gringo foi utilizado principalmente como zagueiro e, como coadjuvante, faturou a Premier League.

O argentino deixou a Inglaterra em 2007, pouco depois de amargar mais um vice-campeonato da Copa América com a seleção de seu país, e passou a vestir a camisa blanca do Real Madrid. Pelo time merengue, Heinze ganhou La Liga e a Supercopa da Espanha, ocupando uma posição de maior relevância em seu segundo ano no Santiago Bernabéu. No entanto, isso não lhe garantiu sequência no clube: em 2009, foi novamente negociado.

Naquele verão, Gabriel gerou polêmica na França ao aceitar a proposta do Olympique de Marseille, maior rival do PSG. No sul do país, o zagueiro comemorou o título da Ligue 1 e voltou a celebrar a conquista de uma copa nacional. Heinze também manteve espaço na seleção argentina e disputou a Copa do Mundo de 2010. Meses depois da competição, aos 32 anos, se aposentou da albiceleste.

Em maio de 2011, El Gringo viu o seu contrato com o Marseille se encerrar e decidiu não renová-lo, deixando o clube gratuitamente. E é apenas nessa época, com 33 anos, que Heinze finalmente entra em contato direto com o futebol italiano. Inicialmente, o argentino recebeu uma proposta do Bologna.

Porém, durante aquela mesma pré-temporada, o diretor esportivo Walter Sabatini, escolhido pelos novos donos da Roma, foi contratado para revolucionar o time giallorosso. Alguns meses antes, o clube da capital italiana tinha sido vendido a um grupo de norte-americanos liderados por Thomas DiBenedetto, que seria o primeiro presidente da gestão dessa sociedade, e James Pallotta, que assumiu o timão em 2012.

Sabatini entendeu que Heinze poderia ser um reforço interessante para a zaga romanista e, assim, a Roma superou facilmente a proposta salarial que a diretoria do Bologna ofereceu ao argentino. Convencido pelo projeto esportivo, tocado pelo técnico espanhol Luis Enrique, e pela possibilidade de continuar a atuar numa equipe grande, Gabriel firmou um vínculo anual com os giallorossi – com extensão automática em caso de pelo menos 25 aparições na temporada. Na Cidade Eterna, El Gringo seria opção para o centro da defesa, ao lado de Juan e Simon Kjaer – Nicolás Burdisso, que atuava mais frequentemente como lateral-direito, e o volante Daniele De Rossi também podiam ser utilizados por ali.

Apesar de sua vasta experiência, o argentino teve dificuldades de deslanchar pela Roma de Luis Enrique (AFP/Getty)

O zagueiro estreou pela Roma no primeiro jogo da Serie A, no Olímpico, contra o Cagliari. Os sardos, aproveitando a expulsão do lateral-esquerdo José Ángel, ganharam por 2 a 1, com gols de Daniele Conti e Moestafa El Kabbir. Resultados negativos, aliás, foram a tônica da temporada romanista. A equipe giallorossa não conseguiu se encaixar em 2012-12. Luis Enrique, que anos depois ganharia tudo pelo Barcelona, ainda era jovem e não teve o apoio necessário para construir um time de personalidade.

Mesmo assim, o técnico espanhol deixou uma boa lembrança nos jogadores daquela Roma. Entre eles, Heinze, que o elogiou numa entrevista ao canal oficial do clube. “O trabalho que estamos fazendo é impressionante. Gosto de pessoas que confiam em suas ideias, elas transmitem confiança. Luis Enrique tem o desejo e a fome de vitórias, e isso é muito importante para um profissional”, afirmou.

Apesar das loas ao treinador e do currículo que ele construiria, a Roma teve um desempenho irregular ao longo do ano, como afirmamos acima. A defesa, por exemplo, sofreu 54 gols na Serie A. Heinze atuou em 30 das 38 partidas da competição, sendo 27 delas como titular, e não conseguiu dar solidez ao setor – a bem da verdade, os maiores problemas estavam no lado direito da retaguarda, onde Kjaer atravessou um período bastante negativo. No fim das contas, a Loba perdeu 14 vezes e encerrou o campeonato com um modesto sétimo lugar.

Como entrou em campo mais de 25 vezes em 2011-12, Heinze teve o seu contrato com a Roma automaticamente renovado. No entanto, no dia 10 de agosto de 2012, El Gringo encerrou a sua experiência no país de seu avô materno ao rescindir o vínculo com o clube de forma consensual. Um fato que simbolizou a passagem de pouca sorte do argentino pela Itália foi o fato de que a equipe capitolina foi a única pela qual ele não marcou gols em sua carreira.

A rescisão teve um motivo simples: Gabriel decidiu voltar para a Argentina, no intuito de concluir a sua trajetória como profissional pelo time que o revelou, o Newell’s Old Boys. Heinze disputou mais duas temporadas pelos leprosos, nas quais ainda conseguiu ganhar um título nacional e disputar semifinais de Copa Libertadores – no caso, contra o Atlético Mineiro de Ronaldinho. Aos 36 anos, se aposentou.

Depois de pendurar as chuteiras, Heinze se tornou treinador, mas até então a sua carreira à beira dos gramados não teve os mesmos resultados da antecedente. El Gringo já foi técnico do Godoy Cruz, do Argentinos Juniors e do Vélez Sarsfield, obtendo os seus melhores resultados pelo time de Liniers. Em 2020, o comandante fechou acordo com o Atlanta United, da Major League Soccer, mas foi demitido meses depois: somou apenas quatro vitórias em 17 jogos e ainda teve um sério desentendimento com Josef Martínez, a estrela do elenco.

Gabriel Iván Heinze
Nascimento: 19 de abril de 1978, em Crespo, Argentina
Posição: zagueiro e lateral-esquerdo
Clubes: Newell’s Old Boys (1996-97 e 2012-14), Valladolid (1997-98 e 1999-2001), Sporting (1998-99), Paris Saint-Germain (2001-04), Manchester United (2004-07), Real Madrid (2007-09), Marseille (2009-11) e Roma (2011-12)
Títulos: Copa Intertoto (2001), Copa da França (2004), Ouro Olímpico (2004), Copa da Liga Inglesa (2006), Premier League (2007), La Liga (2008), Supercopa da Espanha (2008), Ligue 1 (2010), Copa da Liga Francesa (2010 e 2011) e Campeonato Argentino (Torneio Final; 2013)
Clubes como treinador: Godoy Cruz (2015), Argentinos Juniors (2016-17), Vélez Sarsfield (2017-20) e Atlanta United (2020-21)
Títulos como treinador: Primera B Nacional (2017)
Seleção argentina: 72 jogos e 3 gols

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