Categorias de base

Nascido no Brasil, cresciuto in Italia

Muito se tem falado sobre Amauri e suas relações nacionalistas. Por qual seleção ele deveria atuar; Itália ou Brasil? Qual é a sua verdadeira pátria? Ele se sente brasileiro ou italiano? O que nos esquecemos de perguntar, contudo, é em como ele foi parar lá. Amauri, bem como inúmeros outros “Decos” ao redor do mundo, transferiu-se para outro país quando ainda atuava pelas categorias de base, ou pelo menos tinha idade para tal. Este especial, dedicado aos brasileiros desconhecidos ou mal-sucedidos que acabam partindo cedo para a Itália, aborda as questões de como, quando e por que estes recebem a oportunidade de jogar na bota.

Se alguns se assustam quando vêem jogadores como Taddei, Mancini, Doni, Felipe Melo e Maicon indo tão longe no futebol italiano é porque estes não causaram boa impressão – ou nem tão boa – por aqui. Alguns atletas, entretanto, sequer puderam causar alguma impressão. Algo que raramente poderia acontecer no passado – Altafini, por exemplo, chegou ao Milan com apenas 20 anos; entretanto, defendeu unicamente o time principal – hoje não é tão complicado se ver caras desconhecidas crescendo na terra da pizza. Amauri, claro, é o nome do momento. Nascido na pequena Carapicuíba, chamou a atenção dos olheiros do Bellinzona após realizar um bom Torneo di Viareggio, em 2000, com o Santa Catarina Clube. Logo no início do ano seguinte já fecharia com o Parma e, após anos de experiências diversas com juniores e profissionais, firmou-se no Chievo, no Palermo e, quem diria, é atleta da poderosa Juventus de Turim. Ou seja, seu currículo é praticamente todo “made in Italy”, ou melhor, fatto in Italia.

Dos exemplos acima, nenhum brasileiro “lado b” chegou a atuar pelas categorias de base dos clubes italianos. Quem são, então, aqueles que defendem as equipes de juniores, como as do Primavera? Pois, afinal, já não só é possível, como não é difícil encontrar os que cresceram futebolisticamente na Itália, recebendo a educação de lá, e que se adaptaram ao país desde cedo. Se antes um jogador só se transferia para concretizar seu sucesso, hoje muitos deles já se moveram para começar a dar sinais de qualquer tipo de sucesso.

Amauri em “sou feio, mas sou a moda”

Apostas recentes

Jeffe e Felipe Mattioni até jogaram pelos times principais de Paraná e Grêmio, respectivamente. O segundo até parecia já se firmar na lateral-direita do clube, criando uma boa expectativa acerca de seu potencial. O que ninguém discorda é que nenhum dos dois conquistou seu lugar no Brasil, firmou-se por aqui. Longe disso. Jeffe fechou contrato com a Fiorentina após o seu vínculo expirar com a equipe paranaense. Nesta, disputou pouco mais de 20 partidas em dois Brasileiros. Na Itália, alterna-se entre os times base e principal da squadra. Disputou a Copa Viareggio com os Viola, onde entrou em campo duas vezes e marcou um gol. Teve sua presença abreviada por conta de uma fratura na mandíbula ainda na segunda rodada. Jeffe fechou com o clube por cinco anos após seu contrato expirar com o Paraná – ele havia sido especulado por Sampdoria e Parma.

Mattioni, por sua vez, desembarcou em Milão para já servir a equipe principal. Tanto ele quanto Jeffe alternam entre as categorias, sem, no entanto, receber oportunidades com o time titular, por assim dizer. O gaúcho entrou em acordo com os rossoneri após assinar um contrato de empréstimo com direito de compra por parte dos milanistas. Ele havia sido fortemente sondado pela Juventus. Estreou em um amistoso contra o Rangers, em fevereiro. Seu procurador, o italiano Mino Raiola, também levou Kerlon à Itália. Outro atleta que, por sinal, não atuando com o grupo de elite do Chievo, marcou presença na categoria de base italiana.

Mattioni e Nosferatu

Ainda na Fiorentina se tem o lateral-direito Alex Costa. Baiano, 20 anos, Alex ironicamente começou sua carreira no Lokomotiv Plovdiv, da Bulgaria, e foi então emprestado ao clube toscano no início de 2007. Adquirido no ano seguinte, segue como elemento brasileiro na base viola. Outro baiano que marcou presença na base italiana foi o defensor Fabiano Santacroce, cada vez mais firme no Napoli. Este, porém, mal se aplica ao texto, tomando-se em conta o fato de que praticamente só foi parido no Brasil. Já o meia Filipe Ribeiro, saído do Vasco da Gama com apenas 18 anos, tentou a sorte na Fiorentina, ou melhor, em sua categoria Primavera. Sem sucesso e após sofrer com grave lesão no joelho, tratou-se no centro médico da Roma, por onde permaneceu e agora faz parte da equipe principal, mesmo raramente recebendo oportunidades.

Mais uma cara brasileira na Roma é João Paulo Marangon, irmão do goleiro Doni. Atualmente emprestado ao Virtus Lanciano, fazia parte do meio-campo do grupo Primavera romanista. E falando em irmãos mais novos, claro, tem-se o de Kaká; Digão. O zagueiro de 23 anos atuou pelas categorias de base da Sampdoria e do próprio Milan, clube com o qual ainda tem contrato, apesar de, hoje, estar emprestado ao Standard de Liège. Outro gaúcho se aventurando na Itália é o atacante Paulo – ou Paulinho – Betanin. Transferido do Juventude para o Livorno em 2004, com 18 anos, fez parte dos times de base e principal do clube amaranto, onde ainda atua. Rodrigo Defendi, zagueiro saído do Cruzeiro e que chegou a defender Udinese e Roma nas equipes Primavera, hoje atua pelos alviverdes da Avellino.

Pizza de feijão

Nem sempre as coisas dão certo para os jovens brasileiros na Itália. Guilherme do Prado, 27, por exemplo, é um dos jogadores que não obtiveram tanto sucesso na bota. Ao ser transferido da Portuguesa para o Catania, em 2002, alternou entre os grupos júnior e principal do clube, onde acabou não se firmando. Também não o fez em Perugia, Fiorentina, Spezia e Mantova. Hoje defende o Pro Patria, clube da Serie C1, o que não é muito bem o sonho de um boleiro do mundo moderno. Do Prado foi o segundo brasileiro a vestir a camisa do Pro Patria. O primeiro, Robson Toledo, meio-campista que ainda joga pela equipe, é outro exemplo de insucesso. Após alinhar com a Primavera de Perugia e Lugano, chegou a fechar com a Udinese. Toledo passou longe de se garantir e, atualmente com 27 anos, tem no currículo mais de sete passagens sem prestígio por clubes distintos.

Homônimo ao exemplo supracitado, o meia-esquerda Guilherme Siqueira, 22 anos, também não goza de muito êxito em território italiano. Chegou à Inter na temporada 2005-06 e fez parte do grupo Primavera da equipe. Não deu muito certo e foi emprestado à Lazio, onde também não se acertou. Atuou, ainda, dois anos pela Udinese, quando conseguiu alguns jogos com a categoria máxima na Serie A. Para continuar na busca de seu lugar, foi emprestado ao Ancona, da Serie B, onde tenta reverter a situação negativa em que se meteu. Adaílton, que já foi tema de um texto aqui no Olheiros, chegou à Itália com 20 anos graças ao Mundial Sub-20 de 1997. Foi jogado às pressas no grupo principal com a expectativa de um futebol absurdo, o qual não veio. Posteriormente, atuou com a Primavera do Parma para se adaptar ao calcio. Hoje com 32 anos e uma carreira grandemente italiana, pode-se afirmar que nunca rendeu o que se esperava.

Se os mencionados aqui definitivamente não vingaram, as projeções também podem não ser as mais otimistas para os atletas do intertítulo acima. Defendi, Marangon e Digão não se firmaram nos clubes grandes e terão de provar seu valor com experiências breves em equipes de menor expressão, enfrentando uma paciência alheia sempre mais curta. Kerlon dá cada vez mais pinta de eterna promessa e Alex Costa não parece atrair a atenção necessária para si. Jeffe, por sua vez, sofre com uma concorrência fortíssima no ataque da Fiorentina e muito provavelmente passará pelo mesmo processo dos três primeiros, sendo emprestado para algum clube inferior.

A tendência Caio Werneck

Levar um adolescente do Brasil para a Itália para servir as categorias de base desta – ou seja, servir basicamente como plano futuro – ainda não é fato tão corriqueiro. Os italianos não pegaram o costume de abusar das contratações precoces, optando por, sempre que possível, apostar naquilo que é menos aposta, isto é, mais certo e seguro para o presente. Inclusive chegaram a perder uma quantidade razoável de talentos recentes, como Macheda, Rossi e Petrucci. Portanto, ainda não é comum encontrar tantos brasileiros crescendo para estourar ou falhar na Serie A. Amauri, depois de tantos anos de grosseria, é uma exceção a algo que nem pode ser chamado de regra. A situação, claro, muda com o tempo, e quem sabe quantos casos como o de Caio Werneck – garoto de 9 anos recentemente adquirido pela Roma – não haverá dentro de alguns anos.

Caio, 9: nova tendência?

Também no Olheiros.

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