Graziano Pellè cresceu nas categorias de base do Lecce, numa das melhores gerações da história do clube, que conquistou dois títulos do Campeonato Primavera sob o comando de Roberto Rizzo. Pela equipe salentina, foi artilheiro em todas as categorias juvenis e estreou na Serie A em 2004. Para variar, cedo demais.
Muitas vezes diz-se sobre a dificuldade que os clubes italianos têm em lançar jogadores muito jovens em seu elenco profissional. O caso é que há uma margem para que os técnicos tenham desconfiança com aqueles recém-pinçados da base. Então com 18 anos, Pellè não conseguiu o que dele se esperava, seja na Serie A com o Lecce ou na B, emprestado ao Catania: gols.
Enquanto isso, entrava na rota da mídia com o bom Mundial Sub-20 de 2005. As convocações para a seleção italiana sub-21 vieram na temporada 2006-07, em seu primeiro ano como protagonista: na péssima campanha que culminou no rebaixamento do Cesena, ainda conseguiu marcar dez gols e ser eleito o melhor atacante italiano de até 21 anos.
Ao fim da temporada, o Lecce negociou o centroavante com o AZ Alkmaar de Louis van Gaal, por cinco milhões de euros. Há uma temporada e meia no clube, Pellè é uma sonora decepção. Chegou como grande esperança de um clube de projetos ambiciosos e pouco apareceu. De fato, só voltou à imprensa internacional na última semana de 2008, com o gol da vitória do seu time sobre o NEC Nijmegen, que de quebra deu ao time o “título” de campeão de inverno da Eredivisie.
Pellè garante que ainda voltará para a Itália, mas que vencerá antes em Alkmaar. A Serie A o deixou partir em 2007 por conta do alto investimento feito pelos holandeses, muito para uma liga ainda de ressaca dos escândalos de corrupção que abalaram o futebol italiano inclusive financeiramente. Somando isso com o modus operandi italiano que dificulta o lançamento efetivo das promessas da base em uma liga tão difícil, o cenário se armou para sua saída.
Uma história análoga é a de Enzo Maresca, jogador bastante técnico que jogou em todas as categorias de base da seleção italiana e hoje é tido como um dos melhores meias da Liga espanhola. Maresca começou no Milan, mas foi dispensado ainda antes de se profissionalizar e partiu para o Cagliari. Na Sardenha também não jogou e partiu para a Inglaterra: no WBA foi titular, destaque da Division One (a segunda divisão inglesa) e negociado com a Juventus.
Entre janeiro de 2000 e junho de 2005, dividiu-se entre Juventus, Bologna, Piacenza e Fiorentina, mas sem nunca se firmar, mesmo com o futebol convincente apresentado em Turim. A história era a de sempre. Antes contratar, depois aproveitar os jovens. Negociado com o Sevilla, se tornou peça fundamental das duas Copas da Uefa e uma Copa do Rei conquistadas pelo clube rojiblanco. E agora sempre aparece na agenda de contratações dos grandes italianos.
Na mesma época em que Maresca estava na Juve, Fabrizio Miccoli também buscava afirmação. Bandeira da Ternana, foi negociado com os bianconeri e rodou por empréstimo até se destacar na Superliga portuguesa pelo Benfica, já com 27 anos, o suficiente para se tornar um dos grandes desperdícios recentes do futebol italiano. O Palermo finalmente confiou em seu futebol e “o Romário do Salento” é vice-capitão e xodó da torcida.
Giuseppe Rossi fez caminho diferente. Saiu do Parma ainda como juvenil, mas sem espaço no Manchester United, voltou a seu clube por empréstimo para uma missão quase impossível: salvar o clube do rebaixamento. Rossi arrebentou e liderou o time em uma reação sensacional, mas não convenceu nenhum dos gigantes italianos a investir em seu futebol. Torcedor declarado do Milan, viu Berlusconi gastar seu dinheiro em Alexandre Pato e partiu para o Villarreal por 10 milhões de euros.
Com a dificuldade de Aquilani se firmar na Roma graças às sucessivas lesões, somente Montolivo e Chiellini têm tido espaço concreto tanto na Nazionale quanto em seus clubes italianos. O problema acaba estourando na defesa, até pouco tempo atrás setor forte da seleção. Sem novos nomes surgindo, gente não mais que mediana (como Amelia, Zaccardo, Bonera) e alguns medíocres (Barzagli, Curci) aparecem com freqüência assustadora entre os convocados.
É claro que a Itália não crê em seus jovens e a última convocação de Lippi é um bom exemplo, quando seis dos 23 convocados atuavam em clubes de fora da Serie A – número considerável, se considerarmos que todos os campeões mundiais de 2006 estavam no campeonato do país. Essa falta de renovação acompanhada de uma debandada de jogadores até de nível mediano (Dossena, Grosso, De Sanctis) já atrapalhou Donadoni na montagem do grupo que decepcionou na última Eurocopa e tende a fazer o mesmo com Lippi no caminho para a próxima Copa do Mundo.
A insistência da imprensa do país em veicular notícias sobre possíveis retornos de Nesta, Del Piero e Totti à camisa azzurra é um bom termômetro. Bem como a obstinada discussão sobre a naturalização de Amauri. Como já discutido tantas vezes nesta coluna, é tradicional a falta de espaço dada pelos clubes da Serie A, uma falha crônica de uma das ligas mais fortes do mundo. Mas agora até mesmo a seleção do país corre perigo em médio prazo, ainda que possua boas gerações em surgimento. Porque não basta ter bons jogadores na base. E nem sempre é tão cedo assim para lançá-los. Ou para tanta desconfiança.