Nesta Copa do Mundo, um personagem controverso do futebol italiano do início do século voltou a dar as caras e a ser comentado mundialmente. Estamos falando do técnico Héctor Cúper, que não conseguiu classificar a seleção do Egito para as oitavas de final do torneio disputado na Rússia. Com mais essa decepção, o argentino acabou evidenciando uma das principais características de sua carreira: a dificuldade de conseguir entregar resultados.
Como jogador, Cúper foi protagonista de uma trajetória oposta e costumou superar as expectativas iniciais: atuando como zagueiro, foi bicampeão nacional com o pequeno Ferro Carril Oeste e chegou à seleção principal da Argentina. Já no ocaso da carreira, o defensor se destacou no Huracán, devolveu o Globo à elite e foi lá mesmo que se iniciou como treinador.
Nos seus primeiros anos na nova função, Héctor Cúper também foi capaz de ir além de suas pretensões iniciais. O técnico foi vice-campeão argentino pelo Huracán e em seguida levou o pequeno Lanús a três terceiras posições seguidas nos torneios nacionais e ao título da finada Copa Conmebol – a primeira taça internacional dos grenás. Em 1997, Cúper já aportava nas paradisíacas Ilhas Baleares para treinar o Mallorca, da Espanha.
O técnico argentino ficou dois anos no comando dos bermellones e teve sucesso. Indicou compatriotas como o goleiro Carlos Roa e o enganche Ariel Ibagaza, que tiveram passagens marcantes pelo clube, e ainda fez jogadores como Javier Olaizola e Paco Soler renderem em alto nível. Sob seu comando, o Mallorca foi vice-campeão da Copa do Rei e da extinta Recopa Uefa (perdeu na final para a Lazio) e, principalmente, venceu uma Supercopa espanhola e atingiu sua melhor colocação em La Liga – um terceiro lugar, em 1998-99.
Os resultados positivos e a conquista da vaga na Liga dos Campeões em Palma de Mallorca renderam a Cúper a contratação pelo Valencia. O treinador argentino comandou os che por duas temporadas e, em ambos, chegou à final da Champions League com os valencianos de forma surpreendente. E deixou também aquela que seria a assinatura mais forte de sua carreira: o quase. Com dois vices europeus, um título da Supercopa da Espanha e um trabalho sólido, em junho de 2001 Cúper acertou com a Inter, que buscava encerrar um jejum nacional que durava 12 anos.
O início de trabalho de Cúper foi positivo, com direito a invencibilidade nas sete primeiras rodadas da Serie A. A sequência foi interrompida por uma derrota no dérbi contra o Milan, mas aquela foi apenas uma das duas quedas dos nerazzurri no primeiro turno do campeonato. A Beneamata concluiu a parte inicial da competição na liderança, administrava com tranquilidade a participação na Copa Uefa e o único motivo para desconfiança seria a eliminação precoce na Coppa Italia. Seria, caso Cúper não travasse uma guerra fria nos bastidores com Ronaldo, a maior estrela daquela equipe.
O craque brasileiro retornava pouco a pouco de duas lesões que o afastaram dos gramados por quase dois anos e, inicialmente, foi usado a conta-gotas por Cúper. Segundo uma reportagem da revista Carta Capital, assinada por Bob Fernandes, o técnico teria chegado a pedir a médicos e fisioterapeutas que protelassem a liberação de Ronaldo, que precisava jogar para ter chances de jogar a Copa do Mundo de 2002. O jornalista afirma ainda que Cúper teria aconselhado Luiz Felipe Scolari a não convocar o atacante porque sua recuperação estaria atrasada.
Cúper e Ronaldo tinham uma má relação no dia a dia, mas o estopim aconteceu na véspera do natal, na última rodada antes da pausa de inverno. O brasileiro, que balançara as redes três vezes num espaço de 10 dias e comemorava o retorno com gols, foi escalado para iniciar uma partida contra o Piacenza, mesmo após ter acusado desgaste muscular contra o Verona, quatro dias antes. Ficou acertado que Ronnie jogaria apenas o primeiro tempo, mas o treinador pediu que o atacante esperasse mais 10 minutos.
Passaram-se 10, 15, quase 20 minutos até a placa subir: aos 64, Cúper substituiu Sérgio Conceição. Dois minutos depois, Ronaldo sofreu uma distensão muscular e ficou afastado dos campos por quatro meses. O Fenômeno se sentiu traído pelo técnico, que nunca se desculpou por não ter cumprido com o combinado.
Ronaldo voltou no início de abril para auxiliar a Inter na reta final da temporada, mas não conseguiu evitar a queda para o Feyenoord nas semifinais da Copa Uefa. Na Serie A, com quatro gols do camisa 9, a Beneamata chegava na última rodada precisando de uma vitória no Olímpico contra a Lazio para acabar com um jejum de 13 anos sem faturar o scudetto.
Naquele fatídico 5 de maio de 2002, a equipe nerazzurra levou 4 a 2 e amargou a terceira posição da Serie A. O clima ficou ainda mais pesado porque Cúper decidiu substituir Ronaldo por Mohamed Kallon após o quarto gol laziale, num gesto que foi visto como uma forma de responsabilizar o craque perante à torcida. Ronaldo se debulhou em lágrimas, mas dois meses depois conquistava o mundo pelo Brasil.
Durante a preparação para a temporada seguinte, Ronaldo decidiu dar um ultimato a Massimo Moratti: ou Cúper ou ele. Como a Inter trocava de técnicos com frequência naquela época e o argentino havia dado alguma estabilidade e competitividade ao time, Moratti não quis mudar o comando novamente. O Fenômeno treinou em Milão separadamente durante todo o verão europeu e não foi relacionado para nenhuma partida até o fechamento do mercado: a negociação com o Real Madrid se concretizaria apenas no último dia da janela de transferências. No mesmo dia, Hernán Crespo chegava para tomar o seu lugar.
Cúper ganhou a queda de braço, mas não voltou a ter sucesso na carreira. Enquanto o Fenômeno foi pentacampeão mundial pela Seleção, virou ídolo na capital da Espanha e até hoje afirma que o argentino foi o pior técnico que já teve, Cúper teve sua última boa temporada como treinador de clubes de ponta na própria Inter, em 2002-03.
Os nerazzurri tiveram um ataque liderado por Crespo e Christian Vieri – com Álvaro Recoba, Obafemi Martins e Kallon como opções – e acabaram ficando com a segunda posição da Serie A, que foi vencida pela Juventus, por sete pontos de vantagem. Na disputa da Liga dos Campeões, o treinador argentino comandou a Inter numa difícil segunda fase de grupos, com Barcelona, Bayer Leverkusen (então vice-campeão) e Newcastle, e viu o seu time eliminar o Valencia nas quartas. No Derby della Madonnina das semifinais deu Milan: após 0 a 0 no jogo de ida, com mando interista, o 1 a 1 na volta levou os rivais à final contra a Juve. Mais uma vez Cúper bateu na trave.
Em 2003-04, Héctor Cúper só durou oito jogos no comando da Inter. Os resultados nas temporadas anteriores até poderiam parecer bons, mas não eram considerados satisfatórios nem pela torcida nem pela diretoria. Ademais, a equipe escorregava nos momentos decisivos, nos quais não conseguia manter a solidez apresentada ao longo do trabalho do argentino. Nem mesmo uma vitória histórica sobre o Arsenal em Highbury Park pela Champions League salvou a cabeça do treinador, que foi demitido após uma derrota contra o Milan e um empate com o Brescia, na primeira quinzena de outubro de 2003.
O argentino ficou um ano sem treinar nenhum clube até que, em novembro de 2004, foi convidado para assumir o Mallorca, então penúltimo colocado em La Liga. Cúper salvou os bermellones do rebaixamento, mas na temporada posterior não conseguiu fazer a equipe ser competitiva e acabou se demitindo em fevereiro de 2006, deixando o Mallorca na última posição – Gregorio Manzano, seu substituto, salvou os insulares da queda. Em 2007, Cúper também teve uma breve e negativa passagem de quatro meses pelo Betis, que o demitiu.
Héctor Cúper reapareceu em solo italiano em março de 2008, quando foi contratado na reta final da temporada por um Parma em crise. Os ducali já haviam se salvado na bacia das almas no ano anterior graças a Giuseppe Rossi e Claudio Ranieri, mas Domenico Di Carlo não vinha dando conta do recado. Cúper também não deu: somou apenas duas vitórias e cinco derrotas em 10 jogos e foi demitido antes da última rodada. Sem o argentino (e com o interino Andrea Manzo), os parmenses perderam para a Inter e caíram para a Serie B depois de 18 anos na elite.
O treinador ainda teve uma experiência infrutífera à frente da seleção da Geórgia e se despediu sem uma vitória sequer. Nas Eliminatórias para a Copa de 2010, a equipe do Cáucaso caiu no grupo da Itália e foi derrotada duas vezes por 2 a 0, de forma insólita: na ida, com dois gols de Daniele De Rossi; e na volta com dois gols contra no melhor estilo Oséas, marcados por Kakha Kaladze.
Após a experiência na Eurásia, Cúper se tornou um gira-mundo. O argentino teve um trabalho mediano no futebol da Grécia e somou mais um vice-campeonato à sua carreira ao ficar com a segunda posição na copa local pelo Aris. Depois de ser demitido pelo clube de Tessalônica, não passou muito tempo no Racing Santander, da Espanha, e logo arrumou as malas.
O técnico rumou para a Turquia um mês depois da demissão na Espanha e acertou com o pequeno Orduspor. O argentino salvou o time do rebaixamento na primeira temporada, mas os maus resultados não lhe pouparam da demissão no campeonato seguinte. Héctor Cúper ainda teve uma passagem risível pelo Al Wasl, dos Emirados Árabes Unidos, até ser anunciado de forma até surpreendente como o novo técnico do Egito, em março de 2015.
No comando dos Faraós, Cúper ganhou uma sobrevida como técnico de futebol. Aproveitando a fase esplendorosa de Mohamed Salah, classificou a seleção egípcia para a Copa Africana de Nações e se sagrou (novamente!) vice-campeão do torneio, em 2017. O Egito acabou perdendo de virada para Camarões, mas se consolou – e como – com a participação na Copa do Mundo, o que não lhe acontecia havia 28 anos. A queda na fase de grupos, porém, foi uma decepção para a equipe árabe e rendeu a demissão ao treinador. Em seguida, o argentino acumulou fracassos pelas seleções do Uzbequistão e da República Democrática do Congo, além de ter obtido algum brilho ao levar a Síria até as oitavas da Copa da Ásia, em 2023.
Até hoje, Cúper divide opiniões. Pelas diferenças com um jogador tão popular quanto Ronaldo, há poucos que considerem que ele tenha sido um técnico de ponta na virada do milênio, e muitos que relativizem os seus grandes momentos na Argentina, na Espanha e na Itália. Este segundo grupo tem um sonoro argumento a seu favor. Afinal, o melhor aproveitamento do ex-zagueiro como treinador foi em sua atribulada passagem pela Inter: 52,29% no total; com pico de 55,32% na temporada inaugural em Milão.
Héctor Raúl Cúper
Nascimento: 16 de novembro de 1955, em Chabás, Argentina
Posição: zagueiro
Clubes como jogador: Ferro Carril Oeste (1976-77 e 1978-88), Independente Rivadavia (1977-78) e Huracán (1988-92)
Títulos como jogador: Campeonato Argentino (1982 e 1984) e Segunda Divisão Argentina (1990)
Carreira como treinador: Huracán (1993-95), Lanús (1995-97), Mallorca (1997-99 e 2004-06), Valencia (1999-2001), Inter (2001-03), Betis (2007), Parma (2008), Geórgia (2008-09), Aris (2009-11), Racing Santander (2011), Orduspor (2011-13), Al Wasl (2013-14), Egito (2015-18), Uzbequistão (2018-19), República Democrática do Congo (2021-22) e Síria (2023-24)
Títulos como treinador: Copa Conmebol (1996) e Supercopa da Espanha (1998 e 1999)
Seleção argentina: 3 jogos